"Operação Peru"
Advogado apresenta defesa de um dos acusados preso durante a operação
No dia 7/12, o Denarc prendeu três peruanos com 20 quilos de cocaína. A prisão foi resultado da “Operação Peru”, realizada na Lapa, Zona Oeste da Capital, e em Santana de Parnaíba (40kms a oeste da Capital). Dr. Marcelo Bettamio, advogado de um dos três acusados, alega que seu cliente fora preso sem provas, atentando assim contra a prerrogativa de seus. Veja abaixo o material de defesa apresentado pelo advogado.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR SEGUNDO VICE - PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
MARCELO PIRES BETTAMIO, advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, sob o nº 148.398, com escritório profissional no Município de São Paulo, na Alameda Santos, nº 211, 1º andar, conjunto 108 – Paraíso – SP; vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, impetrar ''Habeas Corpus" com pedido de liminar, em favor do paciente GUILHERMO ELOY SANCHES HUERTAS, peruano, solteiro, comerciante, com residência e domicílio no Município de Trujillo, na Rua Ricardo Palma, nº 425 – El Boqueron – Peru; e que o faz consubstanciado no artigo 5º, LXVIII da Constituição Federal c/c os artigos 647 e ss., do Código de Processo Penal, pelos motivos fáticos e jurídicos adiante expostos.
Termos em que pede deferimento.
São Paulo, 12 de dezembro de 2006.
MARCELO PIRES BETTAMIO
OAB/SP 148.398
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COLENDA CÂMARA
EMINENTE DESEMBARGADOR RELATOR
IMPETRANTE : MARCELO PIRES BETTAMIO EM FAVOR DE GUILHERMO ELOY SANCHES HUERTAS
AUTORIDADE COATORA : MM. JUIZ DE DIREITO DO DEPARTAMENTO DE INQUÉRITOS POLICIAIS DA COMARCA DE SÃO PAULO ( DIPO 4.1.2 )
SINÓPSE FÁTICA
O paciente fora preso em 07.12.2006 em razão da suposta flagrância, estando o presente inquérito tramitando no Departamento de Inquéritos Policiais sob o n. 050.06.097337-4 ( DIPO 4.1.2 ).
Ocorre que, consoante às circunstâncias extraídas da presente relação jurídico-processual, aplicável à quaestio sub examen, fora requerido o relaxamento da prisão, vez que, não ocorrera estado de flagrância em nenhuma das hipóteses previstos nos termos do artigo 302, incisos II, III e IV do Código de Processo Penal, estando o paciente detido através do suposto flagrante de delito pela suposta transgressão dos artigos 33 e 35 da Lei Federal 11.343/06.
Em 10.12.2006, fora requerido perante a autoridade coatora o relaxamento da prisão, que ao indeferir em apenas 03 ( três ) linhas, sem nenhuma fundamentação jurídico-processual a legitimar prisão irregular, sob argumento de mesmo contexto fático, cuja decisão assim dispôs:
1- Indefiro o pedido de relaxamento da prisão em flagrante.
2- Com efeito, o requerente Guilhermo foi preso em um mesmo contesto fático, restando prematuro, no momento, considerar de outra maneira.
3- ...
Int.
...
Concessa maxima venia, a r. decisão não deve prosperar, em que pese a parca fundamentação tecida e consubstanciada no princípio da presunção de culpabilidade, certo que o paciente está sendo obstado de garantia constitucional, diante da inconteste ausência de estado flagrancial, fato que por medida de direito e de justiça impõe o imediato relaxamento da prisão.
A Constituição Federal assim dispõe:
Art. 5º:
LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;
DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
Com efeito, diz a Constituição Federal que:
Art. 93 - Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
...
IX - todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a Lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;
A r. decisão que indeferiu o relaxamento da prisão do paciente não fundamentou os requisitos jurídico-processual penal a ensejá-la, violando o artigo 315 do Código de Processo Penal e o artigo 93, inciso IX da Carta Magna.
Não há fundamentação satisfatória para a intelecção da prisão em flagrante, pois nada diz a legitimar a privação cautelar da liberdade do paciente, vez que, reprise-se, não há justificativa plausível no plano jurídico-processual a justificar a inflexão corporal do paciente.
