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Operação Faroeste: Magistrados da Bahia tornam-se réus por esquema de venda de decisões

Corte Especial do STJ seguiu voto do relator, ministro Og, recebendo denúncia contra quatro desembargadores do TJ/BA, três juízes, advogados e servidores.

6/5/2020

A Corte Especial do STJ recebeu denúncia do MPF contra 15 investigados na operação Faroeste, que apurou esquema de compra e venda de decisões em disputas de terras na região oeste da Bahia. O relator é o ministro Og Fernandes, cujo voto foi seguido à unanimidade pelo colegiado. Com a decisão, quatro desembargadores do TJ/BA e outros três juízes, mais advogados e servidores, responderão ação penal.

Estão no rol os desembargadores Maria da Graça Pimentel, Maria do Socorro Barreto Santiago (ex-presidente do TJ/BA), Jose Olegário Monção Caldas e Gesivaldo Nascimento Britto; Britto era, inclusive, presidente do Tribunal para o biênio 2018/20; ele foi afastado do cargo, bem como os demais desembargadores denunciados. 

A Corte também deliberou, após questão de ordem, pela reiteração do afastamento cautelar dos magistrados pelo prazo de um ano, a contar de fevereiro último. Já com relação às prisões cautelares decretadas (que incluem a da desembargadora Maria do Socorro), após muitas idas e vindas, a Corte Especial adiou a deliberação.

Foi uma das sessões mais longas do colegiado neste ano: dez horas entre sustentações orais, votos e debates.

O colegiado recebeu a denúncia pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro – exceto no caso do juiz Márcio Braga, denunciado apenas por organização criminosa. Por unanimidade, a Corte afastou a possibilidade de majoração das penas pela incidência do art. 2º, §4º, inciso IV, da lei 12.850/13 (conexão da organização criminosa com outras organizações criminosas independentes).

Denúncia

De acordo com o MPF, com base em inquérito de mais de 40 mil páginas, o esquema de venda de decisões judiciais para a legitimação de terras no estado era composto por três núcleos: o judicial, formado por desembargadores, juízes e servidores do TJBA; o causídico, que reunia advogados encarregados da intermediação entre os magistrados e os produtores rurais; e o econômico, composto pelos próprios produtores rurais. 

Entre os atos judiciais supostamente criminosos, estavam decisões liminares para abertura de matrículas de imóveis, cancelamento de outros registros e o desmembramento de terras em litígio. Foram apontados indícios de recebimento de propinas milionárias pelos magistrados e a aquisição de bens luxuosos – como carros, joias e obras de arte – como forma de lavagem de dinheiro.  

Voto do relator

Após as sustentações orais, ministro Og Fernandes deu início à leitura do substancioso voto. De início, S. Exa. traçou um quadro geral do local que deu origem à disputa judicial pelas terras: Formosa do Rio Preto, narrou Og, é a cidade mais distante da capital Salvador e o município mais extenso, sendo o 8º município com maior produção agrícola do Brasil, 2º maior produtor de soja; 6º maior produtor de algodão no país e 2º maior produtor de milho no Estado. 

"Não pretendo fazer nenhum juízo de valor na área cível (...) seja qual for a solução dada à questão possessória dessa área (que é enorme e de valor produtivo extraordinário), e sim se surgiram dissensões na esfera penal."

S. Exa. fez questão de chamar a atenção dos colegas para um fato: disse Og que, no desdobramento das apurações, observou-se que "tínhamos no Tribunal da Justiça da Bahia verdadeiras alas que eram, entre si, um tanto antagônicas", mas com o mesmo modus operandi:

"[Elementos] indicam que há nichos dentro do Tribunal, nem sempre harmônicos entre si, que atuam no sentido de tisnar o Judiciário baiano. E isso se verifica dentro do Tribunal, há decisões de um grupo que são modificadas por pessoas integrantes do outro grupo. Não significa que este grupo esteja agindo assim apenas por consciência jurídica. Meus pares verão decisões que foram modificadas aparentemente com sentido de tornar uma situação juridicamente correta, mas no fundo o que ocorre é que há grupos se digladiando dentro do Tribunal, para obtenção de vantagens indevidas. Quem viver, verá."

Maria da Graça Osório Pimentel Leal

Ministro Og aceitou parcialmente a denúncia contra a desembargadora Maria da Graça Pimentel: "Há elementos que indicam que a denunciada participava de esquema ordenado de venda de decisões judiciais. Há diversos elementos indicativos de operacionalização de sistema de lavagem dos recursos por meio da contratação de empréstimos pessoais e também do pagamento e de despesas em favor de familiares, sobretudo sua sobrinha, fatores que impõe o recebimento parcial da denúncia."

