A 2ª seção do STJ decidiu, nesta quarta-feira, 8, pela taxatividade do rol da ANS. A decisão se deu por maioria.
Os ministros seguiram voto do relator, Luís Felipe Salomão, com sugestões do ministro Villas Bôas Cueva, que incluiu excepcionalidades à cobertura de tratamentos indicados por médico e não previsto na lista. Assim, ficou definido:
1 - o rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;
2 - a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;
3 - é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;
4 - não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que:
(i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a comissão de atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.
Com base nas balizas estabelecidas no julgamento, a seção entendeu, no EREsp 1.886.929, que o plano de saúde é obrigado a custear tratamento não contido no rol para um paciente com diagnóstico de esquizofrenia, e, no EREsp 1.889.704, que a operadora deve cobrir tratamento para uma pessoa com transtorno do espectro autista, porque a ANS já reconhecia a terapia ABA como contemplada nas sessões de psicoterapia do rol de saúde suplementar.
O caso
Na prática, a 2ª seção deve definir se as operadoras são ou não obrigadas a cobrir o que não está no rol de procedimentos estabelecidos pela agência. Os processos são o EREsp 1.886.929 e o EREsp 1.889.704, ambos de relatoria do ministro Salomão.
O entendimento consolidado nos tribunais nos últimos 20 anos é de que a interpretação deve ser mais ampla. A Justiça considera a lista de procedimentos como referência mínima ou exemplificativa, e em geral concede a obrigatoriedade de cobertura para além do rol.
Mas, no STJ, há divergência entre turmas. Enquanto a 3ª turma tem decisões no sentido de que a lista seria meramente exemplificativa, a 4ª turma adotou, em 2019, entendimento de que o rol não é meramente exemplificativo, tratando-se de mínimo obrigatório para as operadoras.
O caso aportou, então, à 2ª seção, para uniformização sobre o tema. A decisão é importante pois servirá como precedente às instâncias inferiores.
Rol Taxativo
Voto do relator - Ministro Luís Felipe Salomão
O julgamento teve início em 2021, quando votou o relator, ministro Salomão, pela taxatividade da lista. No entanto, o relator ressalvou hipóteses excepcionais em que seria possível obrigar uma operadora a cobrir procedimentos não previstos na lista.
Além disso, o magistrado considerou imprescindível reforçar o papel regulatório da autarquia – que, segundo ele, tem competência técnica para verificar a pertinência, o respaldo científico e a viabilidade da incorporação de novos procedimentos à lista.
Por outro lado, Salomão apresentou uma série de hipóteses excepcionais em que seria possível determinar à operadora de saúde a cobertura de procedimentos não previstos expressamente pela ANS. Entre essas hipóteses, apontou, estão terapias com recomendação expressa do CFM - Conselho Federal de Medicina que possuam comprovada eficiência para tratamentos específicos.
O relator também considerou possível a exceção para fornecimento de medicamentos relacionados ao tratamento do câncer e de prescrição off label – quando o remédio é usado para um tratamento não previsto na bula.
Saiba mais sobre o voto aqui.
Voto-vista - Ministro Villas Bôas Cueva
Ministro Cueva, em seu voto vista, seguiu o relator pela taxatividade do rol. Para o ministro, a importância de estabelecer um rol, em regra, taxativo, é trazer segurança jurídica para todas as partes, visto que a operadora poderá precificar o produto com mais rigor, sem onerar em demasia a mutualidade de usuários, ante os riscos inesperados, permitindo também a continuidade do serviço assistencial sem grandes reajustes, já que a sinistralidade será mais previsível.
O ministro disse que o impacto financeiro de eventuais procedimentos individuais ilimitados de uma lista aberta, que seria o rol exemplificativo, repercutiria, no final, no próprio mutualismo, desequilibrando não só economicamente, mas também coletivamente os contratos existenciais interligados.
"O estabelecimento de um rol mínimo obrigatório, ou rol taxativo, permite previsibilidade essencial para a elaboração de cálculos atuariais embasadores das mensalidades pagas pelos beneficiários, aptas a manter a médio e longo prazo plano de saúde sustentáveis, pois a alta exagerada de preços e contribuições provocará barreiras à manutenção contratual, transferindo as coletividades de usuários da saúde publica a pressionar ainda mais o SUS."
Assim, fixou:
i) O rol é, em regra, taxativo;
ii) A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol, se existe para a cura do paciente outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;
iii) É possível a contratação de cobertura ampliada, ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento que não esteja incluído no rol;
iv) Não havendo substituto terapêutico, ou esgotado os procedimentos do rol, pode haver a título excepcional a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente desde que: i) não tenha sido indeferido expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais como Conitec e Natjus e estrangeiros e iv) seja realizado, quando possível, o dialogo interinstitucional dos magistrados com entes e pessoas com expertise técnica na área de saúde, incluída a comissão de comissão de atualização do rol, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a justiça federal, ante a ilegitimidade passiva ad causum da ANS.
Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze seguiram o voto do relator, com a inclusão das sugestões do ministro Cueva.
- Veja o voto do ministro Villas Bôas Cueva.
Rol exemplificativo
Voto-vista - Ministra Nancy Andrighi
O julgamento continuou com o voto da ministra Nancy Andrighi. A ministra citou voto da ministra Rosa Weber que diz que hierarquicamente subordinado à lei, o poder normativo atribuído às agências reguladoras não lhes faculta impor restrições à liberdade, igualdade e propriedade ou determinar alteração do estado das pessoas.
Para a minitra, quando o legislador transfere para a ANS a função regulamentar às exceções e as exigências mínimas a serem observadas pelo plano de referência de assistência à saúde, não cabe àquele órgão ampliá-las ou agravá-las, de modo a restringir ainda mais a cobertura determinada por lei, em prejuízo do consumidor aderente.
A ministra considerou que qualquer norma infralegal editada pela ANS que restrinja a cobertura de tratamento para as pessoas listadas no CID, fora aquelas hipóteses excepcionadas pela própria lei (9.656/98), extrapola os limites materiais no seu poder normativo e, portanto, configura atuação abusiva e ilegal, que coloca o consumidor aderente em desvantagem exagerada.
"Se a lei 9.656 estabelece que todas as doenças classificadas na CID estão incluídas no plano referência, só se excluem da cobertura aqueles procedimentos e eventos relativos ao segmento não contratado pelo consumidor, nos termos do art. 12 e dos incisos do art. 10. Sendo vedada à operadora, para justificar eventual negativa de cobertura, alegar outras hipótese de exclusão inseridas no contrato ou em normas regulamentares, mas que sejam ofensivas à lei."
Para a ministra, não é razoável impor ao consumidor aderente, no ato da contratação, quase 3 mil procedimentos elencados pela ANS para que ele possa decidir, no momento da contratação, sobre as possíveis alternativas de tratamento para eventuais enfermidades que possa vir a acometê-lo, como sugeriu a ANS.
A ministra indagou: "Quem de nós sabe se amanhã seremos acometidos por câncer para poder dizer antecipadamente qual tratamento estamos escolhendo?"
"Chama atenção que, ao defender a natureza taxativa do rol de procedimentos e ventos em saúde, a ANS considera a incerteza sobre os riscos assumidos pelas operadores de plano de saúde, mas estranha e lamentavelmente desconsidera que tal solução implica a transferência dessa mesma incerteza para o consumidor aderente, sobre o qual passam a recair os riscos que ele, consumidor, diferentemente daquelas operadores do plano de saúde, não tem condições de antever."
A ministra enfatizou que, em uma análise superficial dos números mostra que, a despeito do aumento das despesas da última década, mantem-se o lucro das operadores, o qual, ultimamente, gira em torno de bilhões de reais ao ano.
"Ao analisar os dados disponibilizados pela própria ANS, o Ipea concluiu que o lucro liquido per capita de planos de saúde mais do que dobrou em quatro anos e que a receita do setor aumentou mesmo com queda no número de usuários. Houve queda, os brasileiros não conseguem mais contratar os planos, mas o lucro das operadores continuou."
A ministra refutou argumentos de que a liberação de planos segmentados irá exonerar ou desafogar o SUS. “O mercado de planos de saúde dobrou de tamanho nos últimos anos, e o SUS não se beneficiou com nada disso. Pelo contrário, os planos irão empurrar cada vez mais para o SUS, os doentes que os planos não irão atender”, disse.
Nancy concluiu que o rol de procedimentos e eventos do rol em saúde da ANS, enquanto referência básica para os fins do disposto na lei 9.656/98, tem natureza meramente exemplificativa, "porque só dessa forma se concretiza a politica de saúde idealizada pela Constituição".
O ministro Salomão fez um aditamento de seu voto após o voto da ministra Nancy. Confira aqui.
Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro seguiram a divergência inaugurada pela ministra Nancy.
Manifestações
O advogado Marcio Vieira Souto Costa, sócio do escritório Sergio Bermudes, representando a FenaSaúde - Federação Nacional de Saúde Suplementar, defendeu que “ao contrário de alegações divulgadas, na verdade, o rol taxativo garante o acesso a tratamentos seguros, avaliados e reconhecidos por reguladores e órgãos responsáveis pelo atendimento à saúde, a semelhança do que ocorre em todo o mundo. A lista foi instituída com base em estudo técnico aprofundado, e que caberá ao Poder Executivo fiscalizar e regular os serviços de saúde”.