Migalhas Quentes

Quarta edição da revista do IADF é lançada em Brasília

Ocasião contou com o discurso do advogado Pedro Gordilho.

23/5/2019

Nesta terça-feira, 20, ocorreu em Brasília, o lançamento da “Revista do IADF” de número 4, do Instituto dos Advogados do DF. O evento ocorreu no Espaço Cultural do STJ. 

A ocasião especial contou com o discurso do advogado Pedro Gordilho, sócio fundador e ex-presidente do IADF, que trouxe reflexões sobre a história do Instituto, que nasceu em 1970, os desafios atuais e o futuro da advocacia e da Justiça no país.

Leia abaixo:

"Senhores e Senhoras, prezados colegas e amigos, estendo a mão e cumprimento a todos – em meu nome pessoal e em nome do preclaro colega Jackson Domenico, responsável que foi pela coleta dos artigos e organização do belo volume que já ostentam – agradecendo-lhes a presença nesse entardecer iluminado.

Uma especial averbação ao eminente Ministro Presidente João Otávio de Noronha, que nos cedeu o Espaço Cultural do Superior Tribunal de Justiça – permitindo que nosso evento alcançasse insuspeitado brilho –, numa data especial em que o universo judiciário brasileiro celebra, com fulgor, a comemoração das três décadas de instituição dessa Egrégia Corte. E, na pessoa de V. Exa., desejo saudar os eminentes Ministros desse Tribunal, do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e os magistrados do primeiro grau, integrantes da imensa pirâmide judiciaria brasileira. 

Nascemos em 1970. Que ano era aquele? Um dos piores de nossa era. Um ano em que a ditadura já se instalara da forma mais indecorosa. Não tinha mais nada que esconder da nação brasileira. O Brasil andava encoberto pelas trevas do obscurantismo do Ato Institucional nº 5. Vivíamos uma era de extremos. Era o mundo das trevas. O poder civil estava enfraquecido. As punições políticas eram alarmantes. Três eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal haviam sido compulsoriamente aposentados, no ano anterior, por atos de força, sem motivação.

Naqueles tempos sombrios, sonhávamos retomar o estamento da legalidade. Incumbia à nossa geração, a cuja conta corriam então os destinos do país, uma das mais graves e pesadas responsabilidades, que era a de reintegrá-lo no círculo de cultura a que ele tinha direito. E o IADF, desde sua fundação, estava atento à marcha da História.

É por isso que vamos encontrar, entre os sócios fundadores do Instituto – além de muitos ilustres advogados que de modo exemplar exerciam, com notável saber e proficiência, a atividade profissional, ao mesmo tempo em que se opunham tenazmente à ruptura da legalidade –, dois eminentes e saudosos ex-Ministros do Supremo Tribunal Federal, Victor Nunes Leal e Antônio Gonçalves de Oliveira, que haviam deixado a Egrégia Corte. Victor Nunes Leal, por ato de força da ditadura militar, e Antônio Gonçalves de Oliveira, pouco antes eleito seu presidente, em solidariedade aos três colegas compulsoriamente aposentados, além de Victor Nunes Leal, também Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Encontra-se, igualmente, na relação dos sócios fundadores, nosso saudoso colega e amigo, destacado combatente dos extremos da ditadura militar, Paulo Brossard de Souza Pinto.

Os anos passam. Há momentos de grandeza, de glórias. Há outros de dificuldades, de agastamento, de infortúnios. A nossa instituição, dependendo de circunstâncias múltiplas, acompanha os altos e baixos da História e também se deixa tocar pelos abalos e pelo desestímulo. Mas ela sobreviveu graças à tenacidade de muitos confrades e de seus antigos Presidentes.

Constituem fins do Instituto atividades que autorizam o seu envolvimento com os grandes temas da humanidade, entre os quais se destacam o “culto à justiça” e “a sustentação do primado do direito e da justiça”. São cláusulas que autorizam nossa participação ativa e incansável no eterno drama, focalizado por Del Vecchio, que tem por teatro a História e por argumento a luta entre o bem e o mal, o direito e sua infração.