Assim, recebeu a denúncia pelos crimes de integrar organização criminosa e promover lavagem de dinheiro. Quanto à sobrinha da desembargadora, Karla Janaína Leal, que é advogada, Og também votou pelo recebimento parcial da denúncia, apontando "padrão de vida incompatível com a renda".

"A compra de bens e estilo de vida incompatíveis com suas atividades profissionais, além do pagamento de contas por sua tia supostamente com dinheiro oriundo do crime, e criação de associação composta por servidores de sua tia no TJ/BA, são elementos que neste momento reforçam existência de mecanismo de dissimulação de recursos oriundos de esquema de venda de decisões judiciais."

José Olegário Monção Caldas

O desembargador do TJ/BA José Olegário Caldas também teve parte da denúncia recebida pelo relator Og Fernandes. Ministro apontou trechos da denúncia que demonstram um volume de ganhos do desembargador "totalmente incompatível" com os vencimentos recebidos por servidor público.

Maria do Socorro Barreto Santiago

Quanto à desembargadora Maria do Socorro, ex-presidente do Tribunal baiano, recebeu a denúncia nos mesmos termos dos magistrados anteriores. Og mencionou fatos como a compra de obra de arte no valor de R$ 9 mil com recibo emitido em nome da empregada doméstica da desembargadora; aquisição de joias e obras de arte (encontradas estocadas no chão de residência de casa que foi descoberta durante as diligências, cuja propriedade não era atribuída até então como sendo da mencionada desembargadora)

O genro da desembargadora, o advogado Márcio Miranda, também teve a denúncia parcialmente recebida.

Gesivaldo Nascimento Britto

Último desembargador denunciado, Gesivaldo Britto era presidente do TJ/BA quando as investigações da operação Faroeste tivera início. Britto foi afastado pelo ministro Og com o desenrolar daas investigações, que apontaram suspeita de decisões encomendadas. "Há um emaranhado de situações que não favorece o encerramento das investigações, e elementos suficientes para recebimento da denúncia nos mesmos termos das anteriores", concluiu o relator Og.


(Maria da Graça Pimentel, Maria do Socorro Santiago, José Olegário Caldas e Gesilvado Britto, desembargadores do TJ/BA)

Além dos desembargadores, Og recebeu a denúncia contra os juízes de Direito Marivalda Moutinho, Márcio Braga e Sérgio Sampaio. Advogados, servidores do Tribunal baiano e empresários acusados também responderão ação penal decorrente da operação Faroeste. Ao ponderar que não vislumbra condição, no atual estágio, de abrandar as cautelares já impostas, o relator destacou: 

"Estamos a tratar de investigação sobre venda de decisão. Estamos tratando de um grupo de desembargadores e juízes que supostamente teriam se valido da função pública para fazer coisas que não deveriam ser feitas."

Confira a sessão com o voto do relator e demais ministros:

Sustentações

A subprocuradora-Geral Lindôra Araújo foi a primeira a sustentar oralmente no julgamento desta quarta-feira, 6. A integrante do parquet mencionou que o caso é de "uma dinâmica de corrupção sistêmica e criminalizada"; destacou o fato de os acusados terem praticados como a retirada, na boca do caixa, de mais de R$ 2 milhões. A subprocuradora afirmou que a organização está "plenamente ativa", "de modo a colocar o Poder Judiciário baiano em cheque". "Os que não foram presos continuaram vendendo decisões. Na última venda de decisão cobraram R$ 1,250 mi – depois de cinco meses de andamento da ação."

Em seguida sustenteram pelo réu Adailton Maturino os advogados Miguel Pereira Neto e José Eduardo Cardozo, ambos pedindo a rejeição da denúncia por falta de justa causa. Miguel Pereira Neto destacou que o MP "não aponta de modo algum a estruturação da organização, o crime antecedente". José Eduardo Cardozo voltou a sustentar, dessa vez pela ré Geciane Maturino, esposa de Adailton, cujo "único delito é a certidão do casamamento". "Nada se imputa a ela. Ela está sendo acusada de ser esposa do senhor Adailton", afirmou.

Também falaram os advogados Adriano Figueiredo (por Gesivaldo Nascimento Britto), Maurício Vasconcelos (por Joilson Dias), João Daniel de Carvalho (por José Olegário Caldas), Aloisio Freire (por José Valter Dias), Fábio Basílio (por Julio Cesar Cavalcanti Ferreira), Sérgio Habib (por Karla Vieira e Maria da Graça Osório Pimentel Leal), João Marcos Braga de Melo (por Márcio Duarte Miranda), Fernando Santana Rocha (por Márcio Reinaldo Miranda Braga) e Bruno Lemos (por Maria do Socorro Barreto Santiago), Gaspare Saraceno (por Marivalda Almeida Moutinho) e por fim, André Luiz Tavares (por Sergio Humberto Sampaio).

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