Migalhas Quentes

Honorários advocatícios de sucumbência têm ou não têm natureza alimentar ?

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20/7/2006


Honorários de sucumbência

STJ e STF divergem em decisão

Na semana passada, a Primeira Seção do STJ fixou o entendimento de que os honorários advocatícios de sucumbência não têm natureza alimentar em razão de sua incerteza quanto ao recebimento, já que estão sempre atrelados ao ganho da causa. Ao relatar um mandado de segurança, a ministra Eliana Calmon propôs que a Primeira Seção se pronunciasse a fim de uniformizar a jurisprudência da Primeira e da Segunda Turma do Tribunal.

A ministra relatora citou julgados da Primeira e da Terceira Turma que apontam para que seja conferido aos honorários de sucumbência o caráter alimentar. No entanto, levou também ao conhecimento dos ministros alguns julgados da Segunda Turma e outro, mais recente, da Primeira Turma, no sentido de que tais verbas não possuem caráter alimentar. Veja abaixo a íntegra da decisão da Ministra.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 11.588 - DF (2006/0056790-5)

IMPETRANTE : JÚLIO CÉSAR DE ASSUMPÇÃO

ADVOGADO : HUGO AMARAL VILLARPANDO

IMPETRADO : PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL

IMPETRADO : LIQUIDANTE DO BANCO ECONÔMICO S/A

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Trata-se de mandado de segurança impetrado por JÚLIO CÉSAR DE ASSUMPÇÃO contra ato atribuído ao PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL e ao LIQUIDANTE DO BANCO ECONÔMICO S/A, consubstanciado na não-inclusão do nome do impetrante no quadro de credores da massa falida do estabelecimento creditício que se encontra em regime de liquidação extrajudicial.

Alega o impetrante ser credor da massa falida, crédito esse oriundo de honorários advocatícios fixados judicialmente nos autos da ação de indenização processada perante a 4ª Vara Cível e Comercial da Comarca de Salvador, tendo a sentença condenatória transitado em julgado em 26 de outubro de 1998. Informa que as autoridades impetradas não cumprem a determinação judicial no sentido de procederem à reserva de valores para atender à condenação, culminando com a não-inclusão do seu crédito no quadro de credores preferenciais, embora se tratasse de verba de caráter alimentar.

Informa que o BACEN alega estar cumprindo as determinações judiciais e informa, ainda, a existência de ação rescisória ajuizada pelo BANCO ECONÔMICO S/A.

O mandado de segurança foi ajuizado perante a Justiça Federal de 1º grau em Brasília, onde foi processada e instruída, declinando o juiz federal que estava à frente do processo quando houve alteração do status do primeiro impetrado, o qual passou a figurar como Ministro de Estado, o que ensejou a mudança de competência para julgar o writ e o envio do processo a esta Corte.

Pede a concessão do mandamus para que lhe seja garantido o tratamento que por lei é dispensado aos credores alimentares.

Devidamente instruídos os autos com as informações dos impetrados, pedi o

parecer do Ministério Público Federal, que opinou pela denegação da ordem, em peça opinativa, assim resumida em sua ementa:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. Mandado de segurança.

Liquidação extrajudicial de instituição financeira. Honorários advocatícios fixados em sentença transitada em julgado. Pleito de inclusão e habilitação do Impetrante, no quadro de credores da massa falida do Banco Econômico S.A., na categoria de crédito preferencial de verba alimentar. Impossibilidade. Rol do §1ª-A, do art. 100, da Constituição Federal de 1988, que não inclui os honorários advocatícios de sucumbência como verba de natureza alimentar. Direito líquido e certo inexistente. Segurança que deve ser denegada.

(fl. 905)

Anote-se, por oportuno, no presente relatório, os tópicos de importância contidos nas informações.

