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Laicidade do Estado é conquista dos evangélicos, lembra Marina Silva

Ela destacou que o caminho do ódio é criado pelo exclusivismo político e religioso, e que isso não é bom para a democracia e desrespeita a Constituição. Trata-se, para quem não se lembra, de uma questão eminentemente constitucional.

14/9/2022

O Estado é laico, não se cansam de dizer todos. Mas o que quer dizer isso? Como isso funciona na prática?

A laicidade do Estado não é apenas o direito de cada um professar sua fé. É, sobretudo, a separação total do Estado a qualquer religião. E por que isso seria necessário?, pergunta o leitor. Porque, outrora, o Estado e a Igreja viviam unidos. E havia, acreditem, uma religião oficial do Estado.

Hoje, não há mais isso no Brasil. Mas nem sempre foi assim.

Atualmente, não sendo a religião algo que tenha a ver com o funcionamento do Estado, não se compreende que o tema religioso esteja tão presente no debate político.

Numa recente entrevista, a ex-candidata à presidência da República, e atual postulante a uma vaga na Câmara dos Deputados, Marina Silva, falou dessa distorcida situação na qual vivemos.

Reconhecidamente uma evangélica praticante, ou seja, estando em seu lugar de fala, ela recorda que a laicidade do Estado é justamente uma conquista da reforma protestante e, sobretudo, dos evangélicos, e que não faz bem para a democracia, e desrespeita a Constituição, fazer a mistura da fé com a política.

Os bacharéis em Direito conhecem bem o trecho da Oração aos Moços, de Rui Barbosa, quando ele diz que não se deve fazer da banca um balcão. Marina Silva, sem querer, acaba por parafrasear o conselheiro Rui e diz que não se deve fazer do púlpito um palanque.

Ouçamo-la:

Encarando os espinhos

Como se viu, Marina Silva também falou em respeito a todos os cidadãos brasileiros, ressaltando com desassombro que é preciso haver políticas afirmativas para aqueles que precisam de reparação. E colocou nessa lista povos indígenas, o povo preto, mulheres, e - sem fugir do debate - os que vivem em situação de vulnerabilidade ou que foram vulnerabilizados, como é o caso da população LGBTQIA+. 

Ademais, lembra que qualquer coisa que leve para o caminho do ódio não é boa para a democracia ou para as religiões, além de desrespeitar a Constituição.

Questão constitucional

Ao falar em inconstitucionalidade, Marina Silva acerta precisamente, pois, de fato, trata-se de um tema caro para o constituinte originário.

Não se pode ignorar que o catolicismo foi, por muitos anos, considerado a religião oficial do Brasil – desde a vinda dos portugueses até a chegada da República.

O art. 5º da Constituição de 1824 preceituava que "a Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo."

Só décadas depois é que haveria uma separação entre Igreja e Estado. Com a Proclamação da República, os novos ventos não podiam conviver com essa junção.

Tanto isso se deu que, na Constituição Republicana de 1891, a religião católica perdeu o status de "oficial" e o Brasil passou, enfim, a ostentar o título de Estado laico.

O § 2º de seu art. 11 proclamava que "é vedado aos Estados, como à União, estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exercício de cultos religiosos".

Consagra-se, ali, a liberdade de crença e, finalmente, de culto, firmando-se que todas as religiões contam com a proteção estatal.

Machado de Assis

Quando Marina Silva diz que a laicidade é uma conquista protestante, ela tem toda razão. Foram os protestantes que, mutatis mutandis, protestaram.

Machado de Assis, numa de suas saborosas crônicas, conta um caso que bem exemplifica isso.

Aliás, quem já leu o Bruxo do Cosme Velho sabe que o escritor é extremamente crítico ao fato de que o Estado tinha, antes de 1891, uma religião oficial. Ele trata diversas vezes do assunto.

Na crônica a que fizemos referência, ele conta que um pastor da igreja evangélica, em 1891, tinha, no culto, questionado a presença das imagens sacras nos prédios públicos.

Um dos fiéis, após ouvir o pastor, foi, sponte propria, ao prédio do fórum no Rio de Janeiro, e quebrou a imagem de Cristo que havia no Salão do Júri.  

Como se pode imaginar, o fiel foi preso e processado. E, para surpresa do leitor, o pastor também foi processado. Este não foi condenado, mas a mesma sorte não teve o fiel.

Essa história, assim como outras, pode ser encontrada no Código de Machado de Assis (ed. Migalhas).

Mas afora o merchandising do livro, o fato narrado serve para mostrar que, de fato, a laicidade do Estado, como diz a candidata, é uma conquista do povo evangélico.

Conquista essa que deve ser exemplo para que não se misture, em hipótese alguma, religião com política.

Cada coisa em seu lugar. E o da religião é o púlpito, que não se confunde com o palanque.  

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