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STF: Quatro ministros votam por não reconhecer direito ao esquecimento

Dias Toffoli, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Rosa Weber entendem que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal. Já o ministro Edson Fachin, reconhece o instituto do esquecimento.

10/2/2021

Nesta quarta-feira, 10, o plenário do STF deu continuidade ao julgamento para saber se existe, ou não, o direito ao esquecimento na esfera cível. Até o momento, os ministros Dias Toffoli (relator), Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Rosa Weber entendem que não é aplicável o direito ao esquecimento na esfera civil quando invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares. 

Já o ministro Fachin, exteriorizou seu voto de forma divergente, ou seja, pelo não reconhecimento do instituto do esquecimento na área cível, no entanto, o afastou no caso concreto de Aída Curi. O julgamento continua amanhã, 11.

(Imagem: Arte Migalhas)

O ministro Nunes Marques divergiu em parte do relator. Embora reconheça que não há o direito ao esquecimento, o ministro entendeu que os familiares de Aída Curi devem ser indenizados por dano moral.

O ministro iniciou seu voto relembrando decisões, em julgamentos brasileiros, nos quais foi aplicado o “direito ao esquecimento”. Como exemplo, o ministro citou o RESp 1.660.168/RJ, do STJ, que tratou da conciliação entre o direito individual e o direito coletivo à informação, usando como base o referido instituto do esquecimento.

De acordo com Nunes Marques, pode-se perceber que o direito ao esquecimento tem sido aplicado no Brasil em três tipos de situações, para:

  1. Impedir o uso de registros criminais antigos;
  2. Condenar emissoras de TV em razão de notícias de crimes já prescritos;
  3. Desindexar o nome do interessado de notícias antigas.

Da esfera civil à criminal, o ministro salientou que, por conta da heterogeneidade dos litígios, o direito ao esquecimento deveria ser adequadamente institucionalizado para ser aplicado, no entanto, “nada disso existe”, afirmou.

“O direito ao esquecimento, pelo visto, tem sido uma solução heurística encontrada pelos Tribunais para resolver litígios aos quais os magistrados, apesar da falta de legislação, ou até mesmo por isso, conseguem se conectar revivendo-os mentalmente por meio da fantasia empática.”

O ministro fez alguns questionamentos acerca do direito ao esquecimento que não têm respostas na lei, tais como: “o direito ao esquecimento é renunciável? é prescritível? o tratamento da difusão por jornal deve ser o mesmo do acesso em sites? As informações sensíveis são relativas apenas às estigmatizantes ou quaisquer outras? Quem são os legitimados para invocar o direito ao esquecimento?”

“A mera constatação de que o tempo desvanece certas reinvindicações ou de que há paz no esquecimento não tem a densidade necessária para institucionalizar um direito subjetivo em termos gerais.”

Com relação ao princípio da liberdade de comunicação, o ministro afirmou que este princípio pode ser tolhido se a jurisprudência criar um “ambíguo” direito ao esquecimento, cujos limites ninguém sabe exatamente quais são”.

“Toda colisão entre liberdade de comunicação e vida privada das pessoas deve ser resolvida de maneira tópica.”

Ao analisar o caso concreto, Nunes Marques reconheceu que faltou a TV Globo maior responsabilidade para tratar o caso, porque a vítima do crime não era uma pessoa pública, mas se tornou conhecida pela tragédia televisionada. “Alimentar curiosidade mórbida”, disse o ministro acerca do objetivo do programa.

Embora não tenha reconhecido o direito ao esquecimento, o ministro Nunes Marques entende que os familiares da vítima devem ser indenizados por dano moral.

Nunes Marques afirmou que não cogita apagar os fatos, nem proibir sua divulgação, que deve ser oportuna e respeitosa à vítima. O que é inaceitável, segundo o ministro, é tripudiar sobre a memória da vítima, sem nenhuma justificativa. “Verdadeiro bullying”, classificou. E, segundo Nunes Marques, foi isso o que aconteceu - o nome da vítima foi trazido à tona de forma despropositada, cruel e sem qualquer importância pública. Por essa razão, segundo o ministro, se justifica o dano moral, que deve ser fixado nas instâncias ordinárias. 

Para o ministro Alexandre de Moraes, o reconhecimento amplo, genérico, abstrato do direito ao esquecimento traz presente o traço marcante da censura prévia. 

O ministro relembrou julgamentos históricos em que se tem por base o suposto direito ao esquecimento. No entanto, sob o entendimento do ministro, em nenhum destes episódios houve expresso reconhecimento a um genérico, amplo e referente a uma categoria jurídica denominada “direito ao esquecimento”.

“Em todos os casos tratados como direito ao esquecimento, o que houve foi efetivamente a aplicação do binômio liberdade com responsabilidade.”