As primeiras informações vieram do Liquidante da Massa do BANCO ECONÔMICO (fls. 252/266), oportunidade em que alegou:

a) ausência de interesse de agir do impetrante, porque não publicado, ainda, o quadro geral de credores definitivo; o crédito do impetrante figurou juntamente com os créditos dos demais advogados no quadro provisório;

b) conexão deste mandado de segurança com dois outros com tramitação na 3ª Vara Federal de Brasília, um impetrado pelo advogado HUGO AMARAL VILLARPANDO e um outro intentado pelo causídico ADELMO FONTES GOMES, demandas que estão tramitando em conexão, sem liminar.

c) trata-se de crédito viciado na origem, o que ensejou a propositura de ação rescisória;

d) o crédito do impetrante encontra-se no quadro provisório de credores como crédito privilegiado, nos termos do art. 23 da Lei 8.906/94, mas a ele não pode ser dada a classificação de honorários. Lembra que, se assim não fosse, não teria sentido estar a tramitar no Congresso, com apoio da OAB, projeto do Deputado Paulo Paim, atribuindo natureza alimentar aos honorários advocatícios e invoca o teor da Lei 10.444/02 que, alterando o art.588, § 2º, do CPC, limita o levantamento sem caução das verbas alimentares a 60 (sessenta) salários mínimos, dependendo o levantamento do valor permitido da prova do estado de necessidade do alimentando. E a alegação, segundo o impetrado faz sentido, porque os honorários questionados pelo autor estão em mais de R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais), ou seja, mais de R$ 56.000,00 (cinqüenta e seis mil) salários mínimos.

O presidente do BACEN também forneceu informações (fls. 411/419), as quais não discrepam das informações do liquidante.

É o relatório.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 11.588 - DF (2006/0056790-5)

RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON

IMPETRANTE : JÚLIO CÉSAR DE ASSUMPÇÃO

ADVOGADO : HUGO AMARAL VILLARPANDO

IMPETRADO : PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL

IMPETRADO : LIQUIDANTE DO BANCO ECONÔMICO S/A

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA): O presente mandado de segurança não tem a mínima possibilidade de prosperar.

Preliminarmente, entendo ser imprópria a via mandamental para impugnar ato de gestão, que tem feição de ato de autoridade e, por isso mesmo, incapaz de ensejar censura por via do remédio heróico.

O ato de intervenção ou liquidação em estabelecimento creditício é, sem dúvida, ato de autoridade. Entretanto, no exercício da intervenção ou liquidação, o interventor ou liquidante pratica atos tipicamente de gestão, na condução da empresa sub censura. São atos que assumem feição de atos gerenciais, despidos do poder de império, característica maior do ato de autoridade. Por isso mesmo, esses atos não podem ser objeto de mandado de segurança, muito embora possam sofrer o crivo do Judiciário por via de todas as demandas que atendem aos atos privados, despidos do jus emperii.

Contudo, mesmo que seja superada a questão preliminar, no mérito, não assiste razão ao impetrante em pretender ver declarado que os créditos oriundos de sucumbência são de natureza alimentar.

Advirta-se que não estamos a cuidar de honorários oriundos de contrato firmado com o cliente e sim de honorários sucumbenciais, o que, no meu entender, têm tratamento jurídico diverso, como, aliás, decidiu o STF.

A questão nesta Corte encontra divergência. Trago à colação, em favor da tese defendida pelo impetrante, dois arestos da Primeira e da Terceira Turmas, respectivamente:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRECATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PREFERÊNCIA. NATUREZA ALIMENTAR. ART. 23, DA LEI Nº 8.906/94. ART. 100, CAPUT, DA CF/1988. PRECEDENTES.

1. O art. 23, do Estatuto dos Advogados (Lei nº 8.906/1994), dispõe que “os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este o direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu nome.”

2. A verba honorária com relação ao advogado não se inclui na sucumbência literal da ação, pois é apenas para as partes litigantes. O advogado não é parte, é o instrumento necessário e fundamental, constitucionalmente elencado, para os demandantes ingressarem em juízo.

3. Portanto, não sendo sucumbenciais, os honorários do advogado constituem verba de caráter alimentar, devendo, com isso, serem inseridos na exceção do art. 100, caput, da Carta Magna de 1988.

4. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF.

5. Recurso provido.

(RMS 16.890/SC, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15.03.2005, DJ 21.11.2005, p. 123)

Civil. Recurso especial. Ação de execução. Concurso de credores.

Crédito tributário. Crédito de honorários advocatícios. Natureza alimentar. Ordem de preferência.

- Os honorários advocatícios, mesmo de sucumbência, têm natureza alimentar.

- A aleatoriedade no recebimento dessas verbas não retira tal característica, da mesma forma que, no âmbito do Direito do Trabalho, a aleatoriedade no recebimento de comissões não retira sua natureza salarial.

- A ausência de subordinação é irrelevante. Subordinação é um dos elementos de uma relação de emprego, mas não é o elemento específico que justifica a natureza alimentar do salário. O que a justifica é a necessidade de o empregado recebê-lo para viabilizar sua sobrevivência, aspecto que também se encontra no trabalho não subordinado prestado pelo causídico.

- Sendo alimentar a natureza dos honorários, estes preferem aos créditos tributários em execução contra devedor solvente.

- Inteligência do art. 186 do CTN.

Recurso especial a que se dá provimento.

(REsp 608.028/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28.06.2005, DJ 12.09.2005, p. 320)

O julgamento da Primeira Turma, datado de 15 de março de 2005, não contou com a participação do Ministro Luiz Fux, o qual veio a alinhar posição em sentido contrário, em 18 de agosto de 2005, quando do julgamento do REsp 706.331/PR, assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA E CONTRATUAL. NATUREZA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL SUPERADA PELAS CORTES SUPERIORES.

1) Acórdão que conheceu a questão de forma completa, diversamente do que alegam os recorrentes, nos moldes em que foi suscitada, distinguindo as duas espécies de verba honorária (contratual e de sucumbente).

2) Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

3) Os honorários contratuais representam a verba necessarium vitae através do qual o advogado provê seu sustento, ao contrário do quantum da sucumbência da qual nem sempre pode dispor. Por outro lado, caso fosse atribuída à verba sucumbencial natureza alimentar, estar-se-ia dando preferência ao patrono em detrimento de seu cliente.

4) É assente nos Tribunais que os honorários de sucumbência não possuem caráter alimentar (precedentes do STJ e STF: RMS 17.536 - DF, Relator Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ de 03 de maio de 2004; Resp 653.864 - SP, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJ de 13 de dezembro de 2004 e Rext 143802-9 - SP, Relator Ministro SYDNEY SANCHES, Primeira Turma, DJ de 09 de abril de 1999.

5) Considerando-se que os honorários advocatícios de sucumbência não têm de natureza alimentar em razão de sua incerteza quanto ao percebimento, posto sempre atrelados ao ganho de causa, encerram a mesma característica aqueles contratados sob o êxito, por força do princípio de que ubi eadem ratio ibi eadem dispositio.

6) Recurso Especial a que se nega provimento.

(REsp 706.331/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18.08.2005, DJ 12.09.2005, p. 238)

Na Segunda Turma, a princípio, houve divergência, com um voto da Ministra Laurita Vaz, ao tempo em que integrava aquele órgão julgador. Contudo, bem recentemente, firmou-se entendimento convergente em sentido contrário, como demonstram os arestos seguintes:

PROCESSO CIVIL E CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. CRÉDITOS DECORRENTES DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA NÃO ALIMENTÍCIA. ART. 100, § 1º-A, DA CF/88.

1. A verba honorária decorrente da sucumbência não têm natureza alimentar, já que não contemplada no art. 100, § 1º-A da CF/88, dispositivo acrescentado pela EC n.º 30/2000.

2. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público do STJ.

3. Recurso ordinário em mandado de segurança improvido.

(RMS 19.258/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 08.11.2005, DJ 21.11.2005, p. 173)

TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. CONCURSO DE CREDORES. CREDITO FISCAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARTS. 186 DO CTN E 24 DA LEI N. 8.906/94.

