Boris Casoy X Record
Justiça acata tese da redução proporcional e emissora paga o equivalente aos 11 meses restantes do contrato
No entanto, ao acertarem o valor da multa da rescisão contratual, as negociações azedaram e as partes não chegaram a um consenso. Casoy encerrou as negociações e moveu uma ação contra a Record.
O impasse foi criado porque a Record queria pagar apenas os salários dos 11 meses que restavam a cumprir de contrato e o jornalista exigia o pagamento de 48 meses, a duração total do contrato.
A Record, apesar de ter sido condenada este ano, somente pagou o que já tinha sido proposto extrajudicialmente, ou seja, pagou o valor de R$ 6.197.356,44, equivalente aos 11 meses restantes do contrato. A justiça acatou a tese da Record, desenvolvida pelos advogados Edinomar Luis Galter e Marco Aurélio Lima Cordeiro, acerca da redução proporcional amparada pelo artigo 413 do Código Civil de 2002 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra da decisão da 13ª Vara Cível Central de São Paulo :
D O E - Edição de 25/10/2006
Arquivo:1144 Publicação:14
Varas Cíveis Centrais 13ª Vara Cível
583.00.2006.135945-8/000000-000 - nº ordem 520/2006 - Procedimento Ordinário (em geral) - BORIS CASOY E OUTROS X RADIO E TELEVISÃO RECORD S.A - Fls. 363/371 - 13ª VARA CÍVEL CENTRAL DE SÃO PAULO PROCESSO Nº 583.00.2006.135945-8 Vistos.
BORIS CASOY e BOOM COMUNICAÇÕES S/C LTDA. ajuizaram pedido de indenização c.c. tutela antecipada em face da RÁDIO E TELEVISÃO RECORD S/A alegando em síntese que firmaram com a ré no dia 12/4/2002 instrumento particular de contrato de prestação de serviços através do qual renovaram negócio anterior de semelhante teor e objeto com o intuito do primeiro autor exercer a função de apresentador e editor-chefe do ‘Telejornal da Record’ e de programa semanal denominado ‘Passando a Limpo’.
Esse negócio tinha peculiaridades como a ampla liberdade de crítica e expressão assegurada ao primeiro autor (exercício do jornalismo opinativo), além de exclusividade no exercício das funções contratadas de forma irretratável e irrevogável. Não obstante, no dia 30/12/2005 o primeiro autor foi informado pelo Bispo Honorilton Gonçalves que a partir daquele dia o telejornal seria apresentado e editado por outros profissionais, recebendo no dia 10/1/2006 notificação informando a rescisão do contrato pela empresa ré. Ocorre que o pagamento da multa compensatória prevista na cláusula 13.1 do contrato (`100% do contrato, devida sempre por inteiro’) foi ignorado. Mesmo notificada, a ré providenciou contra-notificação informando que o valor devido seria de R$ 6.197.356,44, informando que a importância estaria à disposição dos autores, o que não condiz com a realidade. Antecipadamente pleitearam a determinação à ré de depósito em conta judicial do valor incontroverso (R$ 6.197.356,44), autorizando-se o levantamento, e ao final seja declarada a rescisão imotivada e unilateral levada a efeito pela ré, condenando-a ao pagamento do valor indenizatório da cláusula 13.1 no importe total de R$ 27.043.009,00, a título de perdas e danos, com a devida atualização. Caso haja redução da multa, que o juízo arbitre de maneira eqüitativa a importância devida a título de perdas e danos, em soma não inferior à incontroversa. Com a inicial vieram os documentos de fls. 31/182.
A antecipação de tutela foi deferida (fls. 184/185). Citada, a ré ofereceu a resposta de fls. 223/249, com os documentos de fls. 250/297. Preliminarmente alegou ilegitimidade ativa do primeiro autor e no mérito pleiteou a improcedência. Sustentou em resumo que houve fracasso comercial do programa cuja responsabilidade editorial era do autor, com distanciamento entre os anseios do público e o que os autores desejavam; tal insucesso foi verificado em pesquisa encomendada ao IBOPE no primeiro semestre de 2005, constatando-se que o público desejava mudanças (jornal mais dinâmico, com cenário mais moderno e com mais de um apresentador); mesmo diante das evidências, os autores negaram as alterações e o baixo nível de audiência foi mantido; com a mudança houve sensível aumento da audiência do programa (de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="3 a">3 a 4 pontos para 11 pontos); o rompimento foi amigável ao contrário do que sugere a inicial, sendo certo que os autores aceitaram receber cinco milhões de reais; ausência de prejuízo aos autores, quer na esfera patrimonial quer na moral; possibilidade do autor trabalhar em outros veículos de comunicação; existência de demandas indenizatórias movidas contra a ré devido a comentários do primeiro autor; prevalência do disposto no artigo 603 do Código Civil, o que enseja indenização de R$ 3.098.678,22; alternativamente, incidência dos artigos 412 e 413 do mesmo diploma legal, com redução eqüitativa da multa compensatória prevista no contrato, em interpretação sistemática, até porque o telejornal gerou receita liquida de R$ 1.271.000,00 no ano passado. Réplica a fls. 307/329, com documentos cujo teor foi conhecido pela ré (fls. 355). Houve oportunidade para especificação de provas (fls. 356, 357/358 e 360/361). É o relatório.
