Migalhas Quentes

Disputa envolvendo bilionário Fundo de Defesa dos Direitos Difusos revela órgão aparelhado pelo MP

Parquet quer o descontingenciamento dos recursos.

20/9/2019

Um caso de grande relevância para o país está em julgamento no TRF da 3ª região. A disputa envolve o FDD – Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, de abrangência nacional, cujo saldo em caixa alcança R$ 2,5 bilhões.

O MPF ajuizou ACP na 6ª vara Federal de Campinas para viabilizar intervenção judiciária sobre a direção político-financeira da gestão do orçamento do FDD, até então sob a competência constitucional do Executivo. O juízo concedeu a tutela de urgência.

A União buscou, então, a suspensão da cautelar até o julgamento final da ACP. O ministério da Economia e a AGU argumentam que o recurso é fundamental para o equilíbrio fiscal.

A União enfatiza que, só o valor “a ser destinado ao FDD em 2019, será superior ao orçamento global de despesas discricionárias de diversos órgãos, como por exemplo: a Advocacia-Geral da União, Ministérios da Cultura, Direitos Humanos, Esportes, Trabalho e Emprego, Transparência e Controladoria-Geral da União e Turismo”.

A presidência do TRF acatou o pedido, em parte, suspendendo a liminar “até que sobrevenha a análise da questão, no mérito recursal, por órgão julgador deste Tribunal Regional Federal”. Agora, o Órgão Especial analisa o pedido do MPF contra a suspensão de tutela de urgência determinada pela presidência do TRF.  

Histórico

O FDD, criado pela lei 7.347/85, tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos.

Assim, o Fundo é constituído por recursos provenientes da arrecadação de condenações judiciais em ACPs, de multas aplicadas pelo Cade, de danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários e até mesmo doações de pessoas físicas ou jurídicas.

O decreto 1.306/94 regulamentou o Fundo e a lei 9.008/95, ao criar na estrutura do MJ o Conselho Federal Gestor, previu também que os recursos arrecadados pelo FDD serão aplicados na recuperação de bens, na promoção de eventos educativos, científicos e na edição de material informativo especificamente relacionados com a natureza da infração ou do dano causado, bem como na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis pela execução das políticas mencionadas.

O CFDD, com sede em Brasília, deve ser integrado por: um representante da Secretaria de Direito Econômico do MJ, que o presidirá; um representante do ministério do Meio Ambiente; um representante do ministério da Cultura; um representante do ministério da Saúde, vinculado à área de vigilância sanitária; um representante do ministério da Fazenda; um representante do Cade; um representante do MPF; e três representantes de entidades civis.

Atualmente, o órgão é presidido por Adriana Cristina Dullius, procuradora Federal cedida ao MJ em janeiro deste ano.

“Governança paralela”

Em extenso voto-vista no julgamento do Órgão Especial, o desembargador Federal Fábio Prieto restringiu a eficácia da decisão adotada no incidente até a prolação de sentença.

Em mais de 50 páginas, Fábio Prieto chama atenção para um série de problemas na gestão do FDD. Inicialmente, o desembargador alerta para o fato de que o parquet Federal pretende elevar, “paradoxalmente”, a margem orçamentária de disponibilidade financeira, apenas de um exercício para outro, de R$ 3,4 milhões para R$ 714,2 milhões. Conforme mencionado no voto, a receita do Fundo ultrapassou a casa dos bilhões de reais.

De fato, houve alteração substancial no perfil econômico do FDDD, com reflexo no seu propósito inicial, a partir do momento em que as penalidades impostas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) passaram a compor as receitas do órgão.

Para Prieto, tal abertura temática e finalística levou o Fundo à condição de “autêntica instância de governança paralela aos poderes legítimos”:

Governo bilionário, com verbas muito maiores do que as disponibilizadas para outras autoridades públicas chanceladas com o mandato popular da democracia e submetidas a controles mais eficazes e ostensivos – o dano maior tem sido evitado pelos sucessivos contingenciamentos efetuados pelo Poder Executivo.”

