Com a entrada em vigor da nova Lei do Aeronauta (13.475/17), a Anac - Agência Nacional de Aviação Civil foi autorizada a criar um SGRF - Sistema de Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana com base nas normas e recomendações internacionais sobre o assunto.
Assim, em 19 de março de 2019, a Agência publicou o RBAC 117 - Regulamento Brasileiro de Aviação Civil, que entrou em vigor em 28 fevereiro de 2020, estabelecendo limitações operacionais relativas ao gerenciamento da fadiga para tripulantes e operadores aéreos, representando um novo marco regulatório em matéria de segurança de voo no Brasil.
Contudo, desde antes da entrada em vigor, a ABRAPAC - Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil vem alertando a Anac sobre o fato de que o texto do regulamento não atende uma das mais importantes prescrições dos órgãos internacionais para a criação de uma norma sobre gerenciamento de fadiga: quaisquer limites operacionais, programas e controles de gerenciamento da fadiga humana devem ser precedidos de uma robusta base técnico-científica e de comprovada experiência operacional.
Em novembro de 2019 foi realizada reunião com a Anac, ocasião na qual a ABRAPAC apresentou parecer jurídico sobre o RBAC 117, reforçando a necessidade de estudos científicos que incorporem os limites prescritivos das jornadas dos tripulantes, e enaltecendo que, embora o regulamento traga avanços para a segurança da aviação civil, a falta de embasamento científico na elaboração das prescrições e limites de jornada é preocupante e pode afetar diretamente a segurança de voo.
Sem resposta da Anac, a Associação encaminhou a questão ao MPT - Ministério Público do Trabalho, que inicialmente reconheceu a relevância da matéria, mas entendeu que o RBAC 117 é uma norma administrativa, contra a qual o MPT não possui competência para atuar.
Porém, após reanalisar o caso, o Ministério Público determinou que os fatos relatados pela ABRAPAC devem, sim, ser analisados em toda a sua extensão. E assim sendo, no dia 28 de setembro de 2020, foi instaurado inquérito civil para apuração das irregularidades levantadas pela associação de pilotos.
Segundo o procurador do trabalho responsável pelo procedimento, Murillo Cesar Buck Muniz, “as normas administrativas impugnadas podem atingir, inicialmente, mais diretamente os trabalhadores da aviação, mas têm o potencial de comprometer a segurança de passageiros e de toda a sociedade, em razão da potencialidade e gravidade de acidentes que o cansaço ou a fadiga de aeronautas podem causar”.
Para o especialista em Direito Aeronáutico e advogado da Associação, Carlos Barbosa:
“Combater a fadiga de tripulantes é hoje um dos principais desafios da aviação mundial. Apesar da relevância de problemas relacionados a projetos, à automação e ao treinamento, os fatores humanos, com especial destaque para aspectos fisiológicos, têm se mostrado preponderantes em acidentes aéreos nos últimos anos, sendo a fadiga um significativo fator contribuinte. É mesmo temerária a entrada em vigor de um regulamento tão complexo, que regulará um tema tão delicado às tripulações e à sociedade civil, sem qualquer base científica e experimentação operacional que lhe deem supedâneo, tal como obrigam as normas nacionais e internacionais sobre o tema.”
O inquérito agora aguarda intervenção do Procurador-Geral do Trabalho e a constituição de um grupo de trabalho com a participação de membros das CONAP - Coordenadorias Nacionais de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública e de CODEMAT - Defesa do Meio Ambiente do Trabalho para atuação institucional no caso, considerando a relevância e complexidade da matéria e, ainda, a necessidade de eventuais audiências com a Anac, análise pericial especializada, providências judiciais, entre outras.
O IC é acompanhado pelo escritório Cerdeira Rocha Vendite e Barbosa Advogados e Consultores Legais.
- Processo: 000540.2020.02.000/2
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