1. Os honorários advocatícios sucumbenciais, arbitrados pelo juiz em favor do vencedor, têm retribuição aleatória e incerta, razão pela qual não podem ser caracterizados como verba de natureza alimentar.

2. A teor do disposto no art. 186 do CTN, o crédito tributário prefere a qualquer outro, à exceção dos créditos decorrentes da legislação trabalhista.

3. Em sede de concurso de credores de devedor comum, os honorários advocatícios não preferem aos créditos fiscais. Precedentes.

4. Recurso especial provido.

(REsp 329.519/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 25.10.2005, DJ 21.11.2005, p. 174)

PROCESSO CIVIL E CONSTITUCIONAL – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - PREFERÊNCIA NA ORDEM DE PAGAMENTO - ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. Os honorários advocatícios oriundos da sucumbência não têm natureza alimentar.'

2. Sob o aspecto ontológico, a álea só existe quando há sucesso na demanda, o que afasta a qualificação preferencial pretendida.

3. Sob o ângulo constitucional, interpretado o art. 100, § 1º- A, verifica-se não estarem os honorários sucumbenciais no elenco dos créditos alimentares.

4. Divergência jurisprudencial que se resolve pela não-qualificação do crédito como sendo verba alimentar.

5. Recurso especial provido.

(REsp 589.830/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 28.06.2005, DJ 22.08.2005, p. 198)

Alinhando-me à posição da Segunda Turma e à posição última da Primeira, entendimento que conta com a aquiescência da Primeira Turma do STF, conforme decidido no RE 143.802-9-SP, relatado pelo Ministro Sydney Sanches, DJ de 09 de abril de 1999. Nesse julgamento, deixou o relator bem clara a diferença de tratamento dada aos honorários contratados e aos honorários sucumbenciais. Do voto condutor do acórdão, destaco o seguinte trecho de absoluta compreensão:

Os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência, não têm, data venia, o caráter alimentar. É certo que esse caráter deve ser conferido àquela verba resultante de contrato firmado entre o advogado e a parte, no momento do patrocínio. Desse numerário, efetivamente retira o patrono seu sustento. É diversa da verba decorrente da sucumbência, da qual o advogado não pode nem sempre dispor ou contar como certa.

À contemplar-se a verba de decorrente da sucumbência como de natureza alimentar, constituir-se-ia uma inversão de valores, em detrimento daquele a quem o Estado ainda está a dever e que não conseguiu a liquidação plena de seu crédito, a favor daquele a quem deu seu patrocínio.

Não pode pois, a sucumbência integrar o conceito de verba alimentar. Sua retribuição é aleatória eis que, os advogados efetivamente não podem contar com sua existência ou "quantum".

Como foi dito, os contratos de honorários não se resumem à percepção da verba a quem o sucumbente eventualmente venha a ser condenado. A prestação postulatória exige do patrocinado o pagamento da honorária certa desvinculada da condenação que poderá não sobrevir, se o patrono não alcançar o ganho da causa.

Um outro aspecto ainda, merece consideração: não existe entre o Estado e o advogado da parte adversa, qualquer relação de subordinação que resultasse na possibilidade de exigência da honorária como prestação de caráter alimentício. Não existe dependência entre a entidade devedora e o advogado de outra parte. A sucumbência é pois, um "plus" condenatório que se não reveste de natureza alimentar.

Entendo que o trecho transcrito deixa clara a diferença e justifica, pelo menos, dois arestos do mesmo STF que entenderam ser de natureza alimentar os honorários. São os julgados seguintes, transcritos em suas ementas:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. PAGAMENTO NA FORMA DO ART. 33, ADCT. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PERICIAIS: CARÁTER ALIMENTAR. ADCT, ART. 33. I. - Os honorários advocatícios e periciais têm natureza alimentar. Por isso, excluem-se da forma de pagamento preconizada no art. 33, ADCT. II. - R.E. não conhecido.

