Por ser a Justiça mais antiga, a Justiça Militar pode ser considerada uma testemunha da história brasileira, porque, por meio de seus arquivos e processos históricos, é possível contar os principais fatos históricos de inúmeros períodos, como por exemplo, o Regime Militar de 64.
Nesta época, a Justiça Militar ganhou protagonismo e passou a processar e julgar, inclusive, os civis com a promulgação do AI-2. Foi nessa época que os IPMs – Inquéritos Policiais Militares – passaram a ser usados como instrumento de investigação de qualquer um que subvertesse à ordem do governo vigente.
Flavio Bierrenbach, ministro aposentado do STM e egresso da tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, vivenciou de perto a instauração do "IPM da USP", em 1964.
(Clique na imagem para ampliar)
Ao Migalhas, Bierrenbach nos dá detalhes deste episódio:
"O famigerado IPM referente à Universidade de São Paulo foi aberto logo depois do golpe militar de 1964, como resultado de recomendação de uma ‘comissão especial’ nomeada pelo reitor Gama e Silva para investigar atividades subversivas na USP.
A dita comissão concluiu ‘serem realmente impressionantes as infiltrações de ideias marxistas nos vários setores universitários, cumprindo que fossem afastados daí os seus doutrinadores e os agentes dos processos subversivos’.
A inquisição universitária terminou por sugerir a suspensão dos direitos políticos de 52 pessoas, dentre as quais 44 professores da USP, sendo os demais alunos e funcionários. Inaugurou-se, assim, o processo absolutamente inédito de expurgo na história da Universidade de São Paulo, seguido depois por casos idênticos em outras universidades do País.
Diversos indiciados foram denunciados e as acusações de ‘subversão’ concentraram-se nos professores Mário Schemberg, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Caio Prado Junior, Isaias Raw, dentre tantos outros.
Da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco foram atingidos um professor e seis alunos, incluindo este subscritor. O IPM da USP correu célere; vários pedidos de prisão preventiva foram deferidos. Alguns foram presos em seguida, os demais, todos, até o mês de setembro de 1964.
Apresentada a denúncia e aberto o processo perante a Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar, a ação penal foi trancada por habeas corpus impetrado por um dos acusados perante o Superior Tribunal Militar (processo 37.801/70), estendido aos demais réus do processo. Essas informações constam de ‘O livro negro da USP - O controle ideológico da Universidade’, de Eunice Ribeiro Durham (São Paulo, ADUSP, 2a. ed. 1979).
Confesso que meu maior medo, naquela época, quando pelo menos em São Paulo ainda não havia tortura, não era propriamente da prisão, mas de não conseguir me formar, o que acabei logrando, em dezembro de 1964. Tempos e dedos duros."
Redemocratização
O ministro aposentado explica que após a redemocratização, a Justiça Militar da União funciona a partir de regras internacionalmente reconhecidas, assegura a igualdade de todos perante a lei, respeita os princípios do Estado Democrático de Direito e observa os Direitos Humanos. "Enfim, está perfeitamente conforme os mais exigentes critérios de imparcialidade, integridade e independência estabelecidos nos padrões internacionais dos povos civilizados", conclui.