Fundamento e DECIDO.
<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1. A">1. A questão em debate é unicamente de direito. Cabível o julgamento antecipado na forma do artigo 330, inciso I do Código de Processo Civil. As provas especificadas pela ré são impertinentes à luz da robusta instrução documental.
2. Afasto a preliminar de ilegitimidade ativa (fls. 224/225). O primeiro autor participou do negócio como interveniente e nessa qualidade exercia a função de instrumento intelectual para prestação dos serviços contratados. Sua função no contrato de prestação de serviços era mais relevante que da própria empresa contratada (da qual faz parte como sócio): na qualidade de jornalista importante no cenário nacional, foi justamente o elemento que atraiu a empresa ré a investir capital considerável no telejornalismo opinativo. Existe, pois, pertinência subjetiva ativa no tocante ao primeiro autor.
3. No mérito o pedido é procedente com observação quanto ao valor da indenização devida em virtude da rescisão imotivada do negócio. A controvérsia instaurada consiste em saber se houve rescisão imotivada do contrato por parte da ré e qual a importância indenizatória devida aos autores em razão do incontroverso término da relação contratual. A primeira questão que deve ser definida é se houve rescisão contratual imotivada por parte da ré, e nesse ponto assiste razão aos autores. A notificação que ensejou a eclosão do litígio (fls. 97, missiva de 30/12/2005) não menciona a razão da `denúncia ao contrato` (sic). Tão somente explica a intenção rescisória da ré, sem ingressar nas razões dessa postura, o que sugere que motivação inexistia. Tampouco na contra-notificação de 16/3/2006 a ré expõe as razões do rompimento (fls. 119/120), deixando para fazê-lo apenas <_st13a_personname w:st="on" productid="em juízo. Tais">em juízo. Tais fatos indicam que a ré não tinha uma razão concreta para justificar a rescisão. É verdade que no contraditório a ré buscou justificar a sua postura em queda da audiência e falta de aceitação do programa junto ao público. Todavia, essas assertivas cedem frente ao fato notório de que a contratação dos autores nasceu do desejo de produção de um jornalismo independente e opinativo (nesse sentido as cláusulas 6ª e 7ª do contrato, fls. 58). Ora, se alguém contrata uma pessoa para prestar um serviço qualificado e personalíssimo (caso dos autores), não pode rescindir o negócio ao argumento de que o serviço contratado não repercute junto ao público. É previsível que o jornalismo independente e opinativo desagrade ao público médio brasileiro e a empresa ré por certo levou isso em consideração ao contratar os autores. Em outras palavras, grande era a chance do jornalismo realizado pelo autor não atingir uma dezena de pontos no IBOPE. A audiência pequena (na avaliação da ré) era fato inerente ao negócio. Por isso não pode a ré alegar que o programa não agradava ao público, até porque os gráficos trazidos com a resposta não traduzem que o programa teve audiência maciça em algum momento, muito menos que a pretensa queda nasceu de conduta displicente dos autores. Nesse cenário, há que se proclamar a rescisão imotivada do negócio por iniciativa da ré. No tocante ao valor indenizatório, a cláusula 13.1 do contrato vigente à época do rompimento dispõe que em caso de rescisão imotivada a parte inocente receberá multa compensatória `equivalente a 100% do contrato, devida sempre por inteiro, independentemente do temo já transcorrido` (fls. 59). Malgrado literalmente essa cláusula sugira obrigação de pagamento integral de toda a remuneração pelo serviço contratado, não se pode ignorar que a empresa ré, até o rompimento, honrou com a substancial remuneração recebida pelos autores. Houve cumprimento parcial da obrigação na forma do artigo 413 do Código Civil (artigo 924 do estatuto civil revogado), o que implica em obrigatória redução da penalidade pelo magistrado, de maneira eqüitativa. Não se trata de cláusula penal com valor que exceda o da obrigação principal (artigo 412 do Código Civil; os valores são os mesmos) tampouco de incidência do artigo 603 do Código Civil (não se justifica o pagamento