(RE 146.318/SP, Segunda Turma, rel. Min. Carlos Velloso, unânime, julgado em 13/12/1996, DJ de 04/04/1997)

EMENTA: Precatório. Artigo 33 do ADCT da Constituição Federal. Honorários de advogado. - Quando a Constituição excepciona do precatório para a execução de créditos de natureza outra que não a alimentícia os créditos que tenham tal natureza, a

exceção só abarca a execução da condenação em ação que tenha por objeto cobrança

específica desses créditos, inclusive, portanto, dos honorários de advogado, e não a execução de condenação a pagamentos que não decorrem de créditos alimentares, ainda que nessa condenação haja uma parcela de honorários de advogado a título de sucumbência, e, portanto, a título de acessório da condenação principal. Neste caso, o acessório segue a sorte do principal. Recurso extraordinário conhecido e provido.

(RE 141.639/SP, Primeira Turma, rel. Min. Moreira Alves, unânime, julgado em 10/05/1996, DJ de 13/12/1996)

Esclarecidas as situações, entendo pertinente que a Primeira Seção se pronuncie no sentido de uniformizar a sua jurisprudência, o que parece, até certo ponto, já estar sedimentada, pelo menos, no âmbito da Segunda Turma.

Com essas considerações, voto pela denegação da segurança.

É o voto.

Decisão divergente

No mesmo dia da publicação da decisão do STJ, o douto leitor Diomar Bezerra Lima, da Advocacia Bettiol S/C, enviou missiva à redação de Migalhas comentando o caso e alertando para uma decisão divergente do STF.

"A recente decisão da 1º Seção do STJ, segundo a qual "honorários de sucumbência não têm natureza alimentar" (MS nº 11.588/DF) (Migalhas 1.452 - 12/7/06 - 'Migas - 1' - clique aqui) está em divergência com julgado - também recente - da 1º Turma do STF, a cujo teor 'os honorários dos advogados têm natureza alimentícia, pois visam prover a subsistência destes e de suas respectivas (sic) famílias'. Considerou a Suprema Corte, nesse julgamento, realizado no dia 9.5.06, um dia antes daquele, que o § 1º-A do art. 100 da F/88 possui "caráter exemplificativo" (RE nº 470.407/DF (acórdão pendente de publicação) - Informativo STF nº 426). É oportuno salientar que referido precedente resultou do provimento a recurso extraordinário contra acórdão igualmente proferido pelo STJ, que, a exemplo do decidido por sua 1º Seção, no MS nº 11.588/DF, proclamara, no RMS nº 17.536/DF: "Deveras a verba decorrente dos honorários de sucumbência - cuja retribuição é aleatória e incerta - dependente do êxito da parte a qual patrocina, não podem ser considerados da mesma categoria dos alimentos necessarium vitae previstos na Carta Magna".

Na mesma semana, o STF reconheceu a natureza alimentar de honorários advocatícios ao julgar procedente o Recurso Extraordinário (RE – 470407) interposto pelo advogado José da Paixão Teixeira Brant contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que negou provimento a recurso ordinário em MS.

Teixeira Brant havia impetrado MS contra ato, de natureza administrativa, praticado ilegalmente por servidores da divisão de precatórios do TRF da 1ª região. Em seu voto, o ministro-relator Marco Aurélio considerou que o enfoque dado pelo STJ na interpretação do artigo 100, parágrafo 1º - A, da Constituição Federal, não merece subsistir, deve “prevalecer a regra básica da cabeça do artigo 100” onde “constata-se a alusão ao gênero ‘crédito de natureza alimentícia”. De acordo com o relator “os profissionais liberais não recebem salários, vencimentos, mas honorários e a finalidade destes não é outra senão prover a subsistência própria e das respectivas famílias”. Assim, foi determinada a reclassificação do precatório como de natureza alimentícia. A decisão foi da Primeira Turma. Veja abaixo a posição do Ministro.

