O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, anunciou nesta quarta-feira, 25, a adesão da Câmara dos Deputados ao Painel Multissetorial de Checagem de Informações e Combate a Notícias Falsas. Anúncio foi feito durante seminário "Fake News, Redes Sociais e Democracia".
O painel, lançado em junho deste ano, conta com a participação de 25 representantes da imprensa brasileira, dos Tribunais Superiores e de entidades de classe da magistratura com o objetivo de alertar e conscientizar a população dos perigos do compartilhamento de informações duvidosas.
Como realizações do painel nesses três primeiros meses, Toffoli apontou as cerca de 100 publicações com a hashtag #FakeNewsNão postadas no Facebook, alcançando mais de 2 milhões de pessoas; 57 publicações no Twitter, com aproximadamente 2,5 milhões de impressões; e 60 posts no Instagram, com quase 1 milhão de impressões.
O painel também registrou 16 reportagens contendo esclarecimentos a respeito de notícias falsas sobre o Poder Judiciário que circulavam na web. O deputado Orlando Silva, secretário de Participação, Interação e Mídias Digitais da Câmara, aproveitou a oportunidade para apresentar a ferramenta "Comprove", por meio da qual o cidadão pode enviar uma notícia sobre as atividades parlamentares para checagem de informações.
Seminário
A mesa de abertura do evento, promovido pela Secretaria de Comunicação Social da Câmara, contou com a participação do presidente da Casa, Rodrigo Maia, e dos deputados Roberto Lucena, Luis Tibé, Fábio Schiochet, Soraya Santos, além do presidente do STF e do deputado Orlando Silva.
"Estão se levantando barreiras virtuais que fazem com que as pessoas só se comuniquem com quem pensa igual, sem a interação com a alteridade", destacou Toffoli. Ele lembrou que essas barreiras têm a colaboração das notícias fraudulentas, "que disseminam o medo do diferente, plantando a semente do ódio."
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, destacou a ameaça que as fake news representam para a democracia. "Ao desqualificar as instituições, desqualifica-se a democracia."
Palestra
O ministro Dias Toffoli realizou a palestra inaugural, com o tema "Fake News, Desinformação e Liberdade de Expressão". Ele destacou a frase de Hannah Arendt em entrevista de 1974: "Se todo mundo sempre mentir para você, a consequência não é que você vai acreditar em mentiras, mas sobretudo que ninguém passe a acreditar mais em nada".
"Dessa forma, cria-se um ambiente de desconfiança e de descrença. Um cenário propício ao avanço de discursos de ódio, de intolerância e de preconceito."
Leia a íntegra da palestra:
"Fake news, desinformação e liberdade de expressão"
Boatos, lendas urbanas e mentiras espalhadas maliciosamente – inclusive no contexto eleitoral – sempre existiram.
Desenho datado de 1894 do pioneiro cartunista americano Frederick Burr Opper, colaborador dos melhores jornais da época, já ilustrava um cidadão segurando um jornal com o termo "fake news".
A novidade deste século é que o avanço tecnológico, a expansão da internet e das redes sociais ampliaram exponencialmente o poder de propagação desse tipo de conteúdo.
Estudo produzido por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology – MIT a respeito das notícias distribuídas pelo Twitter entre 2006 e 2017 mostrou que notícias falsas têm 70% mais chances de serem retweetadas do que notícias verdadeiras.
Conforme afirmou Hannah Arendt em entrevista de 1974, "se todo mundo sempre mentir para você, a consequência não é que você vai acreditar em mentiras, mas sobretudo que ninguém passe a acreditar mais em nada".
Cria-se um ambiente de desconfiança e de descrença.
É nesse cenário que surgem as fake news, expressão que, conforme venho defendendo, é inadequada para designar o problema.
Prefiro a expressão "notícia fraudulenta" ou o termo "desinformação", sugerido pela Comissão Europeia e definido como "informações falsas, inexatas ou deturpadas concebidas, apresentadas e promovidas para obter lucro ou para causar um prejuízo público intencional".
A desinformação é potencializada pela coleta e pelo uso desenfreado de dados pessoais dos usuários da internet.
Essa é uma das razões pelas quais é crescente a preocupação com a proteção dos dados dos usuários, que ensejou a criação do Regulamento Geral Sobre Proteção de Dados na União Europeia e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no Brasil.
Esses dados alimentam os algoritmos de aprendizado de máquinas, permitindo que anúncios e notícias sejam fabricados e direcionados especificamente para determinado perfil de usuário, a partir da compreensão dos seus hábitos, preferências e interesses.
No universo do mundo em rede são criados verdadeiros guetos e muros de separação!
Um cenário propício ao avanço de discursos de ódio, de intolerância e de preconceito.
Tudo isso polui o debate democrático, ao passo que a saúde da democracia depende necessariamente da qualidade do diálogo realizado dentro dela.
Diante de tudo isso, como combater o fenômeno das fake news?
Alguns países no mundo estão editando leis voltadas especificamente ao combate à desinformação.
A União Europeia optou por não adotar regulamentação sobre o tema.
Optou-se por um sistema autorregulação, em que as plataformas digitais e empresas de publicidade estabelecem para si normas de conduta.
