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Startups prometem indenização por problemas no setor aéreo; para OAB, serviço é ilegal

OAB/RJ ajuizou sete ações contra as startups. Para a seccional, as empresas estão prestando assessoria jurídica, serviço exclusivo da advocacia.

18/2/2020

Voo atrasado, cancelado, perda de conexão, overbooking ou extravio de bagagem. Bem conhecidas, estas são as principais causas que levam passageiros a procurar a Justiça quando o assunto é viagem.

E o brasileiro realmente litiga: no Brasil são 8 processos a cada 100 voos, enquanto, nos Estados Unidos, ocorre 0,01 processo a cada 100 voos, segundo informa a IATA - Associação Internacional de Transportes Aéreos.

Observando os elevados números de processos e uma jurisprudência favorável ao consumidor, startups criaram um novo modelo de negócio. Uma das empresas propõe o seguinte serviço: ou o consumidor pode receber até R$ 1 mil em 48 horas pelo dano ou a startup negocia uma indenização com a companhia aérea e, se aceita, ela fica com 30% do valor. 

Para a OAB/RJ, as startups estão prestando assessoria jurídica, serviço exclusivo da advocacia. A seccional já ajuizou sete ações contra estas empresas, dizendo que elas atuam “como uma verdadeira sociedade de advogados sem, no entanto, estar devidamente registrada”.

Em uma das iniciais, a Ordem diz que as empresas procedem à captação de clientela por meio de publicidade ilícita e mercantilização da advocacia, condutas vedadas pelo Estatuto da Advocacia e da OAB e Código de Ética de e Disciplina da OAB.

Em entrevista à TV Migalhas, o advogado Alfredo Hilário de Souza, procurador-Geral da OAB/RJ e signatário de uma das iniciais, diz que os consumidores sofrem duplo prejuízo com as startups - o primeiro, pelo dano com a companhia aérea e o segundo, pelo valor irrisório da indenização. “O que está havendo é uma mercantilização”, diz.

Assista:

Entidades do ramo aéreo ligam o aumento dos processos judiciais ao trabalho das startups. Em 2018, foram 64 mil casos. Apenas entre janeiro e julho de 2019, foram 109 mil, segundo o Ibaer - Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico.

Eduardo Sanovicz, presidente da ABEAR - Associação Brasileira das Empresas Aéreas, explica que algumas particularidades regulatórias brasileiras contribuem para que o índice de processos no Brasil seja alto, como os atrasos e cancelamentos causados por intempéries.

A Associação explica que as empresas aéreas são obrigadas a prestar assistência aos passageiros nestes cenários e podem ser processadas por danos morais, enquanto nos Estados Unidos e Europa, por exemplo, as companhias não são oneradas. Lá entende-se que o atraso/cancelamento acontece por força maior (chuva, nevasca, furacão, etc.).

Thiago Naves, presidente da QuickBrasil, uma das startups deste ramo, diz que o consumidor "acordou para a resolução de problemas". A empresa já atendeu mil pessoas e faturou R$ 1 milhão reembolsando passageiros lesados. 

Sobre a prestação de serviços jurídicos, o presidente disse que o modo de atuação da empresa "está totalmente fora do sistema que abarca questões jurídicas e de OAB. Está inserido dentro de uma outra sistemática", disse. Assista à entrevista:

Decisões

Nas ações ajuizadas pela OAB há liminares. Em uma delas, de 2018, o juiz Federal Antonio Henrique Correa da Silva, 32ª vara do RJ, determinou que a startup exclua do seu site, e do Facebook, anúncios de prestação de serviços advocatícios/consultoria jurídica e publicidade correlata que estejam fora dos padrões estritamente fixados na legislação de regência.

“Depreende-se que o modo de divulgação dos serviços caracteriza a típica mercantilização do exercício da advocacia, o que não pode prevalecer. É de se considerar ainda que os referidos anúncios não possuem apenas finalidade informativa, mas o objetivo de captar clientes, o que importa em expressa afronta à norma legal”, disse o juiz.