RE-470407)

Honorários Advocatícios e Natureza Jurídica

Artigo

Os honorários advocatícios têm natureza alimentar. Com base nesse entendimento, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do STJ que, em recurso em mandado de segurança, mantivera decisão administrativa do Tribunal Regional Federal da 1ª Região a qual incluíra o precatório, referente aos honorários advocatícios do recorrente, na listagem ordinária para pagamento parcelado. O acórdão recorrido entendera que a verba decorrente dos honorários de sucumbência, dependente do êxito da parte a qual patrocina, não poderia ser considerada da mesma categoria dos alimentos necessarium vitae previstos no art. 100, § 1º - A da CF. Conclui-se pelo caráter exemplificativo do § 1º da referida norma e pela prevalência da regra básica do seu caput, por considerar que os honorários dos advogados têm natureza alimentícia, pois visam prover a subsistência destes e de suas respectivas famílias. Salientou-se que, consoante o disposto nos artigos 22 e 23 da Lei 8.906/94, os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nessa parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido a seu favor. Recurso provido para conceder a segurança e determinar a retificação da classificação do precatório. Veja abaixo o inteiro teor do voto condutor do acórdão. RE 470407/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.5.2006. (RE-470407)

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Honorários Advocatícios e Natureza Jurídica (Transcrições)

RE 470407/DF*

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

RELATÓRIO: O Superior Tribunal de Justiça negou acolhida a pedido formulado em recurso ordinário em mandado de segurança, ante os fundamentos assim sintetizados (folha 338): PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DECORRENTES DE SUCUMBÊNCIA. PRECATÓRIO. ART. 100, § 1-A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. O art. 100, § 1-A, da Constituição Federal dispõe: “Os créditos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado”.

2. A ratio essendi do art. 1º da Emenda nº 30 dirigi-se exatamente àquelas verbas necessarium vitae, que são devidas e em relação às quais as partes não podem praticamente sobreviver, razão pela qual mereceram um tratamento constitucional privilegiado.

3. Deveras, a verba decorrente dos honorários de sucumbência - cuja retribuição é aleatória e incerta - dependente do êxito da parte a qual patrocina, não podem ser considerados da mesma categoria dos alimentos necessarium vitae previstos na Carta Magna.

4. Recurso ordinário em mandado de segurança improvido.

Foram interpostos quatro embargos de declaração, sendo todos desprovidos pelo Colegiado (folha 378 a 385; 398 a 405; 435 a 444; 458 a 467). No recurso extraordinário de folha 469 a 478, no qual se evoca a alínea “a” do permissivo constitucional, o recorrente articula com a transgressão dos artigos 5º, cabeça e incisos XXXV, LV e LXIX, 37 e 93, inciso IX, da Carta Política da República. Alega ter a Corte de origem deixado de analisar, mesmo após o julgamento dos sucessivos declaratórios, “nove questões constitucionais que haveriam sido regularmente suscitadas naquele recurso ordinário de ampla devolutividade” (folha 473). Assevera que, nos quatro acórdãos relativos aos embargos, registrou-se, superficialmente, a ausência de vícios no julgado, mas sempre considerando-se o envolvimento de recurso especial e não ordinário, como era o caso. Afirma que os acórdãos possuem o mesmo teor, sendo o último mera reprodução dos dois anteriores, o que confirmaria a negativa de prestação jurisdicional apontada e a inobservância ao devido processo legal. O recorrente esclarece haver impetrado mandado de segurança contra ato de natureza administrativa de competência privativa do Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mas praticado ilegalmente e com abuso de poder por servidores da Divisão de Precatórios da Corte, que consistiu na inclusão do precatório na listagem ordinária para pagamento parcelado. Salienta tratar-se de crédito de natureza alimentícia, referente a honorários advocatícios e que, no exame do mandado de segurança, não se apreciou a matéria crucial, relativa “à anulação do ato administrativo irregularmente praticado por servidora que usurpara os poderes hierárquicos do próprio Presidente do Tribunal, ao fazer a extemporânea e equivocada classificação, ignorando-se a existência de um agravo regimental engavetado – para enveredar-se pelos caminhos da interpretação teleológica do novel § 1º-A do artigo 100, que fora acrescido ao texto constitucional pela recente Emenda nº 30, de 13.09.2000” (folha 476). A partir de então, prossegue o recorrente consignando que o enfoque dado à questão foi o concernente à natureza da verba honorária, deixando-se de lado aquele efetivamente impugnado por meio do mandado de segurança. A União apresentou as contra-razões de folha 480 a 487, ressaltando o caráter protelatório do extraordinário, por pretender o reexame de matéria exaustivamente analisada na esfera ordinária. Evoca o Verbete nº 284 da Súmula desta Corte, aludindo à deficiente fundamentação do recurso. Entende estar a matéria restrita à interpretação de normas infraconstitucionais e aponta o não-cabimento do recurso contra decisão referente ao processamento de precatório. O recurso foi admitido mediante o ato de folhas 489 e 490. A Procuradoria Geral da República, no parecer de folha 499 a 501, preconiza o provimento do recurso, considerando o caráter alimentar dos honorários. É o relatório.

