Nesta quarta-feira, 31, o STF julgou inconstitucional dispositivo da lei 14.230/21 que assegura apenas ao MP a legitimidade para ajuizar ação de improbidade e celebrar acordo de não persecução civil. Por maioria, o Supremo concluiu que retirar das pessoas jurídicas interessadas a possibilidade de ingressar com ações em proteção ao patrimônio público é medida que fere a Constituição e inúmeros preceitos.
No julgamento, o plenário também concluiu que não há obrigatoriedade, e sim possibilidade, da administração pública defender o agente em ações de improbidade por atos praticados no exercício de sua atribuição.
O caso
A ANAPE - Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal e a Anafe - Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais questionaram a constitucionalidade de dispositivos da lei 14.230/21, que alterou a lei de improbidade administrativa.
Um dos questionamentos é que a nova legislação, ao assegurar apenas ao MP a legitimidade para ajuizar ação de improbidade, suprimiu essa prerrogativa dos entes públicos lesados, impedindo o exercício do dever-poder da União, dos estados, do DF e dos municípios de zelar pela guarda da CF/88 e das leis e de conservar o patrimônio público.
Alegaram, ainda, afronta à autonomia da advocacia pública, tendo em vista que os entes políticos ficarão "à mercê da atuação do MP para buscar o ressarcimento do dano ao erário".
Por fim, as entidades contestaram o prazo de um ano para que o MP dê continuidade às ações de improbidade administrativa já ajuizadas pela Fazenda Pública, sob pena de sua extinção sem resolução de mérito. Segundo elas, o dispositivo viola o parágrafo 4º do art. 3º da CF/88, na medida em que esse dispositivo disciplina o controle da probidade como um bem jurídico indisponível.
Entenda
Na primeira sessão, o ministro Alexandre de Moraes, relator, reiterou sua decisão cautelar. Segundo S. Exa., a legitimidade extraordinária da atuação do MP na defesa do patrimônio público social não tem substituição daqueles que possuem legitimidade ordinária, mas sim cooperação. Na ocasião, o ministro André Mendonça acompanhou o entendimento.
Os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia acompanharam o voto do relator.
Por outro lado, na segunda sessão, o ministro Nunes Marques divergiu do relator ao considerar ser constitucional a legitimidade exclusiva ao MP, exceto nas ações de ressarcimento ao erário. Em sua visão, "quando existir prejuízo ao erário, há subsistência de legitimidade ativa concorrente entre o MP e as pessoas jurídicas interessadas para propositura de ações de ressarcimento e para celebração de acordos de não persecução". O ministro Dias Toffoli acompanhou o entendimento.
O ministro Gilmar Mendes acompanhou a divergência no sentido de que a legitimidade das pessoas jurídicas interessadas se restringe à propositura de ações de ressarcimento e à celebração de acordos com essa finalidade. Para S. Exa., o legislador considerou que o MP é o ente mais adequado e imparcial para conduzir ações de improbidade, enquanto os entes públicos prejudicados atuam, muitas vezes, condicionados às mudanças na estrutura de poder.
Ressalva
Nesta tarde, no início do julgamento, o ministro Alexandre de Moraes pediu a palavra para fazer ressalva em relação ao seu voto proferido na primeira sessão. O destaque diz respeito a defesa do agente público pelo órgão de assessoria jurídica, disposta no art. 17, parágrafo 20 da lei 14.230/21.
Art. 17, § 20: A assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público ficará obrigada a defendê-lo judicialmente, caso este venha a responder ação por improbidade administrativa, até que a decisão transite em julgado.
Segundo o ministro, a administração pública fica apenas autorizada, e não obrigada, a representar o agente em ações de improbidade por atos praticados no exercício de sua atribuição. “É inconstitucional a obrigatoriedade, o que não impede que a administração pública mediante previsão legal, possa e fica autorizada a representar judicialmente o agente público quando entender que seja o caso da representação”, afirmou.
Análise
Representante da autora do recurso julgado pelo STF, o presidente da ANAPE, Vicente Braga, analisou o resultado do julgamento.
“Hoje o STF atendeu pedido feito pela ANAPE e corrigiu uma distorção que havia na lei. A decisão dos ministros reconhece o direito de o ente público buscar a reparação ao dano causado e a punição dos atos ilícitos, pois é exatamente ele que pode melhor mensurar os prejuízos provocados pelo agente. Essa é uma atividade primordial da advocacia pública para a defesa do cidadão, do erário.”