O IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros, aprovou, na quarta-feira, 10, parecer favorável à instauração de processo de impeachment contra o presidente da República, Jair Bolsonaro, por crime de responsabilidade. A decisão aconteceu na primeira sessão plenária virtual do IAB, conduzida pela presidente nacional, Rita Cortez.
Aprovado por 77,8% dos consócios (56 membros efetivos) que votaram na sessão, o parecer será encaminhado por Rita Cortez ao Congresso Nacional e ao STF.
Crime de responsabilidade
De acordo com o relator Manoel Messias Peixinho, membro da Comissão de Direito Constitucional, que analisou vários episódios envolvendo o presidente, em dois deles houve crime de responsabilidade configurado pelo cometimento de atos contra a probidade administrativa: ao violar as recomendações da OMS e ao comparecer a manifestação em defesa do fechamento do STF e do Congresso Nacional.
Além do parecer do IAB, será enviado o parecer do criminalista Mauricio Stegemann Dieter, da Comissão de Direito Penal, incumbido de verificar se os dois fatos considerados crimes de responsabilidade por Manoel Messias Peixinho teriam atingido o âmbito penal.
Segundo o criminalista, não há fundamento, exclusiva e estritamente do ponto de vista do Direito Penal, para iniciar um processo de impeachment. Contudo, ressalvou que “a responsabilidade do presidente da República por essas ações não é, rigorosamente, criminal, o que não significa que não deva ser responsabilizado”.
De acordo com Rita Cortez, o IAB não enviará um pedido de abertura de processo de impeachment, mas pareceres técnicos com os fundamentos jurídicos que sustentam a admissibilidade de sua instauração.
“Foi uma sessão histórica, por ter sido a primeira realizada virtualmente e, principalmente, por ter tratado de um tema de relevante interesse nacional. O IAB cumpriu, mais uma vez, o seu dever histórico de se pronunciar, por meio de pareceres técnicos, sobre uma questão de enorme interesse da sociedade brasileira, que é a possibilidade jurídica e política de impedimento do presidente da República, incluída em nossa pauta de debates.”
Para Manoel Messias Peixinho, que também é presidente da Comissão de Direito Administrativo do IAB, é inegável que as falas e os “atos agressivos e impensados” do presidente da República são contrários ao interesse público e com consequências nocivas a todos os brasileiros. Destacou que o crime de responsabilidade está tipificado no art. 85 da CF e no art. 4º da lei 1.079/50, que regula o processo de impeachment.
Peixinho falou sobre a diferença entre crimes comuns e o crime de responsabilidade e esclareceu o que é probidade administrativa.
“Os crimes comuns são aqueles estatuídos no CP e nas leis especiais que tipificam as condutas reprováveis, enquanto os crimes de responsabilidade, por sua vez, são ilícitos administrativos e constitucionais praticados por agentes políticos.
A probidade administrativa é um termo relacionado ao Direito que caracteriza agir com honestidade na administração pública, ou seja, de acordo com os princípios básicos da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.”
De acordo com o relator, “as condutas do presidente da República são, além de incompatíveis com o decoro e a dignidade do cargo, caracterizadoras de crime de responsabilidade”.
Ato atentatório
Na fundamentação do seu parecer, o advogado citou a presença de Jair Bolsonaro no dia 19 de abril, em Brasília, em ato realizado em frente ao quartel-general do Exército. Os participantes atacaram o STF e o Congresso Nacional, defendendo o fechamento das instituições.
“Foi um ato atentatório à saúde, por causar aglomeração de pessoas, e à democracia, pois o presidente da República, ao discursar para centenas de apoiantes, pediu a intervenção militar e o fim do isolamento social, face à pandemia da covid-19.”
De acordo com Peixinho, “a participação do presidente no ato, em que também foi defendido o retorno do AI-5, configura fato gravíssimo, pois se trata não somente de um retrocesso democrático, mas também de crime de responsabilidade”.
Segundo o advogado, a CF e a lei 1.059/50 preveem como crime de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra o livre exercício do Legislativo, do Judiciário e dos poderes constitucionais das unidades da federação.