de apenas metade da remuneração que cabia ao prestador do serviço até o final do contrato se o instrumento impõe multa em piso consideravelmente superior e o negócio tem peculiaridades de exclusividade e independência intelectual). O que limita o ‘quantum’ devido aos autores é a regra do artigo 413 do Código Civil, primeira hipótese (cumprimento parcial da obrigação). Bom frisar que no regime anterior (quando a lei civil em seu artigo 924 deixava a critério do juiz a redução ao contrário da atual que impõe essa providência) o C. Superior Tribunal de Justiça já entendia que ‘(...) cumprida em parte a obrigação, em caso de inexecução do restante, não pode receber a pena total, porque isso importaria em locupletar-se à custa alheia, recebendo ao mesmo tempo parte da coisa e o total da indenização na qual está incluída justamente aquela já recebida, sendo certo que a cláusula penal corresponde aos prejuízos pelo inadimplemento integral da obrigação’ (Recurso Especial nº 162909/PR, Relator: Ministro Waldemar Zveiter, j. 2/6/1998, v.u.). Outra não é a lição de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO para quem ‘a pena pode ser reduzida pelo magistrado ainda que não haja pedido a respeito, ou ainda que as partes hajam convencionado seu pagamento por inteiro. A disposição é de ordem pública, não podendo, destarte, ser alterada pelos particulares’ (‘Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações 1ª parte’, Editora Saraiva, 27ª edição, página 210). Portanto, a soma indenizatória devida aos autores atinge a cifra confessada extrajudicialmente pela ré através do documento de fls. 119/120 (CPC, artigo 353, inteligência), que corresponde à incontroversa remuneração que os autores receberiam nos meses restantes do contrato e é suficiente para que aconteça o almejado restabelecimento patrimonial da parte inocente. Quanto à atualização dessa importância, a correção monetária deveria incidir desde a propositura (artigo 1º, parágrafo segundo da Lei Federal 6.899/81), todavia será desconsiderada porque o depósito judicial após o deferimento da tutela antecipada aconteceu no mês do ajuizamento (abril/2006). Já os juros moratórios incidem na base de 1% (CC, artigo 406) ao mês desde a data da notificação de fls. 117, quando constituída em mora a ré (CC, artigo 397, parágrafo único), até o depósito cumpridor da tutela antecipada, quando cessou a conduta morosa da devedora. Após o trânsito, à ré incumbirá o pagamento do valor referente aos juros moratórios incidentes sobre o montante indenizatório nos termos do parágrafo anterior. Desvendada a viabilidade da pretensão inicial com arbitramento da indenização no valor ordenado antecipadamente, a tutela de urgência deve ser tornada definitiva. Finalmente, a tese de litigância de má-fé constante da réplica deve ser afastada por ausentes na conduta processual da ré as hipóteses taxativas do artigo 17, CPC: a conduta questionada derivou do regular exercício do direito de defesa.
4. Ante o exposto, e o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por Boris Casoy e outra em face de Rádio e Televisão Record S/A para declarar a rescisão imotivada e unilateral pela ré do contrato referido na inicial, condenando-a ao pagamento de R$ 6.197.356,44 (seis milhões, cento e noventa e sete mil, trezentos e cinqüenta e seis reais e quarenta e quatro centavos) a título de indenização pelas perdas e danos impostas aos autores, com juros moratórios nos termos da fundamentação, tornando definitiva a antecipação de tutela. As custas e as despesas processuais serão rateadas de maneira proporcional entre as partes conforme o resultado; a ré, litigante que deu causa ao processo ao retardar o pagamento da soma incontroversa, arcará com honorários advocatícios ao i. patrono dos autores que fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação.
P.R.I. São Paulo, 18 de outubro de 2006
ANDRÉ GUSTAVO CIVIDANES FURLAN Juiz de Direito - ADV SALVADOR REGINA NETO OAB/SP 26668 - ADV CARLOS EDUARDO FARNESI REGINA OAB/SP 168711 - ADV EDINOMAR LUIS GALTER OAB/SP 120588 - ADV MARCO AURELIO LIMA CORDEIRO OAB/SP 199050
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