A 6ª turma do TRT da 4ª região condenou um shopping a pagar indenização por danos morais, no valor de R$ 10 mil, a uma trabalhadora que recebeu ordem da supervisora para retirar seus dreads. Para o colegiado, a proibição pura e simples constitui em prática discriminatória.
A autora da ação atuou como fiscal de higienização no shopping. Segundo ela, fez o penteado em março de 2017, quando ganhou de presente do marido. Porém, quando trocou do turno da noite para manhã, recebeu a ordem para a retirada dos dreads. Em depoimento, a autora relatou que chorou por diversas vezes no ambiente de trabalho.
Segundo a mulher, ela não tinha mais vontade de se olhar no espelho, pois havia incorporado o cabelo ao seu estilo. Afirmou terem ocorrido diversos momentos de desânimo e de falta de vontade de ir trabalhar. Além da questão do penteado, a trabalhadora relatou que havia tratamento diferenciado em relação às folgas concedidas.
Em defesa, a empresa afirmou que “jamais tal recomendação seria feita” e que “possui inúmeros colaboradores afrodescendentes, sendo que vários usam cabelo trançado, com dreadlocks ou mesmo no seu formato e volume naturais”.
O juízo da 28ª vara do Trabalho de Porto Alegre considerou insuficientes as provas para a condenação, pois não teria havido a efetiva comprovação de que a trabalhadora retirou as tranças por exigência da supervisora da empresa.
As partes recorreram da decisão em diferentes itens. Um dos tópicos questionados pela autora foi o indeferimento da indenização por danos morais.
Prática discriminatória
A relatora do acórdão, desembargadora Maria Cristina Schaan Ferreira, considerou provada a atitude discriminatória, com base no depoimento de uma das testemunhas.
Segundo a depoente, a prática era reiterada, pois, além da autora da ação, ela mesma e uma outra colega já haviam recebido ordens com o mesmo teor. De acordo com o depoimento, nas palavras da supervisora, elas deveriam retirar as tranças “para dar exemplo”.
Para a desembargadora, a determinação da empregadora nada tem a ver com o trabalho executado pela empregada. A magistrada adotou em sua decisão os fundamentos expostos pelo procurador regional do Trabalho Leandro Araújo, ao emitir parecer sobre o caso:
“A sociedade brasileira, nesta quadra do século 21, vem produzindo movimentos sociais de afirmação, a partir de segmentos ditos marginalizados ou discriminados, nisto se incluindo as questões de gênero, de raça, de orientação sexual, de crença religiosa, entre outras. A afirmação de identidade racial abrange, entre suas várias modalidades de manifestação exterior, o uso de vestimentas e penteados que evocam as crenças e tradições da ancestralidade africana. O uso de tranças, em tal contexto, mais que mera opção estética, possui um simbolismo de pertencimento que deve ser respeitado, e sua proibição pura e simples, sem que haja alguma razão objetiva para a vedação, constitui-se em prática discriminatória, vedada pelo ordenamento jurídico.”
A trabalhadora havia sido despedida por justa causa pelo shopping. Porém, no recurso, a 6ª turma anulou a justa causa e determinou a rescisão indireta do contrato, em razão da falta grave cometida anteriormente pelo empregador.
“No caso concreto, a prática discriminatória e preconceituosa perpetrada pela reclamada, é grave o suficiente para ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho. Entendo que o fato de a reclamante ter sido posteriormente despedida por justa causa não obsta esse entendimento, na medida em que os fatos relativos à prática discriminatória são anteriores à justa causa.”
Assim, a autora também terá direito ao pagamento de aviso prévio proporcional, multa de 40% sobre o FGTS, liberação dos depósitos do FGTS, bem como ao fornecimento de guias para habilitação do seguro-desemprego.
A trabalhadora também deverá receber R$ 500, por danos materiais.
Fonte: TRT-4.