Os ministros do STF decidiram, em plenário virtual, que a lei fluminense que incluiu 5% das custas judiciais e dos emolumentos extrajudiciais recebidos pelos notários e registradores como receita do Funperj - Fundo Especial da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro é constitucional.
Prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes.
Caso
Em 2006, a Anoreg - Associação dos Notários e Registradores do Brasil propôs ação contra norma do Estado do Rio de Janeiro que incluiu 5% das custas judiciais e dos emolumentos extrajudiciais recebidos pelos notários e registradores como receita do Funperj. A ação contesta o inciso III do artigo 31 da LC 111/06 do Estado do Rio de Janeiro, que alterou a LC 15/80 (Lei Orgânica da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro).
Consta na ação que a lei 111/06 foi proposta pelo chefe do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro. Segundo a associação, a competência para legislar sobre custas e emolumentos judiciais e extrajudiciais é exclusiva do Poder Judiciário, conforme o parágrafo 2º do artigo 236 e o inciso IV do artigo 24 da Constituição Federal. Nesse sentido, afirma que existe flagrante vício de iniciativa na proposição da lei.
Alega que o dispositivo questionado fere o caput do artigo 236 da Carta Magna, na medida em que ocorre o desvio na finalidade dos emolumentos para complementar os recursos financeiros do Funperj. "Por ser caracterizada como taxa, o destino da arrecadação não pode ter outro destino, conforme consta na Constituição Federal, no artigo 236, caput, que impede a destinação destas taxas para qualquer outra finalidade, seja pública ou privada", argumenta.
Segundo a entidade, o Estado do Rio de Janeiro instituiu, por meio do dispositivo atacado, um tributo na modalidade de imposto sobre o emolumento. Neste caso, afrontaria o artigo 155 da Carta Magna, que prevê as hipóteses nas quais os Estados podem instituir imposto, e ao inciso I do artigo 154, que define que a competência para instituir imposto é exclusiva da União.
A Anoreg afirma, ainda, que ocorre a bi-tributação, uma vez que a União já cobra imposto de renda com o mesmo fato gerador do instituído pela norma impugnada, conforme consta no artigo 8º, parágrafo 1º, da lei 7.713/88.
Julgamento
Em agosto de 2020, no plenário virtual, após os votos dos ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin, que julgavam procedente o pedido formulado na ADIn, pediu vista o ministro Gilmar Mendes.
O relator entendeu que o preceito questionado usurpou da competência legislativa da União.
“A par da inconstitucionalidade formal, a norma atacada padece de vício material. Eventual insuficiência de recursos para fazer frente às despesas do Estado, considerado o exercício, pela Procuradoria-Geral do Estado, de atribuições inerentes à representação judicial e ao desempenho da atividade de consultoria e de assessoramento jurídicos do ente federativo, não autoriza a criação de verdadeira exação, à margem da Constituição Federal, a incidir sobre os emolumentos devidos em virtude dos serviços notariais e de registro prestados, em caráter privado, nas serventias extrajudiciais, uma vez ausente atuação da Procuradoria estatal junto aos cartórios a justificar a instituição de taxa alusiva ao exercício de poder de polícia.”
- Leia o voto de Marco Aurélio na íntegra.
Em 2021, novamente em plenário virtual, o relator foi acompanhado pela ministra Rosa Weber.
Divergência
A divergência vencedora foi aberta pelo ministro Gilmar Mendes. Para S. Exa., o art. 31, inciso III, da LC 111/06, do Estado do Rio de Janeiro, é compatível com o texto constitucional.
“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, portanto, acena positivamente para leis estaduais que destacam percentual dos emolumentos cobrados pelos registradores e notários em benefício de órgãos ou fundos públicos, enxergando, na hipótese, puro e simples desconto dos valores devidos ao Estado-membro a título de taxa em razão do exercício regular de poder de polícia, e não propriamente uma distribuição automática e linear, em benefício de órgãos estatais, das receitas arrecadadas com a cobrança de emolumentos extrajudiciais.”
Segundo Gilmar, “nada há de aberrante ou irrazoável na base de cálculo escolhida pelo legislador estadual, pois existe uma inegável correlação lógica entre, de um lado, o total de emolumentos recolhidos e, de outro, o vulto da serventia extrajudicial e a quantidade de atos por ela praticados”.
“Em suma, há campo seguro para afirmar que a base de cálculo eleita pelo legislador estadual corresponde, efetivamente, a um padrão objetivo para aferição do custo das atividades de fiscalização, respeitando, portanto, a referibilidade que é traço característico das taxas em geral.”
- Leia o voto do ministro na íntegra.
Gilmar Mendes foi acompanhado por Luiz Fux, Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski.
Ministro Alexandre de Moraes também abriu divergência e afirmou que a jurisprudência da Suprema Corte admite a destinação de parte da receita obtida com custas e emolumentos a fundos ou órgãos públicos, para o aperfeiçoamento da administração da Justiça, entendida tal exação como taxa, devida em razão do exercício do poder de polícia sobre as atividades notariais e de registro.
“No caso em julgamento, deve ser assinalado que as Procuradorias dos Estados são qualificadas pelo texto constitucional como órgãos e carreiras que desenvolvem atividades essenciais à administração da Justiça, motivo pelo qual a destinação de parte da receita decorrente da cobrança de custas e emolumentos a Fundo Especial da PGE-RJ está ao amparo do entendimento jurisprudencial acima referido.”
- Processo: ADIn 3.704