O desembargador destaca que tal crescimento exponencial das verbas revela outro problema de gestão do Fundo, qual seja, o fato de bilhões poderem ser gastos, em nome de valores sensíveis como o meio ambiente, o patrimônio histórico e outros, “sem que o contribuinte e cidadão tenha qualquer controle direto sobre a eficácia das escolhas e de sua real execução”: O horizonte restrito, de burocracia de Estado, do sistema FDDD, é praticamente infenso à cidadania.”

Conflito de interesses

Outro grave problema identificado no voto de Fábio Prieto diz respeito à representação ocupada pelo Ministério Público. O desembargador conclui ser inconstitucional que cidadãos, empresas e governos possam ser condenados a pagar vultosas somas - em uma ponta -, a partir da iniciativa do Ministério Público, quando - na outra ponta - a mesma instituição tem a condição de gestora e alocadora da verba a terceiros.

Há vários projetos contemplando os diferentes Ministérios Públicos. O conflito de interesses com outras entidades e órgãos públicos também atraídos pelos recursos salta aos olhos.”

O julgador também critica o fato de os representantes da comunidade no Conselho terem sido substituídos por três representantes de entidades civis: 1 – Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor – FNECDC; 2 – Instituto “O Direito Por Um Planeta Verde”; e 3 – Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON” (site do FDDD – o destaque não é original).

É inconstitucional a substituição de representantes da comunidade, por representantes das entidades civis.”

A aba Projetos Conveniados do site do FDD aponta que, apenas de 2011 até 2019, as três entidades citadas já foram contempladas com recursos do órgão, ainda que antes do exercício do atual mandato.

O atual modelo de “troca de cadeiras”, com as entidades civis alternando, umas com as outras, ora as posições de poder decisório financeiro, ora a de demandantes de verbas milionárias, é flagrantemente imoral, ineficiente, inconstitucional”, diz o desembargador.

De acordo com Fábio Prieto, o sistema de representação por entidades que deveriam ser civis “facilitou a captura das funções de cidadania por autoridades públicas do Ministério Público”.

Isso porque no “Instituto O Direito Por Um Planeta Verde” consta que o presidente da associação que deveria ser civil é autoridade pública do parquet; no do “Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – Brasilcon”, um dos vice-presidentes compõe o Ministério Público.

É legítima a participação de quadros do Ministério Público em associações civis. Mas é incompatível que entidade civil dirigida por autoridades públicas do Ministério Público possa participar da gestão e da disputa bilionária de recursos – a Procuradoria-Geral da República argumentou precisamente quanto a isto, no caso Petrobrás.”

Assim, afirma S. Exa., a nomeação de integrante do Ministério Público, para representar associação civil dirigida por outro integrante do Ministério Público, em Conselho de gestão e alocação de verbas bilionárias, “configura flagrante inconstitucionalidade, contrária aos princípios da impessoalidade e da eficiência da Administração Pública, além de subverter o regime de vedações previsto, para a instituição, na Constituição e na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal”.

Dessa forma, conclui Fábio Prieto, das dez posições diretivas previstas para a gestão do Fundo, inclusive a presidência, cinco “são passíveis de severos e fundados questionamentos incidentais, com base na Constituição, na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal e na posição da procuradoria-Geral da República, a demonstrar a absoluta vulnerabilidade do modelo de governança instituído para distribuir bilhões de reais”.

Por isso, entende que manter o contingenciamento da verba bilionária "é medida constitucional de responsabilidade fiscal, mas, também, de respeito à integridade do interesse público no seu sentido mais amplo”.

Vale mencionar que, ainda nesta semana, na Coluna do Estadão, narrou-se que apesar de não ter assento, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, participou em 14 de março de uma reunião do Conselho Gestor do FDD. “Contrariando posição do governo Jair Bolsonaro, orientou os conselheiros a usarem os recursos do fundo ‘de forma efetiva’”, divulgou o matutino.

Ainda segundo o jornal, na reunião na qual não deveria estar presente, Moro agradeceu os representantes do MP que defendem na Justiça, contra a União, a liberação da verba; ao Estadão, a assessoria do ministro afirmou que queria “prestigiar o conselho”.

Depois do voto de Fábio Prieto, o desembargador Federal Nery Júnior pediu vista. O julgamento deve ser retomado no próximo dia 25.

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