“A prisão preventiva, por sua natureza, precisa ser conciliada com o princípio da presunção de inocência. Nenhuma sanção processual é dissociada do interesse público. Faz-se imprescindível, na fundamentação, ser evidenciada a necessidade da constrição do exercício de liberdade, ou seja, configurada, no plano fático uma das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal. Insuficiente mera referência a uma das categorias normativas, ou à natureza da infração penal”
( STJ – 6ª T. – RHC 7408 – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro – j.30.6.98 – DJU 14.9.98, P.136-137 )
“A decretação da prisão ad cautelam exige motivação concreta, sendo insatisfatória, nos termos do artigo 315 do CPP e 93, inc. IX 2ª parte, da Lex Máxima, a divagação genérica desvinculada das exigências legais do artigo 312 do CPP”
( STJ – 5ª T. RHC 6602 – Rel. Felix Fisher – j. 5.8.97 – DJU 8.9.97, p. 42. 533).
Os excertos retro mencionados refletem a posição do direito pretoriano que inadmite a violação ao direito de liberdade sem indicar o suposto fático que individualize a conduta que evidencie a necessidade da prisão cautelar e exige a conciliação com o princípio constitucional da presunção de inocência, principalmente diante da exceção da privação de liberdade sem ordem judicial.
Neste flanco, o estado de flagrância deve ser inexorável, não podendo haver interpretação extensiva em normas de direito processual a legitimar uma prisão ilegal sob o argumento de contexto fático.
Carlos Maximiliano ao analisar a interpretação da norma criminal ressalva:
"Como a exegese extensiva só se proíbe acerca de dispositivos que cominam pena ou agravam a criminalidade, segue-se que a forma rigorosa de interpretar concernente às Leis Penais não persiste relativamente ao Processo. Aplicam-se às prescrições de Direito Adjetivo as regras comuns de hermenêutica; nem sequer o recurso à analogia é vedado. Entretanto o preceito não é absoluto: quando se tratar de exceções às regras gerais, bem como de limitações à liberdade individual, ao exercício de direitos ou a interesses juridicamente protegidos, o texto considerar-se-á taxativo, será compreendido no sentido rigoroso, estrito. Assim sucederá, p.ex.; quanto às prescrições que autorizem a prisão preventiva, o sequestro dos bens do indiciado, ou restrições ao direito de defesa." ( grifos nossos )
( Carlos Maximiliano in Hermenêutica e Aplicação do Direito - Rio de Janeiro - Forense. 1993 pág. 329 )
Ora Excelências, ou o paciente está ou não está dentro dos moldes de flagrância do Código de Processo Penal, pois adversamente, o Estado de Direito ficará desprovido de segurança jurídica, ao se admitir prender um cidadão que encontra-se sob o aspecto temporal e espacial completamente divorciado, sob argumento de contexto fático, abrindo-se permissivo para a instauração de exceções a direitos fundamentais invioláveis, como por exemplo a liberdade do cidadão.
DA INOCORRÊNCIA DE FLAGRANTE DELITO
Conforme se depreende dos fatos em exame, detecta-se que o paciente fora preso em 07.12.2006 em razão de suposta flagrância delitiva dos artigos 33 e 35 da Lei Federal 11.343/06.
Ocorre que, consoante os indícios e circunstâncias espelhados nos autos de flagrante delito, não se verifica estado de flagrância e tampouco há elementos a justificar quase-flagrância ou flagrância presumida em relação ao acusado.
Os policiais que realizaram as prisões de César Chimaico Mendes e de Manuel Ovido Loyara Pillpe, estes que, supostamente encontravam-se em estado de flagrância delitiva, declinaram em suas declarações nos autos de flagrante que o paciente não encontrava-se no local dos fatos e tampouco no momento de sua prisão estivesse portanto algo de interesse policial.
O paciente encontrava-se apenas caminhando no mercado Municipal da Lapa, sendo portanto sua conduta totalmente atípica a legitimar uma prisão em flagrante.
