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STF inicia julgamento sobre medidas de proteção aos indígenas na pandemia

Julgamento será retomado na quarta-feira. Plenário decidirá se confirma cautelar do ministro Barroso que determinou adoção de medidas pelo governo.

3/8/2020

Com o fim do recesso forense, o STF retomou nesta segunda-feira, 3, as sessões plenárias de julgamento. Em sessão extraordinária por videoconferência, os ministros iniciaram o julgamento da ADPF 709, cujo tema é a proteção dos povos indígenas ante a pandemia de covid-19 e suposta omissão do governo Federal na adoção de medidas.

A ADPF foi ajuizada pela Apib - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e por seis partidos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT). Eles requerem a adoção de providências, por parte do governo, no combate à epidemia da covid-19 entre a população indígena. Na ação, a entidade e as legendas alegam que ações e omissões do Poder Público no combate à doença nessas comunidades estão causando um "verdadeiro genocídio, podendo resultar no extermínio de etnias inteiras", e que a taxa de mortalidade por covid-19 entre indígenas é de 9,6%, contra 5,6% na população brasileira em geral.

O plenário decidirá se confirma a medida cautelar deferida no dia 8 de julho pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, por meio da qual determinou ao governo Federal a adoção de diversas medidas para combater o avanço da covid-19 sobre os povos indígenas e suas aldeias, entre elas a instalação de uma "sala de situação" com participação de índios, MP e DPU; a criação de barreiras sanitárias; e a elaboração de plano para enfrentamento e monitoramento da doença. 

Feito o relatório e as sustentações orais, votou o relator, ministro Barroso, pelo referendo da cautelar. Pelo adiantado da hora, a sessão foi suspensa e deve prosseguir na quarta feira, dia 5, em sessão que deve se iniciar às 14h.

Voto do relator

O ministro Luís Roberto Barroso pontuou que sua cautelar se assentou em três premissas:

i) O princípio da prevenção ou da precaução – Em matérias que envolvam a vida das pessoas, destacou o relator, a jurisprudência do Supremo é de que se adote todas as medidas possíveis, desde que razoáveis e proporcionais. Assim, sua preocupação primária foi de proteção da vida e da saúde desses grupos, inclusive pelo risco de extinção de etnias.

ii) Estabelecer diálogo institucional. Para Barroso, a concretização de políticas públicas necessárias depende da atuação da União, por intermédio do ministério da Saúde e das Forças Armadas. "Não tem como o Judiciário elaborar esses planos e dar-lhes execução. Por esta razão, o diálogo entre Judiciário e Executivo é imperativo."

iii) A preocupação de estabelecer diálogo intercultural. “Este diálogo entre nossa própria cultura e a cultura indígena me parecia imprescindível para a solução adequada desses problemas.

Quanto às medidas cautelares impostas em sua liminar, o ministro explicou ponto a ponto as determinações, as quais resumiu da seguinte forma:

Aos povos em isolamento de contato recente

- Instalação de barreiras sanitárias

- Instalação de sala de situação, com participação de comunidades indígenas, do MP, da DPU, do CNJ, e de representante de seu gabinete, além de técnicos que a sala de situação venha a convocar.

Aos povos indígenas em geral

- No tocante à retirada dos invasores, determinou-se providência emergencial de cordão sanitário de isolamento e a elaboração de um plano de desintrusão;

- Relativamente ao acesso dos índios aldeados em áreas não homologadas, determinou a extensão dos serviços específicos para indígenas; em relação aos que estão em área urbana, determinou a extensão desses serviços específicos se o SUS não pudesse atendê-los.

- Elaboração e monitoramento de um plano, a ser elaborado por grupo de trabalho no âmbito do governo Federal.

 Ante o exposto, pediu aos colegas a ratificação da cautelar concedida. 

Ponto a ponto

Barroso observou que, quanto aos povos indígenas em isolamento ou em contato recente, a medida cautelar determinou a necessidade de instalação de barreiras sanitárias – as quais devem ser instaladas com plano feito pela própria União.

Determinou, ainda, a criação de uma sala de situação para deliberar acerca das ações de combate à pandemia, com representantes das comunidades indígenas, do MP, da DPU, de uma representante de seu gabinete, e também uma representante do Poder Judiciário, a pedido do ministro Toffoli. A sala de situação, destacou, foi efetivamente composta.

Invasores

Uma segunda linha de medidas cautelares diz respeito aos povos indígenas em geral. Neste ponto está, para o ministro, a questão mais complexa de todas, que diz respeito à retirada dos invasores. Este foi o único ponto não atendido totalmente pelo ministro da forma como pleiteado pelos autores.

Na liminar, o ministro destacou que a remoção dos invasores das terras indignas é imperativa, imprescindível, e é dever da União. “É inaceitável a inação do governo Federal – não desse, não de um governo específico, de qualquer um, e talvez de todos até aqui em alguma medida – em relação a esse fato, inclusive porque essas invasões vêm associadas à prática de diferentes crimes ambientais."