Testemunhamos: atravessa a humanidade delicada conjuntura. Ardem povos e nações em ódios e violências, com marcas visivelmente autoritárias. A negação de valores faz do nosso tempo uma era de transição, de crise e de perplexidade.

As armas cederam à toga. Não existem nas ruas nem tanques, nem fuzis, nem soldados. Agora temos extremismos. Assustadores. Turquia, Rússia, Hungria, Polônia, Itália, Brexit, o “América para os americanos”. Até a França, a França de Voltaire, do genebrino Rousseau, de Lamartine, de Victor Hugo. A França, que mudou o pêndulo da História em 1789, que produziu o 1848, sempre em trajes civis, é essa mesma França que, com os gilets jaunes, passou a vestir uniformes. Ora, uniforme é ordem unida. E ordem unida é fascismo. É ódio. E com ódio o debate só é ganho com a destruição do adversário.

Então assistimos, de um lado, a ascensão dos autoritarismos e, de outro, o abatimento paulatino da democracia, esta construção genial, vinda dos gregos, apurada na Inglaterra e pautada por Montesquieu. E o que é pior: a prostração da democracia está sendo sufragada através da ferramenta mais poderosa da própria democracia, que é o voto, como demonstram Steven Levitsky & Daniel Ziblatt em sua obra seminal Como as democracias morrem: “O retrocesso democrático hoje começa nas urnas”.

Estamos diante de um quadro profetizado, magistralmente, por Étienne de La Boétie, no século XVI, aos 22 anos, em sua obra Discurso sobre a Servidão Voluntária, e lapidada, no século XX, por Erich Fromm, amigo das maiores inteligências do século, como Thomas Mann, Steven Zveig e Freud, em seu livro monumental El Miedo a la Liberdad, proscrito à época pelo nacional socialismo nazista.

Surgem os falsos profetas, lançando sobre as sociedades atônitas expectativas de salvação que quase atingem os limites da divindade. E o mundo, sem direção, acredita nas adulterações dos avatares de ocasião.

Nem tudo está perdido. A chave está na justiça. O Poder Judiciário segue independente, altivo, coragem moral a toda a prova e pode apontar os caminhos que a História indica em direção ao futuro, construído sobre pilares democráticos.

Vivemos em um mundo injusto, com uma distribuição injusta dos bens materiais, com a riqueza cada vez mais concentrada em mãos de poucos, com privilégios sociais injustos, com uma precária distribuição de justiça judiciária. Se quisermos aperfeiçoar a sociedade – e nós, advogados, temos, com esta aspiração, um compromisso impostergável – a primeira condição é combater a injustiça sob todos os rótulos com que se apresenta, mesmo que seja a falácia da defesa da ordem, preâmbulo dos sistemas políticos nacionalistas, imperialistas, antiliberais e antidemocráticos. 

Somos, advogados e juízes, todos servidores da justiça. Somos servidores livres. A justiça de algum modo consiste na conformidade com a lei. Mas, de outro lado, a lei é que deve ser conforme a justiça. Existe o justo jurídico, ou legal, e o justo absoluto, ou ideal. Couture inclui, nos seus Mandamentos, um deles especialmente marcante: “O dever do advogado é lutar pelo Direito, mas no dia em que defrontar um conflito entre o Direito e a Justiça, o seu dever é lutar pela Justiça”. Ele é sobretudo um agente transformador. E Del Vecchio definiu a verdadeira missão do jurista e do advogado em palavras candentes, de eloquência insuperável e de indeclinável atualidade: “Nós não devemos apenas obedecer às leis, mas antes de tudo vivificá-las e cooperar para sua renovação. O respeito à legalidade representa apenas um aspecto, e não o mais alto, da nossa missão humana: porque, através da legalidade de hoje, cabe-nos preparar a de amanhã, servindo, por um trabalho perpetuo, àquela ideia de Justiça que, imanente e sempre renovada no nosso espírito, se encontra em todas as leis, porém em nenhuma se exaure”. 

É nossa, esperança. É nossa expectativa. É nossa crença visceral, num mundo marcado pela incerteza, pela descrença e pela desesperança.

Muito obrigado."

 

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