Ao votar nesta quarta-feira, 10, pela aprovação das contas do governo Federal no exercício de 2019, ministro Bruno Dantas, do TCU, alertou para a identificação de “possíveis usos indevidos dos recursos públicos e da força do aparato estatal para prejudicar veículos de imprensa e empresas de mídia de certa tendência ou para beneficiar outros grupos”.
Dantas lembrou que o Tribunal tem sido constantemente provocado a averiguar questões relacionadas à legitimidade de atos do governo que poderiam, de alguma maneira, influenciar a pauta e o tom do noticiário.
Os casos citados por S. Exa. foram segmentados em três grupos: (i) o poder de compra; (ii) a distribuição de verbas de propaganda e publicidade; e (iii) a força do aparato estatal.
“Na primeira delas, questiona-se a possível utilização do poder de compra do Estado para favorecer uns ou desfavorecer outros em virtude da linha editorial. (...) Numa segunda situação, o braço estatal em questão não seria mais o poder de aquisição em si, mas a distribuição de verbas de propaganda e publicidade segundo critérios pouco técnicos. (...)
Como terceiro grupo de situações, podem ser enquadrados os casos em que se provoca a atuação do controle externo para verificar possível desvio de finalidade no uso do aparato estatal para perseguir grupos ou personalidades que, no exercício da liberdade de expressão ou de imprensa, estejam supostamente em oposição ao governante.”
No fim do mês passado, aliás, S. Exa. determinou a suspensão de anúncios publicitários do Banco do Brasil em sites, blogs, portais e redes sociais. A decisão se pautou em análise feita pelo tribunal sobre repasses de verba da instituição financeira para sites acusados de publicar fake news. De acordo com a decisão, ficam excluídas da determinação do ministro os portais, sites, blogs e redes sociais vinculados a empresas concessionárias de serviços de radiodifusão.
Ameaça à democracia
De acordo com o ministro, as situações foram ou estão sendo objeto de análise, caso a caso, em processos distintos, mas pela frequência com que a matéria tem sido levantada, “acende-se um alerta sobre essas graves questões”.
“Afinal, todo esse quadro pode indicar, em alguma medida, risco de desvio de finalidade dos agentes estatais na condução da coisa pública, em possível ofensa aos princípios da impessoalidade, da motivação e da moralidade, mas também da legitimidade do gasto e dos atos administrativos. Mais gravemente, vislumbro o risco de que fique vulnerável o próprio Estado Democrático de Direito, caso estejam sendo combalidos alguns de seus mais basilares e fundamentais sustentáculos: a livre manifestação do pensamento e as liberdades de expressão e de imprensa.”
O ministro assentou no voto apresentado que qualquer ameaça às liberdades de expressão e de imprensa tem de despertar a atenção das instituições, pois “fica em xeque a estabilidade e o bom funcionamento da democracia”.
Transparência
Nessa esteira, Bruno Dantas recomendou ao governo Bolsonaro a criação de um site único para que os gastos com publicidade e propaganda “passem a ser objeto de detalhada transparência”.
Tal site, conforme o ministro, deve contar com informações relativas a todos órgãos públicos contratantes, incluindo empresas estatais, com a segregação da informação em nível de fornecedores e valores pagos mensalmente, mencionados nominalmente todos os sites, blogs, portais e congêneres que recebam monetização com recursos públicos, seja diretamente ou por meio de empresa interposta.
“Por certo, esse assunto não se esgotará aqui, devendo toda a sociedade e este Tribunal ficarem vigilantes, atentos e zelosos pela regularidade, legitimidade e economicidade dos gastos públicos com comunicação social do Governo Federal, visando a garantir a isonomia de tratamento entre os veículos, a imprensa livre e o compromisso com a verdade.”
- Processo: 018.177/2020-4
Veja o voto do ministro Bruno Dantas.