Nesta quarta-feira, 28, a 3ª seção do STJ iniciou o julgamento do REsp 1.798.903, no qual o MPF recorreu do trancamento de ação penal no caso de atentado à bomba ocorrido no Riocentro em abril de 1981.
O relator do caso, ministro Rogerio Schietti Cruz, votou por dar provimento ao recurso. O julgamento, contudo, foi suspenso após pedido de vista do ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
O atentado
O atentado ocorreu em 30 de abril de 1981, quando milhares de pessoas que assistiam a um show, promovido pelo Centro Brasil Democrático, em homenagem ao Dia do Trabalhador no centro de eventos Riocentro.
A primeira explosão aconteceu no estacionamento. Dentro de um carro Puma, o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Dias Machado – militares do DOI-CODI do Rio – carregavam bombas. Uma delas acabou explodindo, ferindo gravemente o capitão e matando o sargento.
Instantes depois uma segunda bomba explodiu na caixa de energia da estação elétrica do local.
Após o recebimento de denúncia do MPF em 1º grau contra seis agentes supostamente envolvidos no atentado, o TRF da 2ª região concedeu HC para trancar a ação penal, por considerar extinta a punibilidade pela prescrição. Para o Tribunal, os atos foram praticados clandestinamente, sem influência do Estado, e assim não haveria causa que indicasse a imprescritibilidade.
O MPF recorreu da decisão do TRF da 2ª região e teve recurso acolhido no STJ pelo ministro Schietti, que determinou que o recurso siga seu curso normal no Tribunal. Em fevereiro de 2019, o ministro converteu o agravo do MPF em recurso especial, "para melhor exame do caso pelo órgão colegiado".
Crime contra a humanidade
Ao proferir seu voto nesta quarta-feira, 28, o relator entendeu que a tentativa de atentado à bomba no Riocentro configurou crime contra a humanidade, sendo imprescritível.
O ministro traçou um panorama histórico da definição dos crimes contra a humanidade e pontuou que, em relação às violações de direitos humanos ocorridas no período da ditadura militar, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já reconheceu a necessidade de dar prosseguimento às ações criminais e às devidas responsabilizações por crimes contra a humanidade cometidos até mesmo antes de 1979 – abarcados pela lei de anistia.
"Com muito mais razão, deve ser aplicado tal posicionamento ao caso do Riocentro, ocorrido no ano de 1981 e que, por isso mesmo, não é alcançado pela Lei de Anistia promovida dois anos antes", afirmou o ministro.
O ministro ponderou que os autos indicam que o atentado no Riocentro fez parte de uma série de ataques planejada por integrantes do DOI-Codi e do Serviço Nacional de Informações, contra a suposta "ameaça comunista" representada por opositores do regime, com a clara intenção de forçar um novo período de repressão militar.
Para Schietti, há na ação indicativos de diversas medidas adotadas por agentes estatais para concretizar o atentado, garantir a impunidade dos criminosos e atribuir o delito à esquerda armada brasileira, como a ausência de policiamento no local e a retirada de provas que estavam no interior do veículo onde a bomba explodiu.
"Assim, considera-se que todas as condutas delitivas descritas na inicial acusatória (homicídio qualificado tentado, associação criminosa, fabrico e transporte de explosivos, fraude processual e favorecimento pessoal) estão abrangidas na definição de crimes contra a humanidade, pois envolvem os atos preparatórios ao atentado propriamente dito – com destaque para os homicídios que o grupo criminoso objetivava produzir – e as ações posteriores que buscaram ocultar de investigação futura os autores do delito e o envolvimento das autoridades do sistema de inteligência do governo militar com o episódio."
Dessa forma, e ao considerar o dever do Estado brasileiro de investigar, processar e punir as graves violações aos direitos humanos ocorridas na ditadura, votou por dar provimento ao recurso e autorizar o prosseguimento da persecução criminal também em relação a esses delitos.
- Processo: REsp 1.798.903
Confira o voto do relator.
Informações: STJ.