Renascer em Cristo
Leia abaixo o Editorial do Estado de S. Paulo de ontem (15/10):
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Os ‘bispos’ do Código Penal
Numa decisão que abre um importante precedente contra os mercadejadores da fé, o TJ/SP acaba de negar a liminar pedida pelos fundadores da Igreja Renascer em Cristo, o “apóstolo” Estevam Hernandes Filho e a “bispa” Sônia Haddad Hernandes, com o objetivo de levantar dinheiro e imóveis que foram bloqueados pela primeira instância do Judiciário. O casal foi denunciado pelo MP estadual por crime de estelionato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro e o juiz titular da 1ª Vara Criminal da capital, Paulo Antônio Rossi, não apenas acolheu a denúncia, como também determinou o bloqueio dos bens tanto dos acusados quanto de seus testas-de-ferro.
A medida atingiu três importantes dirigentes da Renascer, todos parentes da “bispa” Sônia, e proibiu a movimentação de oito contas bancárias de duas empresas abertas em nome do casal Hernandes, o Colégio Gamaliel e a Publicações Gamaliel, cuja movimentação, entre 2000 e 2003, foi de R$ 46,4 milhões. O despacho do titular da 1ª Vara Criminal da capital também bloqueou a mansão do “apóstolo” Estevam <_st13a_personname w:st="on" productid="em Boca Ratón">em Boca Ratón, na Flórida, avaliada em US$ 465 mil, uma fazenda de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="45 hectares">45 hectares localizada em Mairinque e comprada em 2001 por R$ 1,8 milhão e uma propriedade rural <_st13a_personname w:st="on" productid="em São Roque.">em São Roque.
Embora o recurso impetrado pelo casal Hernandes contra essa decisão ainda não tenha sido julgado no mérito, ao negar a liminar pedida o relator, desembargador Ubiratan de Arruda, da 9ª Câmara Criminal, deixou claro que o juiz Paulo Antônio Rossi agiu rigorosamente dentro da lei quando recebeu a denúncia do MP, mandou indiciar o “apóstolo” Estevam e a “bispa” Sônia e determinou o bloqueio de seus bens e contas. “Denego a liminar. Não vislumbro ilegalidade manifesta (...). O formal indiciamento não passa de registro de dados do acusado de envolvimento em delito”, afirmou o desembargador.
Independentemente da decisão definitiva que o Judiciário vier a dar a este caso, o processo, na etapa em que se encontra, oferece um minucioso quadro dos abusos e delitos que são cometidos pelos mercadejadores da fé. Criada em 1984 pelo “apóstolo” Estevam, que na época era funcionário da área de marketing de uma empresa multinacional, a Igreja Renascer em Cristo tem cerca de 1,5 mil templos espalhados pelo País, além de algumas unidades localizadas no exterior.
Registrada como entidade filantrópica e sem fins lucrativos, a Igreja não paga Imposto de Renda e opera por meio de uma rede de empresas criada com o objetivo de movimentar “dinheiro angariado por meio de estelionato” e doações feitas em decorrência de todo tipo de promessa. “Observa-se uma intensa relação comercial existente na órbita da Igreja Renascer, muito pouco para cumprir funções sociais”, acusam os promotores.
Segundo a denúncia do MP, a Renascer funciona em moldes empresariais, ou seja, “com presidente, diretores (bispos), gerentes (pastores) e o povo, que seria os clientes”. Por meio de “um esquema formado por um clã familiar”, afirmam os promotores, a “empresa”, em pouco tempo, “amealhou verdadeira fortuna, explorando a fé religiosa e realizando negócios contestados na Justiça”. Além de arrecadar “altíssimos valores em dinheiro à custa de ludibriar fiéis”, dizem os promotores, a Igreja tem o costume de “deixar de honrar incontáveis compromissos financeiros”, destacando-se pela grande quantidade de títulos protestados e pelo emprego sistemático de “laranjas” para ocultar lucros.
Segundo o MP, a realização de cultos, por parte da Renascer, não passa de simples farsa para encobrir os mais variados tipos de delitos “praticados em caráter permanente”. Trata-se de “uma organização criminosa voltada para a prática de crimes de estelionato e outras fraudes”, sendo o “apóstolo” Estevam, a “bispa Sônia” e os demais “bispos” e “pastores” cúmplices na exploração da boa-fé de seus seguidores, concluem os promotores.
Infelizmente, a denúncia contra a Renascer feita pelo MP e acolhida pela Justiça não traz nada de novo. Ela só confirma a picaretagem que passou a ser praticada em larga escala no mercado da fé com a proliferação de igrejas cujos pseudobispos estão mais próximos do Código Penal do que do Evangelho.
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