Era 1939 quando Pedro*, um comerciante de Cuiabá/MT, conheceu a jovem Florinda*. Após o encantamento inicial, os dois começaram a namorar e ficaram noivos. Foram dois anos de noivado até que chegou o dia do casamento, uma sexta-feira, 27 de junho de 1941.
No entanto, no dia seguinte após a realização do sonho, a jovem Florinda foi devolvida à mãe pelo próprio marido, acusada de não ter se casado virgem.
Na segunda-feira seguinte ao casamento, em 30 de junho de 1941, a ‘Acção Ordinária de Nulidade de Casamento’ foi autuada no Juízo de Direito da Comarca da Capital. “Tremenda, entretanto, foi a sua decepção, quando ao realizar no seu leito conjugal o ato que constitui a função principal do matrimônio, chegou a dura realidade de que fora enganado, encontrando sua esposa desvirginada”, alegou o advogado na peça inicial. Pedro acabou devolvendo a esposa à família dela, “por repugná-lhe aceitá-la como tal”. O homem alegou ter sido enganado durante todo o período de noivado, pois a noiva teria ocultado “a sua prometida tão grave falta – a mácula de sua desonra”.
Florinda teve de passar, a pedido do marido, por um exame para que fosse avaliado o defloramento da jovem. Posteriormente, dois peritos foram nomeados para realizar outro exame, assim como um assistente técnico indicado por Pedro.
Porém, ao contrário do que pensava o marido, todos os examinadores responderam que o ‘desvirginamento’ da jovem seria recente, com menos de oito dias, e que seria possível que Florinda tivesse tido sua primeira relação sexual exatamente no dia do casamento.
Ao contestar a ação judicial, a defesa de Florinda destacou que a mulher era uma moça “modesta, de vida recatada e de conduta irrepreensível”, e questionou a boa-fé do noivo.
Apesar de todo o transtorno causado à vida de Florinda e de sua família, em 11 de agosto de 1941, menos de dois meses após a ação ter sido ajuizada, o advogado de Pedro apresentou uma petição desistindo da ação ordinária de anulação de casamento anteriormente proposta. O comerciante teria se reconciliado com a esposa por ter verificado a improcedência da referida ação, “cujo laudo pericial junto aos respectivos autos bem demonstra o equívoco do suplicante”.
Apesar de parecer absurdo, o caso é uma das histórias contidas no arquivo do Fórum de Cuiabá, descobertas por meio do projeto Memória Judiciária, desenvolvido pela Coordenadoria de Comunicação do TJ/MT. A história demonstra que a inexistência de virgindade das causas da nulidade do casamento.
E de fato, o Código Civil de 1916 previa, em seus artigos 178 e 219 que, em casos nos quais o homem descobrisse, em até dez dias, que a esposa não havia se casado virgem, era possível pedir a anulação do casamento.
Em setembro de 1980, a senadora Eunice Michiles apresentou o PL 237/80. A proposta revogava os dispositivos. Apesar de ter sido aprovada pela CCJ do Senado, no entanto, o projeto foi arquivado cinco anos depois.
A previsão do CC/1916 só foi revogada com a entrada em vigor do Código Civil de 2002.
Atualmente, os motivos pelos quais um casamento pode ser anulado são previstos no artigo 1.550 do CC/02.
Art. 1.550. É anulável o casamento:
I - de quem não completou a idade mínima para casar;
II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;
III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;
IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;
V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;
VI - por incompetência da autoridade celebrante.
*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das partes do processo.