Migalhas Quentes

Manifesto contra poder do MP de conduzir investigação de crimes

Entidades assinam manifesto

5/2/2004

 

Entidades assinam manifesto contra poder do MP de conduzir investigação de crimes

 

Texto com assinatura de institutos de ciências jurídicas de 5 Estados brasileiros vai ser entregue ao Congresso Nacional, ao STF e STJ e ao Ministério da Justiça

 

Entidades de estudos de ciências jurídicas e criminais de cinco Estados brasileiros assinam documento em que manifestam ser contrárias ao poder do Ministério Público de conduzir diretamente investigação de crimes. Segundo os oito institutos de São Paulo, Rio, Minas, Rio Grande do Sul e Paraná, o ato é inconstitucional. O texto será entregue ao Congresso Nacional, ao STF e STJ e ao Ministério da Justiça.

 

O documento, divulgado ontem no IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), em São Paulo, ressalta a importância do assunto lembrando que ele será analisado em breve pelo pleno do STF.

 

De acordo com as entidades, os artigos 129 e 144 da Constituição Federal são claros quando dizem que cabe ao Ministério Público o controle externo da atividade policial e as requisições de diligências em inquéritos policiais. Mas também não deixam dúvida de que é da Polícia Civil, em sua função de polícia judiciária, a atribuição de instaurar e realizar inquéritos policiais para a investigação de crimes.

 

Os institutos ressaltam a necessidade de cooperação entre as instituições constitucionais e não uma relação de mando. O Ministério Público, assim como o Poder Judiciário, a Polícia, a Advocacia, a Defensoria Pública, os vários órgãos do Poder Executivo e as Casas Legislativas, não está imune à corrupção, ao desvio de comportamento, às ingerências políticas ou pressões internas, aos erros e acertos internos. Enfim, o Ministério Público não pode se julgar superior a qualquer outra instituição, dizem as entidades no documento.

 

De acordo com elas, o texto constitucional deve ser mantido até que, em um legítimo debate legislativo, se decida pela aceitação ou não da Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 197/2003), já em trâmite no Congresso.

 

Assinam o documento: Associação Internacional de Direito Penal (Aidp/BR), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), Instituto Carioca de Criminologia (Icc), Instituto de Ciências Penais de Minas Gerais (Icp), Instituto de Criminologia e Política Criminal (Icpc/PR), Instituto de Defesa do Direito de Defesa (Iddd/SP), Instituto Manoel Pedro Pimentel (Impp/SP), Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (Itec/RS).

 

Veja abaixo o documento na íntegra:

 

Do indispensável equilíbrio entre Instituições Constitucionais - Da inconstitucionalidade da investigação criminal conduzida diretamente pelo Ministério Público - 

 

O Estado Democrático de Direito é o pilar fundamental da estrutura constitucional brasileira e constitui o leit motiv de nossa Carta Magna. Exatamente por isso já vem insculpido em seu art. 1º. Porém, se um Estado verdadeiramente Democrático e de Direito é gerado no momento de sua inscrição na Carta Magna, ele se realiza em suas instituições, cujo funcionamento diário e cujos princípios norteadores devem expressar o equilíbrio entre os poderes e o respeito à dignidade da pessoa humana. Do contrário, o texto legal é declaração vazia, sem expressão na realidade social.

 

Diariamente, esse dever e anseio de respeito a todos os princípios e regras constitucionais são postos à prova, porém, há momentos em que eles se vêem seriamente ameaçados. Sentindo o delicado momento, os Institutos de estudo e desenvolvimento das ciências jurídicas abaixo-assinadas manifestam preocupação quanto ao debate proposto ao Supremo Tribunal Federal sobre a existência de poderes investigativos do Ministério Público na esfera criminal. Entendem que a questão deve ser resolvida com o respeito estrito à Constituição, de modo a manter aquilo que o Congresso Constituinte fixou como os limites claros de atuação e convivência harmônica de suas Instituições na atividade de investigação criminal. O texto constitucional deve ser mantido íntegro por nossa Corte Suprema, sua letra e seu espírito preservados, até que, em um legítimo debate legislativo, se decida pela aceitação ou não da proposta de Emenda Constitucional já em trâmite no Congresso (PEC nº 197/2003).

 

Imunes a raciocínios falaciosos e distorcidos pela conveniência do momento, do exame dos artigos 129 e 144, da Constituição da República, emerge claro que ao Ministério Público cabe o controle externo da atividade policial e requisições de diligências em inquéritos policiais, enquanto à Polícia Civil (Federal e Estadual), em sua função de polícia judiciária, cabe instaurar e realizar inquéritos policiais para a investigação dos crimes.

 

Desvirtuar o texto claro da Constituição, dirigido à harmonia entre aquelas Instituições, através de deturpações argumentativas, é desconsiderar nossas realidades legal e forense.

 

Desfocar o debate para, de um lado, prevalecer a idéia de que a segurança pública está (ou deveria estar) garantida, unicamente se for atribuição exclusiva das polícias, é tão equivocado e alheio à realidade quanto, de outro lado, acreditar que uma melhor e mais eficaz investigação dos crimes está (ou deveria estar) garantida se realizada diretamente pelo Ministério Público.

 

A segurança pública, bem jurídico de que participam todos os membros da comunhão social, não é função ou tarefa realizável por uma única Instituição. Imaginar que segurança pública resume-se a reprimir, por aparato policial e mesmo que preventivamente, o crime ou, pior, que a segurança pública resume-se a uma apuração bem feita de um crime já ocorrido, é erro palmar. É desconsiderar que o crime não possui uma única causa. É desconsiderar todas as causas e fatores criminógenos geradores da violência e do comportamento desviante. É bom lembrar que a Constituição afirma ser segurança pública “direito e responsabilidade de todos” (art. 144, caput, da CF).

