O ministro Gilmar Mendes, do STF, negou nesta sexta-feira, 29, seguimento ao MS 36.380, impetrado pelo Instituto Vladimir Herzog e um grupo de parentes de vítimas da ditadura, contra determinação do presidente Jair Bolsonaro da realização de comemorações do golpe militar de 31 de março de 1964.
Segundo o ministro, a entrevista do porta-voz da presidência Otávio Rego Barros, que atribuiu a determinação ao presidente, não é ato passível de ser questionado por meio de mandado de segurança no STF.
Na entrevista, concedida em 25 de março, Rego Barros afirmou que o presidente da República não considera a data como golpe militar. Segundo o porta-voz, Bolsonaro já teria determinado ao ministério da Defesa “que faça as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964”.
No MS, os impetrantes sustentavam, entre outros argumentos, que a determinação foi amplamente divulgada pela mídia sem que houvesse qualquer tipo de correção ou de retratação pelo presidente da República e está representada não só pela comunicação feita pelo porta-voz como pela reprodução do conteúdo por rede pública de TV e no sítio eletrônico da presidência da República.
Os familiares das vítimas da ditadura argumentaram que o ato afronta a moralidade administrativa, pois frustra o mandamento constitucional e legal que exige do Estado o dever de reconhecer os períodos de exceção, seus crimes e suas vítimas e de promover a devida reparação. Também apontaram o direito líquido e certo à verdade e à memória em relação aos fatos ocorridos no período.
Tema sensível
Ao examinar o caso, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que o tema subjacente é extremamente sensível para a sociedade brasileira e, “como todo fato histórico, comporta interpretações determinadas pela perspectiva de cada intérprete: suas experiências, suas ideologias, seus valores, suas vidas”.
Segundo o relator, a existência de diferentes interpretações sobre o mesmo fato histórico e a garantia de que essas diferentes visões de mundo convivam é o que caracteriza o pluralismo.
O ministro teceu também um histórico do processo de redemocratização do país e do papel do STF na superação política e jurídica dos fatos ocorridos entre 1964 e 1985. “Todo o processo histórico vivido pela sociedade brasileira levou à consagração da democracia como valor fundamental do novo estado que surgia”, afirmou.
Ordem constitucional
Um dos resultados desse processo, conforme assinala o ministro, foi a Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, Mendes ponderou que o artigo 5º, inciso LXIX, da CF/88 dispõe que o mandado de segurança se destina a questionar ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, e a autoridade coatora é aquela que detém competência para praticar ou ordenar a prática do ato cuja legalidade é questionada.
“Dessa forma, o ato da autoridade pública, objeto da via estrita do mandado de segurança, deve produzir efeitos jurídicos imediatos, não sendo suficiente os atos de opinião, notadamente aqueles emitidos em contexto político, por meio de porta-voz”, afirmou. “Sendo ato típico de manifestação de vontade personalíssima, não parece adequado enquadrar como ato de autoridade do presidente da República a opinião de natureza política transmitida por seu porta-voz.”
Ao considerar que, no caso, não há pressupostos para o conhecimento do MS, em virtude da ausência de ato coator de autoridade que determine a competência do STF, o ministro negou seguimento ao mandamus.
- Processo: MS 36.380
Confira a íntegra da decisão.