O médico Áureo Ludovico de Paula, processado por supostas irregularidades na utilização de técnica cirúrgica para tratamento de diabetes tipo 2, foi absolvido na Justiça. Baseadas em exames técnicos, decisões judiciais declararam a não experimentalidade do procedimento.
A técnica desenvolvida pelo médico de Goiânia foi utilizada pelo apresentador Faustão em 2009, e pelo senador e ex-jogador Romário em 2017.
Após a cirurgia de Faustão, o jornal Folha de S. Paulo já noticiava que, embora não estivesse regulamentada e nem fosse reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina, a técnica não era experimental, pois estava sendo aplicada havia seis anos com bons resultados.
A cirurgia de Romário também levantou o debate. Segundo publicado pela Uol à época, médicos consultados pelo site apontaram que a técnica não é aprovada pelo CFM, mas pode ser realizada segundo critérios de pesquisa.
Ação civil pública
Contrários à aplicação da técnica sem aprovação, Conselho de Medicina, o MPF e a União ingressaram com ação civil pública, a fim de discutir a regularidade do uso da “gastrectomia vertical associada à interposição ileal para o tratamento de diabetes tipo 2”.
O objetivo da ação era o reconhecimento da ilegalidade de supostos atos e omissões do médico na utilização da técnica cirúrgica, a qual estaria sendo realizada em desconformidade com os preceitos normativos aplicáveis.
Mas o juízo de 1º e 2º graus consideraram exame técnico, pelo qual a perícia constatou que o procedimento é seguro e eficiente tanto para obesidade mórbida quanto para diabetes, e foi declarada a não experimentalidade.
O juízo da 8ª vara da Seção Judiciária de Goiás julgou improcedentes os pedidos iniciais e declarou “não experimentais os procedimentos médicos de interposição de íleo associada à gastrectomia vertical ou à bipartição intestinal, cabendo ao Conselho Federal de Medicina regulamentá-los”.
As partes apelaram. Segundo o Conselho de Medicina, não haveria, no mundo inteiro, indicação da técnica como reconhecida para tratamento de diabetes tipo 2 em pessoas com IMS menor do que 30 – mas tão somente estudos em caráter experimental. Diz ainda que a técnica de gastrectomia vertical já foi reconhecida para tratamento de obesidade mórbida, jamais para diabetes.
Mas, no TRF da 1ª região, a decisão foi mantida. O colegiado observou o que disposto no exame técnico feito por peritos membros da Câmara a Técnica sobre Cirurgia Bariátrica e Síndrome Metabólica do CFM, segundo o qual o procedimento "é seguro e eficiente tanto para o tratamento da obesidade mórbida, quanto do diabetes tipo 2." Ante as conclusões dos especialistas, foi declarada a não experimentalidade do procedimento.
No acórdão, a 6ª turma do TRF-1 observou que, embora o CFM não tenha sido condenado a regulamentar o procedimento, deveria fazê-lo de ofício, no cumprimento de seus deveres.
“Procedimentos cirúrgicos complexos, como o ora em discussão, devem ser tomados como última alternativa do paciente, pelo que precisam ser regulamentados, estabelecendo-se critérios de elegibilidade para a cirurgia (como por exemplo, idade, refratariedade ao tratamento clínico, tempo com a doença), para que a indicação fique restrita aos casos estritamente necessários.”
Assim, o colegiado manteve a decisão, dando parcial provimento a recursos do CFM e da União apenas para excluir a condenação em honorários advocatícios.
- Leia o acórdão do TRF da 1ª região.
Em recurso ao Supremo, foi negado seguimento ao RE. Interposto agravo, a PGR se manifestou pelo desprovimento. Segundo a procuradoria, haveria necessidade de análise de fatos e provas e da legislação infraconstitucional. Em decisão do ministro Barroso, proferida em março, foi negado provimento ao recurso. Com a decisão, houve baixa definitiva dos autos.
- Confira a decisão de Barroso.
Processo: ARE 1.353.085
Conquista
Os advogados que representam o médico, Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) e Marcelo Turbay (Almeida Castro, Castro e Turbay Advogados) comemoraram a decisão. Eles pontuaram que o processo representou “perseguição provinciana e sem sentido” contra o médico, e que finalmente foi dada a palavra final pelo STF.
"Respaldada em perícia judicial requerida pela defesa, a Justiça absolveu o médico de todas as acusações, declarando o reconhecimento científico da técnica e sua importância para o tratamento de milhões de diabéticos pelo mundo.
É uma grande conquista para a medicina, um avanço fundamental no combate a uma doença cruel e letal, temporariamente interrompido por uma perseguição provinciana e sem sentido contra o médico Áureo Ludovico, que deveria ser candidato ao Nobel de medicina."
Em vídeo ao Migalhas, o advogado Marcelo Turbay faz um panorama do caso na Justiça. Assista:
Para Kakay, o médico deveria ser candidato ao prêmio Nobel de medicina:
Técnica inovadora
A diferença dessa técnica para a cirurgia bariátrica convencional estaria na recolocação do íleo (fim do intestino delgado) entre o duodeno e o jejuno, o que aumenta a produção de hormônios da saciedade e melhorariam o diabetes.
Em 2016, a técnica se saiu bem em pesquisa na qual o hospital Sírio-Libanês a comparou com outros dois tipos de tratamento: a cirurgia clássica e o tratamento com medicamentos.
O estudo, publicado pela Folha de S.Paulo, foi realizado com 39 pacientes, sendo que 13 fizeram a cirurgia clássica, 12 a nova técnica e 14 o tratamento com medicamento.
A técnica do médico goiano trouxe 100% de controle glicêmico, e 75% dos pacientes que a fizeram tiveram remissão total da doença diabetes tipo 2, dispensando medicação. No caso da cirurgia clássica, a remissão foi de 30%.