Nesse sentido, em janeiro de 2019, entrou em vigor um código de condutas, apresentado pelo Google, Twitter, Facebook e Mozilla, pelo qual se comprometem, por exemplo, a implementar medidas que auxiliem o usuário a priorizar e a identificar informações autênticas.
Para impedir que as notícias fraudulentas influenciassem as últimas eleições para o parlamento europeu, o bloco lançou o Sistema de Alerta Rápido, que coloca em contato 28 Estados-membros e instituições da União Europeia, para o compartilhamento de dados e a análise de campanhas de desinformação, sinalizando ameaças em tempo real.
Internamente, alguns Estados da União Europeia estão adotando medidas regulatórias.
A Alemanha aprovou, em 2017, lei que determina que as redes sociais e as plataformas de compartilhamento de vídeo criem sistemas de denúncia pelos próprios usuários contra discursos de ódio de notícias falsas.
Os conteúdos considerados “manifestamente ilegais” devem ser removidos no prazo de 24 horas, a contar da reclamação ou da determinação judicial, sob pena de multa de até 50 milhões de euros.
A França, aprovou, no final de 2018, lei de combate à desinformação mirando o período eleitoral. Ela também determina que as plataformas digitais criem um sistema de denúncias pelos usuários.
Além disso, exige das plataformas transparência quanto aos algoritmos utilizados e adoção de medidas contra a disseminação de conteúdo falso, como a alfabetização midiática. O descumprimento dessas obrigações também sujeita as empresas a altas multas.
Nota-se, portanto, um movimento no sentido de ampliar a responsabilidade das plataformas pelo controle da disseminação de notícias fraudulentas e discursos de ódio, fixando a obrigação de retirar o conteúdo mediante simples denúncia do usuário.
No Brasil, temos o art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que possibilita que o provedor de internet torne indisponível conteúdo danoso gerado por terceiro, mediante ordem judicial, cujo descumprimento gera responsabilidade civil para o provedor.
O dispositivo está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal, no que tange à exigência de ordem judicial para a retirada ou indisponibilidade de conteúdo ilícito e a responsabilização do provedor (RE 1037396 – RG/SP, Tema 987, de minha relatoria). O julgamento está previsto para o dia 4 de dezembro deste ano.
Não se trata de discussão simples, sabemos disso.
A liberdade de expressão e os direitos dela decorrentes são basilares em nosso sistema constitucional. Devemos reafirmá-la e defendê-la firmemente.
É importante sempre rememorarmos a noção de "mercado livre de ideias", oriunda do pensamento do célebre juiz da Suprema Corte Americana Oliver Wendell Holmes, segundo o qual ideias e pensamentos devem circular livremente no espaço público para que sejam continuamente aprimorados e confrontados em direção à verdade.
É exatamente, por isso, que a liberdade de expressão e a liberdade de informação fidedigna são complementares, e não opostas.
A desinformação turva o pensamento; nos coloca no círculo vicioso do engano; sequestra a razão.
Combater a desinformação é garantir o direito à informação, ao conhecimento, ao pensamento livre, dos quais depende o exercício pleno da liberdade de expressão.
Por isso, é necessário primar pela verdade e pela produção, disseminação e compartilhamento de informações fidedignas, por meio do uso consciente e ético das novas tecnologias.
E a principal ferramenta de enfrentamento às notícias falsas é a educação da sociedade para o uso consciente e positivo das tecnologias de informação.
Tendo isso em vista, em junho deste ano, em solenidade no Supremo Tribunal Federal, foi lançado, o Painel Multissetorial de Checagem de Informações e Combate a Notícias Falsas.
A iniciativa, que é gerenciada pelo Conselho Nacional de Justiça, mobiliza todos os órgãos da cúpula do Poder Judiciário brasileiro, associações de magistrados, associações e representantes da imprensa brasileira e da sociedade civil organizada.
Como realizações do Painel nesses três meses primeiros meses, destaco: cerca de 100 publicações com a hastag #FakeNewsNão realizadas no Facebook, alcançando mais de 2 milhões de pessoas; 57 publicações no Twitter, com aproximadamente 2,5 milhões de impressões; e 60 posts no Instagram, com quase 1 milhão de impressões.
O painel também realizou 16 reportagens contendo esclarecimentos a respeito de notícias falsas sobre o Poder Judiciário que circulavam na web.
Embora a ênfase inicial tenha sido as notícias falsas produzidas sobre o Poder Judiciário, o projeto é o ponto de partida de uma mobilização social ampla no combate à desinformação.
Seu maior objetivo é conscientizar a população acerca dos danos causados e da importância de se checar a veracidade das notícias que se recebe.
Ressalto que, na data de hoje, a Câmara dos Deputados está formalmente aderindo ao Painel.
A Câmara dos Deputados se une a um conjunto de entidades comprometidas com a democracia, com a liberdade de expressão, de informação, de imprensa e com a verdade.
Tenho certeza de que esta Casa Legislativa contribuirá de forma decisiva para o fortalecimento dessa importante iniciativa.
O combate à desinformação é uma tarefa de todos nós!