A outra decisão, de 2019, vai no mesmo sentido. O juiz Federal Rogério Tobias de Carvalho, da 28ª vara do RJ, afirmou:

“A (...), fundada em 2016, se anuncia como uma startup capixaba focada na resolução de conflitos entre consumidores e empresas aéreas. Até aí tudo bem. O problema inicia quando se verifica que, na verdade, ela não exerce mera função mediadora de conflitos, e sim defende os interesses de uma das partes (o consumidor) contra a outra (companhias aéreas), em busca de uma ‘justa indenização’.”

Ao Migalhas, a LATAM Airlines Brasil afirmou que a judicialização excessiva prejudica a competitividade e o crescimento de todo o setor aéreo, afasta investimentos do Brasil e impacta negativamente todo o sistema judiciário, gerando morosidade à Justiça e comprometendo recursos que poderiam ser investidos em melhorias de produtos e serviços.

“A LATAM acredita que é essencial existirem mecanismos que corroborem para que essa judicialização não se torne uma indústria paralela e que o poder público, junto com as entidades de classe e as empresas, contribuam para que o Brasil se torne um player global da aviação mundial, seguindo as melhores práticas internacionais e em busca de uma economia saudável.”

A ADDPA - Associação de Defesa dos Direitos dos Passageiros Aéreos se posicionou sobre o tema: “Interagimos com as empresas aéreas, representando um canal de comunicação muito mais eficiente, e oferecendo aos consumidores uma forma mínima de se defender do serviço deficiente oferecido na aviação civil brasileira”. 

Veja a íntegra da nota da Associação.

______________

A Associação de Defesa dos Direitos dos Passageiros Aéreos (ADDPA), constituída em fevereiro de 2020 para agir em benefício de consumidores e empresas mediadoras de conflito, acha importante esclarecer a população brasileira sobre alguns pontos levantados por críticos:

1 - A atuação das startups se dá dentro do que define a Lei nº 13140/2015, que baliza a mediação como meio alternativo para sanar conflitos. Não oferecemos serviços jurídicos, não só por não sermos habilitados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para tal, mas porque o cerne de nossas atividades se dá no âmbito extrajudicial. Interagimos com as empresas aéreas, representando um canal de comunicação muito mais eficiente, e oferecendo aos consumidores uma forma mínima de se defender do serviço deficiente oferecido na aviação civil brasileira;

2 - Aquilo que se vende como judicialização do setor da aviação civil nada mais é do que uma consequência da má atenção por parte das companhias aéreas em relação a clientes insatisfeitos. Chega a ser curiosa a postura da OAB ao dirimir a questão, diminuindo a importância das companhias aéreas no problema e condenando a atuação lícita e legítima das startups. Será que a Ordem está realmente preocupada com a defesa dos consumidores brasileiros?

3 - Ao se abordar aquilo que se cunhou como alta judicialização no setor áereo brasileiro, a comparação com o cenário norte-americano pode interessar a entidades de classe distantes das necessidades do consumidor, mas não representam a realidade mundial no que diz respeito ao convívio das companhias aéreas com processos e reclamações declientes. Como exemplo, a ADDPA sugere que se inclua no debate o cenário europeu, no qual companhias aéreas estão habituadas a lidar com queixas, desenvolvendo canais de comunicação mais eficientes com os passageiros e mantendo uma postura responsável ante os desafios impostos pelo setor, comportamento distante daquele adotado pelas companhias em operação no Brasil;

4 - A obrigatoriedade ou não do ressarcimento referente a cancelamentos determinados por condições climáticas jamais foi foco da atuação das startups que auxiliam passageiros aéreos. Reitera-se: as empresas de tecnologia que são procuradas por consumidores insatisfeitos simplesmente não aceitam casos relativos a intempéries ou fenômenos que fujam do controle das companhias aéreas;

5 - Sobre a cessão de direitos de passageiros, a ADDPA informa que as operações desta natureza estão em consonância com o que é definido nos artigos 286 e 298 do Código Civil. Repete-se: não há ilicitude no processo, trata-se de prática corriqueira em outros segmentos. A possibilidade de indenização é explicada detalhadamente aos clientes, sempre com total transparência, e mantendo a capacidade do consumidor em decidir se aceita ou não o proposto.

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