O presente ato administrativo da prisão em flagrante em exame, permissa venia, não se justifica, pois não trata-se de flagrante próprio, flagrante impróprio e tampouco flagrante presumido, nos moldes dos incisos II, III e IV do artigo 302 do Código de Processo Penal.
Neste sentido, depreende-se dos presentes autos que não há nenhum indício representado por um fato ou prova circunstancial que seja o paciente partícipe dos fatos averiguados, não podendo-se presumir associação pelo fato de todos os acusados serem de mesma nacionalidade.
O paciente não tem nenhum antecedente criminal, sendo pai de 06 ( seis ) menores impúberes em seu país de origem, que dependem de seu trabalho lícito de comerciante.
O objetivo da prisão em flagrante é a certeza de quem seja o autor da infração, sugerindo atualidade do crime e a sua evidência quanto ao seu momento consumativo, devendo ser inequívoco a legitimar a restrição ao jus libertatis.
O ponto nevrálgico a ser examinado é a atipicidade da conduta do paciente nas circunstâncias em que fora preso, bem como pela ausência da provas a justificar associação ao tráfico de entorpecentes somente pelo fato de agentes policiais supostamente acreditarem que há existência de conhecimento pessoal entre os demais acusados, reprisando-se o fato natural de mesma nacionalidade, que per se, não justificam e tampouco satisfazem os requisitos processuais da prisão em flagrante.
Sob este prisma jurídico-processual, não se pode inferir da conduta e das provas dos autos de prisão em flagrante delito que o paciente tenha sido preso em estado de flagrância a justificar a sua prisão nos moldes em que fora realizada.
Trata-se Excelências de circunstância de evidente constrangimento ilegal a caracterizar flagrante injustiça!
Desta feita, subsume-se que a medida extrema na presente relação jurídica deve ser revogada pela ilegalidade ora explanada, bem como por ser providência de caráter cautelar a garantir o direito de liberdade do paciente em consonância com o corpo probatório dos autos que não legitimam a privação de bem jurídico de substancial valor axiológico.
O Estado tem o dever de tutelar a liberdade do cidadão, bem jurídico indisponível até que se prove causa justificadora para tal exceção, promover a Justiça e certeza das relações sociais é obrigação do Estado Democrático de Direito e a Constituição Federal está para objurgar com firmeza questões que a ameacem.
Sob este prisma, hialina a inexistência de causa secundum jus para o cerceamento ao direito de liberdade do paciente, desamparada de justificativa ou fundamento na ordem jurídica.
Infere-se assim, que a coação encontra-se em verdadeira testilha às Leis Federais, bem como a preceitos constitucionais, pois a Constituição Federal tutela o jus libertatis, até mesmo quando o ato coativo entra em conflito com as garantias à liberdade de locomoção "decorrentes do regime e dos princípios que ela adota ( CF art. 5º, LXXVII ), bem de ver a amplitude do conteúdo do art. 647 do Código de Processo Penal, conforme observa com propriedade o eminente José Frederico Marques.
Derradeiramente, buscando-se a correta fixação e significado do ordenamento jurídico positivo à luz dos princípios gerais do direito, conclui-se que não estando presentes as hipóteses do artigo 302 do CPP, caracterizando a plausibilidade do pedido de restabelecimento de liberdade mediante a revogação incontinenti da prisão em flagrante delito nos termos do ordenamento jurídico-processual, motivo pelo qual se requer a prestação jurisdicional das liberdades com a finalidade de se restabelecer o seu Jus libertatis .
EM FACE DO EXPOSTO, confiante nos doutos suprimentos e alto espírito de justiça deste Egrégio Tribunal de Justiça, requer a concessão da ordem de Habeas Corpus, com apreciação de pedido liminar, em face de estar presente o periculum in mora e o fumus bonis iures, no sentido de relaxamento da prisão em flagrante nos termos do artigo 5, inciso XLV da Constituição Federal, bem como a determinação de expedição do competente alvará de soltura em respeito ao princípio das liberdades públicas.
Termos em que pede deferimento.
São Paulo, 12 de dezembro de 2006.
MARCELO PIRES BETTAMIO
OAB/SP 148.398
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