O relator fundamentou também a caracterização do crime de responsabilidade decorrente da desobediência às orientações das autoridades sanitárias.
“O descumprimento das recomendações da OMS, em grave ofensa ao direito à saúde, resguardado pela CF/88, resultou em ato contra a probidade na administração, considerado crime de responsabilidade. Mesmo diante da gravíssima situação sanitária no Brasil, o presidente vem, reiteradamente, ignorando as recomendações e diretrizes da OMS e do próprio ministério da Saúde, promovendo passeios e gerando aglomerações, além de incentivar a ida da população às ruas.”
Peixinho avaliou, ainda, a acusação feita pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro sobre a suposta interferência política do presidente na Polícia Federal. Na opinião do advogado, se a denúncia for confirmada no inquérito aberto para investigá-la, haverá uma terceira situação concreta para abertura do processo de impeachment.
Controle jurisdicional
O relator ressaltou que, embora o processo de impedimento reúna um conjunto de normas com feições políticas, todas estão sujeitas ao controle jurisdicional e que o controle de legalidade e constitucionalidade do julgamento realizado no Senado é feito pelo presidente do STF.
“A admissibilidade e o julgamento do impeachment são feitos por juízes políticos, ou seja, deputados e senadores, mas o procedimento e o direito material são submetidos ao estreito controle do Poder Judiciário.”
Para o advogado, o afastamento do presidente da República não pode ocorrer por meio de processo de impedimento impróprio pois a retirada do exercício da presidência advinda de um processo fundado em meros juízos de valor ou de importunidade é um ato ilegítimo e arbitrário, que viola o princípio democrático. De acordo com Peixinho, o processo de impeachment está regulado pela lei 1.079/50, que prevê a aplicação das normas do CPP, para que as autoridades eleitas não sejam afastadas mediante intepretações subjetivas e alargadas.
Peixinho analisou outros atos do presidente, praticados em 2019 e classificados pelo advogado como “reprováveis e censuráveis”, mas que, em sua opinião, não seriam suficientes para o seu afastamento da Presidência. Um deles foi o fato de Bolsonaro ter compartilhado vídeo com cenas de um bloco de carnaval em SP, num episódio que ficou conhecido como golden shower. Outro foi a insinuação feita pelo presidente de que saberia do paradeiro do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, reconhecido como desaparecido político durante a ditadura militar.
Ações repreensíveis
Na sessão plenária virtual, também foi analisado o parecer do criminalista Maurício Dieter, para quem os crimes de responsabilidade apontados por Peixinho não atingiram o âmbito penal. Segundo ele, “as ações repreensíveis” do presidente não configuram, por exemplo, “por falta de determinação do poder público em relação à pandemia”, o cometimento do crime previsto no art. 268 do CP. Conforme o dispositivo, é crime infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.
Participaram da sessão plenária virtual, realizada na plataforma Zoom, 82 membros efetivos, dos quais 72 votaram, com 77,8% (56 votos) favoráveis ao parecer de Peixinho, 20,8% (15) contrários e uma abstenção. No canal TVIAB no YouTube, cerca de 30 pessoas acompanharam os debates. Integraram a mesa de trabalho virtual, além de Rita Cortez e os dois relatores, a secretária-geral, Adriana Brasil Guimarães; o diretor secretário coordenador do setor administrativo Antonio Laért Vieira Junior, e os presidentes das comissões de Direito Constitucional, Sergio Sant’Anna, e Direito Penal, Marcio Barandier.
Entre os que se manifestaram na sessão estavam o 1º vice-presidente, Sergio Tostes; o 3º vice-presidente, Carlos Eduardo Machado; o assessor legislativo Miro Teixeira; o vice-presidente da OAB Nacional, Luiz Viana Queiroz; os diretores do IAB Hariberto de Miranda Jordão Filho e Jorge Rubens Folena, e os consócios Pedro Greco, Marcos Luiz Oliveira de Souza, José Calixto Uchôa Ribeiro, Mário Antonio Dantas de Oliveira Couto e Luiz Fernando Prioli.
Veja a íntegra da sessão:
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