A 4ª turma do STJ estava julgando, na última terça-feira, 3, se a Taxa Selic incide ou não nas dívidas civis (art. 406 do CC), especialmente quando relacionadas a reparações de danos contratuais e extracontratuais, tendo em vista os diferentes marcos iniciais dos juros moratórios e da correção monetária embutidos na Selic.
O julgamento, porém, foi suspenso após a Corte ter sofrido ataque cibernético, quando foram interrompidas as transmissões de todas as sessões, que aconteciam de forma virtual. O site do Tribunal também está indisponível desde o ocorrido.
No momento da interrupção, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, estava proferindo seu voto.
Segundo Leonardo Amarante (Leonardo Amarante Advogados Associados), um dos advogados que atuam no caso, ao que tudo indica, o voto de S. Exa. seria para afastar a Selic das correções de indenizações e manter os juros de 12% ao ano. O advogado afirmou que, se houver a alteração do entendimento já pacificado, a população de todo o país será severamente lesada.
“Este pronunciamento abrirá precedente para que todas as ações vigentes na Justiça brasileira sejam revistas a fim de serem aplicadas taxas menores nas sentenças, criando um cenário ainda mais crítico de morosidade da Justiça.”
Segundo o advogado, o voto do ministro Salomão mostrou total razoabilidade e profundo conhecimento do tema, indo ao encontro do bem da sociedade e da estabilidade jurídica. Qualquer decisão contrária ao exposto pelo ministro, acredita o causídico, pode estimular “ainda mais uma cultura de procrastinação e arrastar ações por muito tempo”.
Leonardo finalizou questionando: “Por que o devedor vai pagar, se os juros serão negativos?”
Histórico
O processo aportou no Tribunal em 2008 e foi afetado para julgamento da Corte Especial em 2013. Anos depois, em fevereiro de 2019, a Corte cancelou a afetação, por maioria de votos, devolvendo o processo para julgamento à turma. Em novembro último, também por maioria, vencidos Antonio Carlos e Raul Araújo.
Diante da relevância do tema, a turma deliberou pela prévia oitiva de interessados a participar dos debates na condição de amicus curiae.
Quando o caso ainda estava na Corte Especial, em agosto de 2013, Salomão proferiu voto afastando a Taxa Selic para atualização da condenação de dívidas civis, notadamente em se tratando de danos morais decorrentes de responsabilidade extracontratual, ante a impossibilidade de se conciliar os marcos diversos de incidência de juros moratórios (evento danoso) e de correção monetária (data do arbitramento), na linha das súmulas 54 e 362 do Tribunal.
Na ocasião, o relator propôs a utilização de índice oficial de correção monetária ou tabela do próprio Tribunal local, somado à taxa de juros de 1% a.m. (ou 12% a.a.), nos termos do art. 161 do CTN.
Em nova oportunidade, já em 2017, reiterou o voto anteriormente proferido. Para Salomão, a discussão sobre a incidência ou não da Taxa Selic no cálculo das indenizações por dano moral traz à tona duas proposições excludentes entre si:
(i) uma vez considerada aplicável a Selic, somente a súmula 54 persistirá, pois desde o evento danoso incidirá juros de mora e correção monetária, afigurando-se impositivo o afastamento de bis in idem; e
(ii) se considerada inaplicável a Selic, remanescem hígidos os marcos distintos delineados nas súmulas 54 e 362.
Componente político
No momento em que o julgamento foi suspenso, ministro Salmão explicava que a incidência da Taxa Selic se torna impraticável em situações que os juros fluem a partir do evento danoso e a correção monetária em data posterior, pois seriam incompatíveis.
“A Taxa Selic não é espelho do mercado, mas o principal instrumento de política monetária utilizado pelo Banco Central no combate à inflação. Quando a taxa sobe, os juros de cartão, por exemplo, ficam mais altos, e isso desestimula o consumo. Quando ela cai, pegar dinheiro é mais barato e isso estimula o consumo, não tem nada a ver com a remuneração em tela.”
Para o ministro, a Taxa Selic apresenta forte componente político e não exclusivamente técnico.
Ataque hacker
As sessões, que inicialmente seriam retomadas na próxima terça, dia 10, agora estão suspensas ou canceladas até que seja restabelecida a segurança do tráfego de dados dos sistemas do STJ.
Os prazos processuais no STJ ficam suspensos até o dia 9/11, e as demandas que importem em perecimento de direito estarão centralizadas na presidência por igual prazo.
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