O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, suspendeu nesta quinta-feira, 9, decisão de desembargador do TJ/RJ que determinado a suspensão da exibição do especial de Natal do Porta dos Fundos, na plataforma de streaming Netflix.
A decisão foi proferida na Rcl 38.782, apresentada pela plataforma onde a produção humorística foi lançada em dezembro, após desembargador do TJ/RJ suspender a exibição do vídeo.
Nesta quinta-feira, 9, a deferir a tutela de urgência para suspender a decisão, o ministro Dias Toffoli lembrou que, em casos semelhantes – sobre a apreensão de livros na Bienal do Rio de Janeiro e a apresentação de cantora gospel no réveillon de Copacabana – considerou a liberdade de expressão como "condição inerente à racionalidade humana, como direito fundamental do indivíduo e corolário do regime democrático".
Segundo o presidente do STF, "a democracia somente se firma e progride em um ambiente em que diferentes convicções e visões de mundo possam ser expostas, defendidas e confrontadas umas com as outras, em um debate rico, plural e resolutivo".
Toffoli também destacou na decisão que "não se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim como de todas as demais crenças religiosas ou a ausência dela)", e pontuou que não é de se supor "que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de dois mil anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros".
Ainda de acordo com o ministro, o STF, na ADPF 130, afirmou, a respeito do tema da liberdade de expressão, a plenitude do seu exercício como decorrência da dignidade da pessoa humana e como meio de reafirmação ou potencialização de outras liberdades constitucionais.
Esse entendimento foi reiterado em outras ocasiões, como a ADIn 4.451, que discutia a veiculação de programas de humor envolvendo candidatos, partidos e coligações.
Já em relação à liberdade de crença, Toffoli assinalou que, no julgamento da ADIn 4.439, relativa ao ensino religioso nas escolas, o Supremo estabeleceu como premissas a voluntariedade da exposição ao conteúdo e a vedação de que o Poder Público favoreça ou hierarquize um grupo em detrimento dos demais.
- Processo: Rcl 38.782
Confira a íntegra da liminar.
O caso
Após o lançamento do vídeo, a Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura ajuizou ACP visando à proibição da veiculação do vídeo e a condenação da produtora e da plataforma ao pagamento de indenização por danos morais, com a alegação de ofensa à honra e à dignidade "de milhões de católicos brasileiros".
O pedido foi indeferido pela juíza de Direito Adriana Sucena Monteiro Jara Moura, da 16ª vara Cível do Rio de Janeiro e pelo desembargador plantonista do TJ/RJ, que, no entanto, determinou a inserção, no início do filme e nos anúncios sobre ele, de um aviso para informar que tratava de "sátira que envolve valores caros e sagrados da fé cristã".
Na última quarta-feira, 8, o relator do agravo de instrumento da associação, desembargador Benedicto Abicar, determinou a retirada do vídeo do ar, com o argumento de que a medida seria conveniente para "acalmar ânimos".
"Por todo o exposto, se me aparenta, portanto, mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do Agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos, pelo que concedo a liminar na forma requerida."
STF
Na reclamação ao Supremo, a Netflix sustenta que tanto a determinação de inserção de aviso quanto a suspensão da exibição do filme são incompatíveis com entendimentos firmados pelo STF no julgamento da ADPF 130 e na ADIn 2.404, sobre a inconstitucionalidade de qualquer tipo de censura prévia e de restrição à liberdade de expressão não prevista na Constituição – entre elas a obrigação de veiculação de aviso que não seja a classificação indicativa.