A 3ª turma do STJ retomou a discussão acerca da possibilidade de instauração do IRDR - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas diretamente no Tribunal de 2º grau, mesmo não havendo ainda qualquer recurso relativo à matéria no âmbito do Tribunal local.
A discussão foi proposta em recurso da Defensoria Pública do DF, contra decisão que inadmitiu o IRDR, ao fundamento de que a instauração do incidente tem como pressuposto a existência de processo ou recurso no tribunal.
Em sessão do mês passado, o relator Paulo de Tarso Sanseverino negou a pretensão da Defensoria. S. Exa. afirmou:
"Embora o legislador possa criar incidentes processuais para causas originárias recursais que tramitem no âmbito do Tribunal, não pode criar competências originárias para os Tribunais de Justiça. A instauração do incidente pressupõe a existência de causa pendente no âmbito do respectivo tribunal."
Na ocasião, a ministra Nancy Andrighi pediu vista. Na sessão matutina desta terça-feira, 21, a ministra proferiu voto divergente.
Não conhecimento
Divergindo do relator Sanseverino, a ministra Nancy suscitou, inicialmente, preliminar pelo não conhecimento do recurso. De acordo com a ministra, é irrecorrível acórdão de 2º grau que admite ou inadmite o IRDR, diante da ausência de causa decidida – requisito exigido pelo texto constitucional para que se possa viabilizar o conhecimento de qualquer recurso especial.
Nancy mencionou ainda a possibilidade expressamente prevista de se requerer novo IRDR quando satisfeito o pressuposto que não havia sido cumprido.
Nesse ponto, o ministro Sanseverino reiterou o voto pela admissibilidade do recurso especial. Conforme o relator, o legislador “balançou ao longo da tramitação do processo legislativo” e ficaram algumas regras, havendo espaço para essa possibilidade. O ministro explicou que dos 32 tribunais, alguns têm admitido o IRDR mesmo sem ter processo pendente no Tribunal.
Sanseverino concordou que, quando é admitido o incidente, não cabe o recurso – mas entende que quando foi negado, há uma questão relevante decidida pelo Tribunal, uma decisão terminativa.
Prescinde de causa pendente
Passando ao mérito, Nancy Andrighi detalhou o histórico e natureza do instituto para analisar se sua instauração exige causa pendente no 2º grau de jurisdição.
Rebatendo o primeiro argumento do relator, a ministra defendeu que dizer que não poderia o legislador ordinário criar competências originárias aos tribunais, como teria sido feito com a instituição do IRDR, porque somente por emenda constitucional se poderia criar as referidas competências, “nada mais é do que exercer controle difuso de constitucionalidade no âmbito do recurso especial dos dispositivos que instituíram o referido incidente, eliminando uma das possíveis interpretações desse conjunto de dispositivo ao fundamento de que ele não seria compatível com as regras constitucionais definidoras da competência dos tribunais de 2º grau”.
Assentando que o IRDR é um instituto “absolutamente inovador”, e que naturalmente causa muitas e fundadas divergências, Nancy disse que o incidente se inspira fortemente no modelo alemão, chamado procedimento-modelo.
“É correto concluir que o modelo alemão no qual se inspirou nosso IRDR não apenas prescinde da existência de causa pendente na Corte de Apelação, mas é instrumento vocacionado essencialmente a resolver questão repetitiva que se encontra no primeiro grau de jurisdição.”
A ministra também mencionou as modificações sofridas pelo IRDR durante o processo legislativo, que o afastaram do modelo-alemão, e ponderou que a questão a ser examinada é se tais modificações efetivamente resultaram em completa desnaturação do instituto e afastamento do IRDR da sua origem.
Citando extensa doutrina, Nancy argumentou a autonomia entre o IRDR e a causa que lhe é adjacente, de modo que o incidente poderá ser instaurado quando a controvérsia repetitiva houver se instalado apenas em processos que tramitam no 1º grau de jurisdição e que sequer tenham sido sentenciados.
E que o art. 976 do CPC/15, nos incisos I e II, somente estabelecem como requisitos a existência da efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
Sendo assim, concluiu Nancy, a causa pendente no Tribunal não é condição si ni qua non para instauração do IRDR, ainda mais quando se considera: (i) o fato de que o juiz de 1º grau, de ofício, pode pedir a instauração (art. 977, I) – “o que sugere a possibilidade concreta de inexistir processo no tribunal naquele momento”; (ii) essa exigência resultaria na absoluta impossibilidade do IRDR quando a questão repetitiva se multiplicasse no âmbito dos Juizados Especiais; (iii) a excepcional concessão de legitimação ao amicus curiae para recorrer do mérito do incidente, “o que reforça seu caráter objetivo, autônomo e dissociado de qualquer causa em tramite no Tribunal”.
“A inexistência de obrigatoriedade de causa pendente no Tribunal não significa dizer que o IRDR não poderá ser instaurado nessas circunstâncias. Desde que presentes os pressupostos do 976, I e II, o IRDR poderá ser admitido com ou sem causa pendente no Tribunal.”
Assim, concluiu, o art. 978, parágrafo único, é regra de prevenção, e não se aplicará quando a instauração se der na ausência de causas pendentes no Tribunal. As conclusões da ministra foram, então, que:
a - o IRDR é um procedimento-modelo;
b – a existência de uma causa pendente no Tribunal não é pressuposto para instauração do IRDR; e
c - o art. 978, parágrafo único, é uma regra de prevenção.
No caso concreto, Nancy Andrighi entendeu que o recurso da Defensoria do DF deve ser negado, no mérito, pela ausência de reprodução de controvérsia em número significativo.
Após o voto da ministra, o ministro Ricardo Cueva pediu vista dos autos.
- Processo: REsp 1.631.846