A Corte Especial do STJ recebeu denúncia contra o governador do Amazonas Wilson Lima e outras 12 pessoas por participarem de irregularidades na compra de respiradores para o tratamento de pacientes na pandemia da covid-19.
Os denunciadores responderão por dispensa de licitação sem observância das formalidades legais, fraude em licitação, aumento abusivo de preço e sobrepreço, peculato e organização criminosa.
A investigação começou em 2020, após notícias de que 28 aparelhos respiratórios haviam sido comprados de forma irregular de uma loja de vinhos. A investigação já teve três fases de medidas com busca e apreensão autorizadas pelo ministro Francisco Falcão, relator do caso.
Segundo a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, que assina a denúncia, instalou-se na estrutura burocrática do governo do Amazonas, sob o comando de Lima, “uma verdadeira organização criminosa que tinha por propósito a prática de crimes contra a Administração Pública, especialmente a partir do direcionamento de contratações de insumos para enfrentamento da pandemia”
A denúncia acusa o governador de exercer o comando dessa organização criminosa voltada à prática de crimes diversos, sobretudo dispensa indevida de licitação, fraude à licitação e peculato.
Além do governador, foram denunciados o vice-governador, Carlos Almeida, o secretário-chefe da Casa Civil do Estado, Flávio Antony Filho, o ex-secretário de Saúde Rodrigo Tobias e outras 14 pessoas.
A denúncia estava em segredo de justiça, mas teve o sigilo levantado.
- Veja a íntegra.
Fatos
O relator, ministro Francisco Falcão, leu o voto e a análise do caso. Conta que dois dias após o término do prazo para as propostas de aquisição dos 28 respiradores, que estavam direcionados à Sonoar, Fábio José Antunes Passos, dono da Empresa FJAP, apresentou proposta de preço para a venda dos respiradores, diretamente para o e-mail da gerente, com as mesmas especificações e marcas que a Sonoar já tinha apresentado como proposta, apenas com a ressalva de que a proposta tardia era mais onerosa em R$ 496 mil.
De acordo com o relator, a proposta da FJAP teve andamento incrivelmente célere, com diversos despachos e pareceres, contendo diversas irregularidades formais, como inconsistência de datas e falta de transparência, tendo a empresa se sagrado vencedora no mesmo dia.
“Em 9/4/20, a FJAP recebeu R$ 2,9 milhões do governo de AM, ou seja, a compra teria sido feita às pressas, com açodamento, além das falhas cometidas pelos administradores. A proposta da Sonoar sumiu, como se não tivesse existido, o que contraria todo histórico das mensagens trocadas e depoimentos nos mesmos autos, constando no registro de dispensa de licitação, apenas a proposta da FJAP, com referência às empresas que apresentaram propostas junto à Sonoar, com preços mais elevados.”
Para o relator, se pode concluir, neste momento, que, deliberadamente, houve adulteração do procedimento formal de compra após os fatos que vieram à tona, sobretudo para regularização de documentação perante o MP e junto ao Tribunal de Contas do Estado do AM.
“Tem-se que a Adega, de Fábio Passos, que serviu apenas como intermediária na negociação com o governo do AM, recebera R$ 2,4 milhões da empresa financiadora, de propriedade do denunciado Cristiano Cordeiro, e imediatamente repassou os valores à empresa Sonoar. Antes, em 7/4/20, a Sonoar somente tinha 3 ventiladores, aos 28 que se propusera vender ao governo. Em 7/4/20, porém, 19 respiradores foram recebidos pelo governador Wilson Lima no hangar do aeroporto, depois de dispendioso frete da aeronave que trouxera de SP os 19 aparelhos.”
O relator ressaltou que, de acordo com as datas e as notas fiscais, a FJAP comprou os ventiladores no dia 8/4/20 da empresa Sonoar e, na mesma data, os revendeu ao governo do Estado, sem antes deixar de aumentar o preço.