No entanto, destacou a complexidade da questão – que o problema não é novo nem guarda relação com a pandemia, e que é de difícil resolução dado o grande contingente de pessoas – em apenas uma das sete áreas apontadas, segundo os próprios autores, há mais de 20 mil invasores.

“Ninguém deve imaginar que se retiram só de uma das sete comunidades 20 mil pessoas com um estalar de dedos ou uma canetada. É preciso planejamento, até porque ninguém deseja uma guerra armado dentro da comunidade indígena. É preciso um plano. (...) Essas desocupações não são singelas, nem podem ser feitas pura e simplesmente com truculência."

Portanto, quanto a este ponto, deferiu apenas parcialmente a cautelar, determinando medida emergencial de contenção e isolamento dos invasores em relação às comunidades indígenas, ou de providência alternativa apta a evitar o contato, sem prejuízo da elaboração de plano de desintrusão. "Observo que é dever da União equacionar o problema das invasões e desenvolver plano de desintrusão."

Plano de monitoramento

Quanto aos demais pedidos, o ministro determinou a extensão, aos indígenas não aldeados – ou seja, que vivem nas cidades – que o Sistema Indígena de Saúde os atendesse caso não tivessem acesso ao SUS.

Por fim, a última decisão foi a determinação de elaboração e monitoramento de "Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19 para os Povos Indígenas”, em 30 dias, com participação dos representantes de comunidades indígenas e o apoio técnico da Fundação Oswaldo Cruz e do grupo de trabalho indígena da Abrasco - Associação Brasileira de Saúde Coletiva.

Sustentações orais

Antes de iniciado o voto do relator, foram realizadas várias sustentações orais. 

Pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, manifestou-se Luiz Henrique Eloy Amado, destacando que, no contexto de pandemia, as comunidades não tiveram paz, porque, além de lutarem pela vida, precisaram lutar contra os interesses econômicos que recaem sobre as terras indígenas, com aumento de desmatamento e de atividades de garimpo. Disse, ainda, que há sério risco de genocídio e que, em caso de grupos isolados, corre-se o risco de serem exterminados. “Proteger os povos indígenas é um compromisso do Estado brasileiro, que não pode ser mitigado."

Em seguida, falou pelo PSB e Rede Sustentabilidade o advogado Daniel Antônio de Moraes Sarmento, que iniciou sua fala destacando tratar-se de um dos julgamentos de maior relevância da história do Supremo, porque em jogo não apenas milhares de vidas, mas a sobrevivência de povos indígenas inteiros. O advogado destacou como fundamental a questão da retirada dos invasores, a qual não foi atendida na cautelar. Segundo o causídico, este se tornou o principal vetor da pandemia no local. "São os povos indígenas que, na defesa de sua saúde, desejam a retirada, estão cientes dos riscos, e que esta é a sua solução, uma solução amparada na ciência, uma solução que trata os povos indígenas brasileiros como sujeitos de direito."

No mesmo sentido, falando pelo PDT, manifestou-se o advogado Lucas de Castro Ribas, que pediu a ratificação da liminar, e em maior extensão, incluindo a retirada dos invasores como medida de saúde pública das populações indígenas.  

Pelo PCdoB, Paulo Machado Guimarães chamou a atenção para o fato de que a contaminação e letalidade da covid-19 entre os povos indígenas é maior do que na população brasileira, o que, por si só, justificaria o referendo da cautelar. "Compete à União a proteção aos bens indígenas – e nenhum bem é maior que a própria vida."

Pela AGU, José Levi afirmou que, desde o primeiro momento, o empenho da União é mostrar e debater políticas públicas pertinentes em curso. “Neste sentido, a ADPF abre oportunidade qualificadíssima de debate.” Levi destacou a atuação do ministério da Defesa em todo o território nacional no enfrentamento da pandemia em favor dos indígenas, sobretudo no que se refere ao suporte logísticos, e que não haverá pedido de suspensão da liminar. "O interesse aqui é dar cumprimento à cautelar. (...) Referendada a cautelar, a União roga seja reconhecido o máximo empenho que está acontecendo por parte dela para atender às determinações em um contexto complexo sobre as mais diversas óticas." E concluiu elogiando o ministro Barroso: “relator impecável para o caso".

Pela PGR, Augusto Aras ratificou manifestação escrita, favorável ao referendo da decisão do relator. 

Também realizaram sustentação oral pelos amici curiae o advogado Gustavo Zortéa da Silva, pela DPU; a advogada Juliana de Paula Batista, pelo Instituto Socioambiental; Gabriela Araújo Pires, pela Comissão Guarani Yvyrupa; Pedro Sérgio Vieira Martins, pelo Conselho Indígena Tapajós Arapiuns e Terras de Direito; e Julia Melo Neiva, falando pelo Conectas Direitos Humanos. 

Veja a íntegra da decisão.

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