Segundo S. Exa., é necessário exigir uma análise específica de cada caso que envolve liberdade de expressão versus vida privada. Moraes salientou que a liberdade de expressão tem a ver, inclusive, com proteção de pensamentos, ideias, opiniões e críticas.

O ministro trouxe uma hipótese: “um programa televisivo contando um fato pretérito pode causar isto e aquilo. Então vamos impedi-lo”. Segundo o ministro, impedir o fato de ser noticiado pelas consequências é censura prévia.

“O reconhecimento amplo, genérico, abstrato do direito ao esquecimento traz presente o traço marcante da censura prévia.”

O ministro afirmou que é necessário existir "liberdade com responsabilidade" na produção de conteúdos. Se o jornal/veículo se desviar da responsabilidade, ele será condenado pelo Judiciário, seguindo o devido processo legal. "Assim  funciona na Democracia a garantia constitucional da liberdade de expressão.", afirmou. 

Para a ministra Rosa Weber, sujeitar a produção televisiva “Linha Direta” sobre o caso de Aída Curi à autorização dos familiares da vítima aniquilaria a proteção às liberdades de manifestação do pensamento, expressão, artística e de informação. Por consequência deste entendimento, a ministra não reconheceu o direito ao esquecimento na esfera cível.

Em seu voto, a ministra Rosa Weber afirmou que é incompatível com o Estado Democrático de Direito a imposição de restrições às liberdades de manifestação de pensamento, expressão, informação e imprensa, que traduzam censura prévia. Segundo destacou a ministra, o núcleo essencial da liberdade de expressão compreende não apenas os direitos de informar e ser informado, mas de ter e emitir opiniões e críticas.

“Uma sociedade sem memória é uma sociedade sem imaginação e sem história.”

Ao enfatizar a importância da liberdade de expressão, Rosa Weber questionou: "se aos cidadãos não for assegurada uma esfera de intimidade privacidade, livre de ingerência externa, o lugar onde o pensamento independente e novo possa ser gerado com segurança, de que servirá a liberdade de expressão?".

O ministro Edson Fachin reconheceu a aplicação do direito ao esquecimento, no entanto, no caso concreto o afastou. 

Logo no início de seu voto, o ministro Edson Fachin anunciou que divergiria do entendimento do relator. Segundo Fachin, o direito ao esquecimento compreende, mas não se reduz aos tradicionais direitos à privacidade, à honra, nem tampouco ao direito à proteção de dados. "Decorre de uma leitura sistemática destas liberdades fundamentais", frisou.

A discussão envolve a liberdade de expressão versus vida privada. Três ministros que votaram antes de Fachin entendem que a liberdade de expressão deve prevalecer. No entanto, para Fachin, ainda que se possa falar de uma posição de preferência da liberdade de expressão no sistema constitucional brasileiro, há um altíssimo ônus argumentativo para afastá-lo. 

"Eventuais juízos de proporcionalidade em casos de conflitos ao direito ao esquecimento e a liberdade de expressão devem sempre considerar a posição de preferência que a liberdade de expressão possui no sistema constitucional brasileiro, mas também devem preservar os núcleo essencial do direito da personalidade."

Ao analisar o caso concreto, no entanto, o ministro Edson Fachin entendeu que episódio trágico de Aída Curi desbordou da esfera da vida privada, pois os materiais se mostraram essencialmente públicos e as expecativas de privacidade se viram diminuídas. Ademais, o ministro afirmou que o caso retratado pela Rede Globo, de forma jornalística, refletiu a trágica realidade da época

Citando artigo da professora Karina Nunes Fritz publicado em Migalhas, intitulado "Direito ao esquecimento não é absoluto, diz Bundesgerichtshof", o ministro Fachin rememorou que no referido caso analisado pela professora, o BGH Alemão reconheceu a existência do direito ao esquecimento, mas negou em caso concreto em questão.

Entenda o caso

Os irmãos de Aida Curi ajuizaram ação de reparação contra a TV Globo após a história do conhecido crime ser apresentada no programa Linha Direta, com a divulgação do nome da vítima e de fotos reais. A tragédia aconteceu em 1958, já o programa foi exibido nos anos 2000, sem autorização da família.  

Nos Tribunais Superiores, o caso teve origem em julgamento no STJ, capitaneado pelo voto do ministro Luis Felipe Salomão, reconhecendo o direito ao esquecimento, embora afastando-o no caso concreto.

Mesmo reconhecendo que a reportagem trouxe de volta antigos sentimentos de angústia, revolta e dor diante do crime, que aconteceu quase 60 anos atrás, a turma entendeu que o tempo, que se encarregou de tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos familiares.

O tema ganhou amplitude nos últimos anos, como se nota pela sintética linha do tempo que destaca relevantes decisões sobre a matéria:

 

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