Migalhas Quentes

"Plenário virtual inibe o debate”, afirma ex-presidente do STF

Ministro Carlos Velloso, ex-presidente do STF, afirmou que o julgamento em plenário virtual "pode até render mais, mas não é uma forma ideal de julgamento".

15/3/2021

Desde que a pandemia da covid-19 avançou no Brasil, o Supremo Tribunal Federal tomou medidas para não deixar o serviço jurisdicional parar.

Uma das iniciativas implementadas foi “turbinar” o sistema do plenário virtual – aquele no qual os ministros anexam os votos e, sem maiores debates, o placar surge com o resultado.

A ferramenta foi criada em 2007 para analisar exclusivamente a repercussão geral. Aos poucos, algumas ações também passaram a ser julgadas de forma virtual. Agora é possível o julgamento de todas as classes e incidentes processuais de competência dos colegiados (plenário e turmas). Até o momento, 93% das decisões foram em ambiente virtual. 

Este ano, por exemplo, várias controvérsias relativas à vacinação foram apreciadas no PV do STF:

Na última semana, outro vultoso caso foi deliberado em plenário virtual: a inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio. Neste julgamento, somente alguns ministros anexaram seus votos e, aliás, este é um ponto a ser sublinhado.

Enquanto que no “tête-à-tête” (seja presencial ou virtual) todos os ministros devem se manifestar, no plenário virtual só colocam seus fundamentos o relator e a divergência; os outros ministros sobem os votos no sistema se assim desejarem.

Confira outros temas polêmicos julgados no sistema do plenário virtual em 2021:

Nos julgamentos “cara a cara”, no entanto, casos que não são polêmicos, ou que não demandam tantos debates, têm tomado as tardes das quartas e quintas-feiras. Recentemente, o plenário usou uma tarde toda para julgar lei estadual que limita ligações de telemarketing.

Desde a abertura do ano judiciário de 2021, veja quais temas foram julgados por videoconferência:

O formato ideal para julgamentos

Entrevistado por Migalhas, o ministro aposentado Carlos Velloso falou sobre os formatos adequados de julgamento para cada caso. S. Exa afirmou: “o julgamento num plenário virtual pode até render mais, mas não é uma forma ideal de julgamento”, disse.

De acordo com o ministro, casos complexos devem ficar no plenário presencial ou, então, devem ser discutidos por videoconferência. Quando questionado sobre o complexo julgamento da “tese da legítima defesa da honra”, Velloso avaliou:

“A tese da legítima defesa da honra em caso de feminicídio, na minha opinião e com a devida vênia, por ser dos mais complexos, só poderia ser julgado no plenário presencial. Ou, não podendo aguardar o presencial, por vídeo conferência. Ainda mais em se tratando de matéria do tribunal do júri.”

Plenário virtual: inibidor de debate

Perguntamos ao ministro se a maneira como são julgados os casos, em sistema virtual, inibe o debate. A resposta foi categoria: “Sim, o plenário virtual inibe o debate, debate que pode resultar possível mudança de entendimento do juiz”.

Com efeito, não é raro ver algum ministro ter o voto pronto no julgamento, mas pedir vista ou, até mesmo, mudar radicalmente o entendimento diante da discussão que se encaminhou na sessão com as manifestações dos advogados e dos outros colegas.

Até mesmo a participação dos advogados nos julgamentos foi um ponto destacado por Velloso:

"No plenário virtual não se tem o contato do advogado com os juízes encarregados do julgamento. E o advogado simplesmente não é assistente do julgamento, mas é dele ativo participante. Sem a participação ativa da defesa, o julgamento não tem legitimidade. E quantas vezes uma defesa oral é marcante, é definidora da decisão; quantas vezes a intervenção do advogado numa questão de ordem é fundamental. Sim, o plenário virtual inibe o debate, debate que pode resultar possível mudança de entendimento do juiz."

(Imagem: Arte Migalhas | Aloisio Mauricio /Fotoarena/Folhapress)

Veja como o tema foi abordado pelo ministro Carlos Velloso:

1 - Distribuição dos processos em plenário virtual e presenciais/videoconferência:

"O julgamento pelo plenário virtual representa forma de adaptação do Tribunal às circunstâncias, que impedem a realização de julgamentos presenciais. O homem é ele e suas circunstâncias. O Tribunal se compõe de homens. A moléstia se propaga com a proximidade social. O Tribunal, então, se adaptou; melhor trabalhar assim, do que não trabalhar. O julgamento num plenário virtual pode até render mais, mas não é uma forma ideal de julgamento. Não se iguala a um julgamento presencial. Então, devem ser levados ao plenário visual casos mais simples.

Casos complexos, devem ficar para o plenário presencial. A tese da legítima defesa da honra em caso de feminicídio, na minha opinião e com a devida vênia, por ser dos mais complexos, só poderia ser julgado no plenário presencial. Ou, não podendo aguardar o presencial, por vídeo conferência. Ainda mais em se tratando de matéria do tribunal do júri. Há temas laterais, como a do crime passional (Ferri).

A jurisprudência do Supremo Tribunal, vigente, ou vigente até há pouco, encontrava forma de solução da questão, ao admitir a anulação do julgamento pelo Tribunal de 2º grau, quando a decisão se mostra manifestamente contrária à prova dos autos ou inadequada ao direito. Afinal, não se podem consagrar, em nome da soberania do júri, julgamentos marcadamente injustos. O sentimento de justiça domina e há de ser dominante em qualquer juízo ou tribunal."

2 - Plenário virtual e o fim do debate entre juízes e advogados:

"No plenário virtual não se tem o contato do advogado com os juízes encarregados do julgamento. E o advogado simplesmente não é assistente do julgamento, mas é dele ativo participante. Sem a participação ativa da defesa, o julgamento não tem legitimidade. E quantas vezes uma defesa oral é marcante, é definidora da decisão; quantas vezes a intervenção do advogado numa questão de ordem é fundamental. Sim, o plenário virtual inibe o debate, debate que pode resultar possível mudança de entendimento do juiz." 

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