O ministro Celso de Mello, do STF, decidiu ser inconstitucional lei pernambucana que proibia a oferta e a comercialização de serviços digitais e de valor adicionado quando agregados a planos de serviços de telecomunicações. Para o decano, além de ferir a competência privativa da União para legislar sobre o tema, a multiplicidade de legislações locais a respeito da questão acaba impedindo o desenvolvimento das telecomunicações.
Na ADIn 6.199, a ACEL - Associação das operadoras de Celulares e a ABRAFIX -Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo, representadas pelo escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia, questionam a lei 16.600/19, do Estado de Pernambuco, que dispõe sobre a oferta e a comercialização de SAV - Serviços de Valor Adicionado, serviços digitais, complementares, suplementares, próprios ou de terceiros.
A lei pernambucana proibia a oferta e a comercialização de todos esses serviços quando agregados a planos de serviços de telecomunicações. Segundo as entidades, havia vício formal na norma, por infringir a competência da União para legislar sobre telecomunicações.
Desenvolvimento das telecomunicações
Ao analisar a ação, Celso de Mello considerou que a multiplicidade de legislações locais contraditórias entre si a respeito da questão termina por impedir o desenvolvimento das telecomunicações, ao bloquear a “adoção de um regime jurídico coerente, uniforme, estruturado e operacional”.
Ao proferir a sua decisão, que ainda será submetida ao referendo do plenário do STF, o decano esclareceu que a expressão telecomunicação “compreende um universo abrangente de atividades e de sistemas destinados a viabilizar a comunicação a distância entre pessoas”.
Para o decano, “o usuário, atualmente, já pode fazer ligações de voz por meio da ‘Internet’ (VoIP), ou assistir a transmissões multimídia em aparelhos de telefonia móvel, ou, até mesmo, conectar televisores à rede mundial de computadores, tudo a evidenciar a inequívoca relação de recíproca implicação existente entre os diversos serviços e atores que interagem no ecossistema das telecomunicações”.
Exatamente por isso, conforme explica o ministro, é que a liderança da União no disciplinamento da matéria visa “a assegurar aos usuários o direito de acesso aos serviços de telecomunicação, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em todo o território nacional, de forma igualitária e sem discriminações, e a proporcionar às empresas prestadoras um ambiente comercial favorável à livre, ampla e justa competição, inclusive por meio de estímulo ao empreendedorismo, à inovação e às boas práticas empresariais, visando à expansão do número de participantes no mercado e ao desenvolvimento progressivo das telecomunicações”.
Com a decisão do decano, fica assegurado que o setor de telecomunicações possa empreender, inovar e se desenvolver sem que leis locais se sobreponham aos regramentos da União.
Cidades inteligentes
Na decisão, o ministro Celso de Mello se valeu da doutrina do constitucionalista Saul Tourinho Leal, na obra publicada pela editora Migalhas, “Direito à inovação: a vida nas cidades inteligentes”, inspirada pela sua experiência vivendo em Israel, quando foi assessor do vice-presidente da Suprema Corte, o juiz Hannan Melcer.
“O aspecto que venho de ressaltar mereceu especial atenção da doutrina, cabendo destacar, no ponto, a lição do ilustre Professor e Advogado SAUL TOURINHO LEAL, que, em precioso trabalho, enfatizou a importância do papel constitucionalmente reservado à União Federal na condução das políticas públicas voltadas ao estímulo e à construção de ambientes favoráveis ao empreendedorismo, à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico em âmbito nacional (CF, art. 219), em ordem a promover o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida de todos (SAUL TOURINHO LEAL, ‘Direito à Inovação – A Vida nas Cidades Inteligentes’, p. 135/136, 2019, Migalhas):
‘O Brasil precisa ser compreendido à altura do seu gigantismo. Deve haver uma política nacional que, a partir da União Federal, conduza a viagem rumo à inovação sem permitir que isolamentos caprichosos de municípios ou estados-membros, seus monopólios ou suas autoridades, desçam ainda mais a âncora que nos amarra ao fundo do mar quando o tema é inovação tecnológica e suas consequências nas cidades.
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Políticas fortes, unidade de execução ou regulatória, centralização legislativa..., são as balizas intransponíveis nessa questão. Daí se falar em uma gestão em redes dentro das cidades inteligentes, mas que, numa esfera macro, ou seja, olhando para todo o país, reclama a condução desembaraçada da liderança pela União Federal, conduzindo políticas e leis relativas à temática, sem permitir que os demais entes sabotem, individualmente, aquilo que há de engrandecer a todos nós, coletivamente.’ (grifei)”.
- Processo: ADIn 6.199
Veja a decisão.