VOTO: Na interposição deste recurso, foram observados os pressupostos gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por profissional da advocacia que atua em causa própria, restou protocolada no prazo assinado em lei. A notícia do acórdão atinente aos últimos embargos foi publicada no Diário de 22 de agosto de 2005, segunda-feira (folha 468), ocorrendo a manifestação do inconformismo em 6 de setembro imediato, terça-feira (folha 469). Os documentos de folha 471 evidenciam a regularidade do preparo. Cumpre frisar, por oportuno, que, quando da interposição dos diversos embargos declaratórios, sempre esteve em questão, considerado o fenômeno da interrupção, o objeto respectivo, ou seja, o prazo referente ao extraordinário. No mais, se de um lado é certo que a Corte de origem não emitiu entendimento sobre as matérias veiculadas nos sucessivos embargos declaratórios, de outro, o tema de fundo propriamente dito deste extraordinário, ou seja, a natureza jurídica dos honorários advocatícios para efeito de expedição de precatório foi objeto de debate e decisão prévios. A Corte de origem teve como exaustiva a definição de crédito de natureza alimentícia constante do artigo 100, § 1º-A, da Constituição Federal, apenas tomando sob tal ângulo salário, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenização por morte ou invalidez, fundada na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. O enfoque não merece subsistir. Se por um aspecto verifica–se explicitação do que se entende como crédito de natureza alimentícia, por outro, cabe concluir pelo caráter simplesmente exemplificativo do preceito. É que há de prevalecer a regra básica da cabeça do artigo 100 e, nesse sentido, constata-se a alusão ao gênero crédito de natureza alimentícia. O preceito remete necessariamente ao objeto, em si, do crédito alfim visado. Ora, salários e vencimentos dizem respeito a relações jurídicas específicas e ao lado destas tem-se a revelada pelo vínculo liberal. Os profissionais liberais não recebem salários, vencimentos, mas honorários e a finalidade destes não é outra senão prover a subsistência própria e das respectivas famílias. Conforme explicitado no voto do relator no Tribunal Regional Federal, não sendo sufragado pela ilustrada maioria, o precatório, embora rotulado de comum, versa apenas os honorários advocatícios. Então, há de se concluir pelo caráter alimentar, ficando afastado o enquadramento até aqui prevalecente. Ao julgar, perante a Segunda Turma, o Recurso Extraordinário nº 170.220-6/SP em 19 de maio de 1998, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 7 de agosto de 1998, tive a oportunidade de consignar que a jurisprudência consolidou-se no sentido de dar-se ordem especial de precatórios quando envolvida prestação alimentícia, em que pese o artigo 100 da Constituição Federal conter expressão, em bom vernáculo, excluindo o hoje famigerado sistema de execução. Consoante o disposto na Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, os advogados têm direito não só aos honorários convencionados como também aos fixados por arbitramento e na definição da sucumbência – artigo 22 – sendo explícito o artigo 23 ao estabelecer que os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido a seu favor. Repita mais uma vez que os honorários advocatícios consubstanciam, para os profissionais liberais do direito, prestação alimentícia. Daí se considerar infringido o artigo 100 da Constituição Federal, valendo notar que, no recurso extraordinário, embora explorado em maior dimensão o vício de procedimento, revela-se inconformismo com o julgamento no que tomada a parcela como a indicar crédito comum. Provejo o recurso extraordinário para conceder a segurança e determinar a retificação da classificação do precatório, tomando-o como de natureza alimentícia com as conseqüências próprias.

