De acordo com os autos do processo, após supostamente ter feito uso de medicamentos abortivos, a mulher deu entrada no Hospital, que acionou a Polícia Militar. A autoridade policial compareceu ao estabelecimento, ocasião em que uma enfermeira confirmou o relatado.
Posteriormente, a profissional foi ouvida na Delegacia, confirmando a denúncia e o Hospital entregou prontuário médico da paciente à polícia. Foi este material que embasou a denúncia e posterior abertura de ação.
Após a instaurado o processo, a Defensoria Pública, por meio de seu Nudem – Núcleo Especializado de Proteção e Defesa dos Direitos das Mulheres, impetrou habeas corpus perante o TJ/SP, pedindo o trancamento da ação penal em razão da atipicidade da conduta imputada, considerada a inconstitucionalidade da criminalização do abortamento; da ausência de justa causa para a propositura da ação penal, dada a ilicitude dos elementos de prova existente nos autos; e da ausência de materialidade delitiva.
“Imperioso destacar que os únicos elementos probatórios, insuficientes, por sinal, veiculados nos autos derivam de prova maculada por violação de sigilo profissional, o que – necessariamente – elimina a justa causa para a propositura da ação penal e enseja a nulidade dos atos processuais subsequentes”, sustentaram na petição as Defensoras Públicas Ana Rita Souza Prata e Paula Sant’Anna Machado de Souza.
Elas sustentaram que as únicas causas legítimas previstas tanto no regramento jurídico como no código profissional para a revelação do que o médico ouviu de seu paciente em confidência, durante o tratamento, podem ser a de evitar danos concretos e futuros a terceiros ou mediante o expresso consentimento do próprio paciente.
“Entender que o sigilo profissional não prevalece diante da persecução penal e que o médico tem o dever de noticiar a prática de crimes, mesmo contra o seu paciente, faria ruir por completo as normas constitucionais que protegem o direito à intimidade, o privilégio contra a autoincriminação e o direito à saúde”, afirmaram as Defensoras.
O núcleo especializado de segunda instância e tribunais superiores da defensoria participou do processo. A defensora pública Juliana Garcia Belloque fez a sustentação oral.
Sigilo de informações
No acórdão, proferido pela 12ª câmara de Direito Criminal do TJ/SP, o argumento da Defensoria foi acolhido para trancar a ação penal. “Parece claro que o regramento específico da profissão médica, ressalvando a hipótese excepcional de ‘motivo justo’, exige que o profissional respeite o sigilo das informações do paciente que obtiver no exercício de sua profissão”, observou o relator, desembargador Amable Lopez Soto.
“Ausente, ao que se conclui, causa que justificasse a quebra do dever de sigilo profissional. Quebra que, por ser o cerne da investigação policial investigação que serviu de base para a propositura da ação penal, contaminou todas as demais provas produzidas nos autos, com destaque para a prova oral e para a remessa da ficha médica da paciente à autoridade policial que a requisitou de ofício”, decidiu o magistrado.
O desembargador também disse que “a LGPD possui um rol de hipóteses que permite o legítimo tratamento de dados sensíveis. Infere-se que nenhuma das hipóteses elencadas permite ao profissional de saúde compartilhar dados referentes ao estado clínico sem o consentimento do paciente”.
Informações: Defensoria Pública de SP