Falcão salientou que, de acordo com o inquérito policial, o dano verificado pelo sobrepreço representa no total um prejuízo de R$ 2.198.000,00.
“Isto pelo fato de que no mesmo processo de compra, a Sonoar já havia ofertado para o governo do AM o mesmo produto pelo mesmo preço que vendeu à FJAP. Mesmo assim, o governo efetuou a compra dois dias depois por valores ainda mais elevados, da FJAP, que serviu apenas como atravessadora comercial para encarecer os aparelhos vendidos pela Sonoar, muito acima do mercado, mesmo considerando o início da pandemia da covid-19.”
Segundo o relator, mesmo ciente dos preços no mercado, os denunciados direcionaram aquisição desde 30/3/20 até 4/4/20 para a empresa Sonoar, que estabeleceu a quantidade, as marcas e a destinação dos aparelhos.
“Passadas as propostas, tendo a Sonoar ofertado o menor preço - R$ 87 mil por cada equipamento -, a partir de 4/4, redirecionou-se a compra incluindo uma empresa laranja, a FJAP, que trouxe uma proposta de mais de R$ 100 mil por cada aparelho, mediante a fraude que permitiu a omissão verdadeira da fornecedora do produto, que era na verdade a Sonoar.”
Delitos
O relator concluiu que ocorreu também a prática de aumento abusivo de sobrepreço e que a manobra ilícita resultou em desvio de recursos públicos, pela atuação de servidores públicos, que desviaram R$ 496 mil em favor de terceiros. O relator apontou a prática de 3 delitos: Direcionamento da compra para Sonoar e FJAP, aumento abusivo dos preços mediante fraude e peculato.
O relator concluiu, neste momento, em exame não aprofundado da matéria, que existe justa causa para considerar o governador do AM, Wilson Lima, como partícipe nos delitos de dispensa de licitação e fraude de aquisição dos respiradores, com preços elevados e abusividade.
Desse modo, considerou que a denuncia é apta e existe justa causa para procedimento de processo criminal contra o governador Wilson Lima como partícipe pela prática dos crimes de dispensa de licitação sem observância das formalidades legais, fraude em licitação, aumento abusivo de preço e sobrepreço – com base no art. 96 da lei 8.666 -, peculato – art. 312 do CP.
Também entendeu que o governador está incluso nos delitos de partícipe de organização criminosa, conforme art. 2 do § 4º da lei 12.850/13, na posição de liderança, visando delito já consumado, e a outros que ocorreriam depois, com agravante previsto no § 3 da lei 12.850/13.
Por fim, o relator:
- Recebeu a denúncia pelos arts. 89 e 96, da lei 8.666, art. 312, de Wilson Lima – governador do AM, sete servidores públicos e cinco empresários;
- Recebeu a denúncia pelo delito de formação de organização criminosa de Wilson Lima – governador do AM, Carlos Alberto Filho – vice-governador do AM, seis servidores públicos e três empresários;
- Recebeu a denúncia pelo delito do § 1º do art. 2 da lei 12.850, embaraço à investigação de organização criminosa, de Wilson Lima – governador do AM e um servidor público;
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Rejeitou a denúncia contra dois investigados de participação de organização criminosa;
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Determinou a remessa à Justiça do Estado do AM acerca do MPF referente a investigação por delito de lavagem de dinheiro de dois empresários;
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Determinou o arquivamento das investigações no que se refere a três investigados;
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Rejeitou o pedido de desmembramento.
As ministras Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura e Isabel Gallotti e os ministros João Otávio de Noronha, Hérman Benjamin, Jorge Mussi, Luís Felipe Salomão, Benedito Gonçalves e Paulo de Tarso Sanseverino acompanharam o relator.
Raul Araujo acompanhou o relator, discordando apenas quanto a uma preliminar.
- Processo: APn 993
Após a decisão, o governador se pronunciou nas redes sociais afirmando que as acusações não têm fundamento, tampouco base concreta.