 

Não é menos equivocado o argumento de que com o poder investigatório atribuído ao Ministério Público o atraso das investigações seria eliminado e garantida maior eficácia e isenção da persecução. Revela essa posição a vã tentativa de esconder significativa parcela de responsabilidade do Ministério Público quanto à demora e ineficácia dos inquéritos policiais e indisfarçável atitude presunçosa e pretensiosa dessa Instituição. Todos sabem que o inquérito policial, periodicamente (no máximo de 30 em 30 dias – art. 10, CPP-, mas há representantes do Ministério Público que concedem períodos muito superiores ao previsto em lei), é enviado ao Ministério Público para “controle da atividade policial” e “requisição de diligências investigatórias” (respectivamente, art. 129, incisos VII e VIII, da Constituição Federal). Ora, se o inquérito demora e é ineficaz é porque o Ministério Público, que o controla e nele faz requisições, é tolerante, permissivo ou incentivador de suas letargia e ineficiência. É claro que qualquer atividade ineficiente, atrasada, inútil ou anacrônica não é responsabilidade exclusiva de quem a exerce, mas principalmente de quem a controla. Se o Ministério Público controla o inquérito policial e nele pode fazer requisições, deve ditar as regras de seu desenvolvimento. E se esse não se dá a contento, não podem os desvios ou atrasos ser imputados apenas à Instituição Policial.

 

O Ministério Público não afirma querer abarcar todos os casos de investigação criminal hoje afeitos à Polícia, uma vez que é irrefutável sua falta de estrutura para tal. Haveria uma “escolha” – por critérios insondáveis – de casos mais relevantes. Essa postura, de assunção apenas do que lhe interessar, aumenta e agrava o risco de deturpação do sistema investigativo policial traçado na Constituição. Além das razões políticas, casuísticas e eleitoreiras, essa seletividade criará três problemas insolúveis, críticos e de raiz: a) o primeiro é de definição. Quem definirá a relevância do caso e quais os critérios de definição dessa relevância, sendo previsível que o critério não será certamente do bem jurídico e da natureza, gravidade e extensão da lesão às vítimas mas sim o critério da repercussão dos fatos nos meios de comunicação social; b) o segundo problema diz respeito à distinção de relevância de função e, portanto, de importância institucional: com base na crença de que há crimes mais relevantes que outros, concluir-se-á que à Polícia caberá investigar apenas os menos relevantes e, portanto, gerará um descrédito da Instituição Policial por parte de todos (população, principalmente, e também dos Poderes Públicos que pararão de investir no aprimoramento dos agentes policiais e nos equipamentos necessários); e c) o terceiro problema insolúvel está em que essa Polícia desacreditada e, interna corporis, desestimulada e com poucos recursos, não conseguirá cumprir seu papel investigativo para com a maior massa de crimes (certamente indesejada pelo Ministério Público), como os inúmeros homicídios ocorridos nas zonas de exclusão do Brasil e a criminalidade de rua e do cotidiano da vida do cidadão comum. Novamente, será a população mais carente quem pagará pelo erro de perspectiva de nossas Instituições.

 

Expostos os equívocos dos argumentos, não podemos fugir à realidade da necessidade de as investigações criminais serem aperfeiçoadas e dinamizadas.

 

Porém, a almejada eficiência investigativa somente poderá ser atingida com uma ombreada cooperação entre todas as Instituições envolvidas, com destaque ao Poder Judiciário, à Advocacia e à Defensoria Pública, todas atividades essenciais à administração e ao pleno exercício da justiça.

 

Aqui talvez resida o nó górdio de toda a questão: cooperação. Entre as Instituições Constitucionais não reside uma “relação de mando”, mas de cooperação. Dentro do anseio constitucional de harmonia entre Poderes e Instituições, não deve ser cooperação confundida com superioridade, substituição, exclusão ou esvaziamento de atividades conjugadamente desenvolvidas. Cooperar é trabalhar lado a lado, reconhecendo suas qualidades e defeitos em uma sinergia positiva.

 

O Ministério Público, assim como o Poder Judiciário, a Polícia, a Advocacia, a Defensoria Pública, os vários órgãos do Poder Executivo, as Casas Legislativas ou qualquer outro ente público ou privado, não está imune à corrupção, ao desvio de comportamento, às ingerências políticas ou pressões internas, aos erros e acertos internos. Enfim, a Instituição do Ministério Público não pode se julgar superior a qualquer outra. Quando alguma Instituição se julga mais isenta de pressões políticas, mais eficiente ou superior às demais, mais próximo está o rompimento do equilíbrio sistêmico-constitucional pela prevalência desmedida de uma sobre as demais. Ou alguém é capaz de negar que dentro do Ministério Público haja fatores políticos a mover seus membros ou falhas a serem superadas?

 

Maçãs podres, se as há, há em todos os cestos. Em uma relação e convivência entre Poderes e Instituições, ninguém pode se julgar melhor que ninguém. Ninguém pode avançar sobre atribuição constitucional de outrem. Assim agindo, mesmo que movido por “nobres sentimentos”, dá-se o primeiro passo para a destruição da essência de um Estado Democrático de Direito.

 

 

Associação Internacional de Direito Penal – AIDP/BR

Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM

Instituto Carioca de Criminologia – ICC/RJ

Instituto de Ciências Penais - ICP/MG

Instituto de Criminologia de Política Criminal – ICPC/PR

Instituto de Defesa do Direito de Defesa –IDDD/SP

Instituto Manoel Pedro Pimentel –IMPP/SP

Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais – ITEC/RS

 

 

 

 

 

 

 

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