* acórdão pendente de publicação.

Doutos leitores

A questão gerou grandes debates no espaço migalheiro. Confira abaixo os comentários.

"Tenho uma convicção pessoal que, de entendimento em entendimento, os nossos valorosos julgadores vão dilapidando e extirpando direitos obtidos depois de muitos anos de luta parlamentar. A partir desse esquisito entendimento de que os honorários de sucumbência não têm caráter alimentar (Migalhas 1.452 – 12/7/06 – "Migas – 1" – clique aqui), não o teriam as comissões dos vendedores, as gorjetas dos empregados em restaurantes e hotéis, a participação no lucro das empresas e muitas outras verbas, porque não se tem certeza do seu recebimento. Espero que os doutos possam rebater convenientemente esse absurdo. De início, gostaria de saber quem foi o vencedor na ação, depois desse 'entendimento'." José Roberto Rocha

"Não sei não... A álea é a tônica na percepção de rendimentos do profissional liberal, ou não é? Não creio que a aleatoriedade no Direito legal à percepção dos honorários da sucumbência possa alterar o caráter alimentar destes (Migalhas 1.452 – 12/7/06 – "Migas – 1" – clique aqui). Como se diz na roça: 'estão colocando chifres em cabeça de cavalo'. O caráter alimentar não está na origem dos honorários, mas em sua destinação. Se os ganhos advém do exercício profissional, é óbvio que têm caráter e finalidade alimentar. Abraços sem migalhas aos fiéis Migalheiros." Meiri Fernandes

"Negar à verba honorária do advogado, sucumbencial ou convencional, o caráter alimentar, só porque está sujeita aos caprichos dos julgamentos, é o mesmo que negar esse caráter à própria condenação principal, que também o está. Então, nada é de natureza alimentar, nem os salários, sujeitos aos caprichos primeiro do patrão, depois da Justiça Obreira. Tenham pena, tenham pena, não agüento mais essas loucuras!" Antônio Carlos de Martins Mello

 

"A recente decisão da 1º Seção do STJ, segundo a qual "honorários de sucumbência não têm natureza alimentar" (MS nº 11.588/DF) (Migalhas 1.452 - 12/7/06 - 'Migas - 1' - clique aqui) está em divergência com julgado - também recente - da 1º Turma do STF, a cujo teor 'os honorários dos advogados têm natureza alimentícia, pois visam prover a subsistência destes e de suas respectivas (sic) famílias'. Considerou a Suprema Corte, nesse julgamento, realizado no dia 9.5.06, um dia antes daquele, que o § 1º-A do art. 100 da F/88 possui "caráter exemplificativo" (RE nº 470.407/DF (acórdão pendente de publicação) - Informativo STF nº 426). É oportuno salientar que referido precedente resultou do provimento a recurso extraordinário contra acórdão igualmente proferido pelo STJ, que, a exemplo do decidido por sua 1º Seção, no MS nº 11.588/DF, proclamara, no RMS nº 17.536/DF: "Deveras a verba decorrente dos honorários de sucumbência - cuja retribuição é aleatória e incerta - dependente do êxito da parte a qual patrocina, não podem ser considerados da mesma categoria dos alimentos necessarium vitae previstos na Carta Magna". Diomar Bezerra Lima - escritório Advocacia Bettiol S/C

"A questão do caráter alimentício dos honorários de sucumbência foi muito bem abordada pelo ilustre migalheiro Diomar Bezerra Lima (Migalhas n. 1454). Penso aqui comigo algumas coisas. Que verba sucumbencial advocatícia seja de caráter alimentar, me parece fora de questão. O que está sujeito à álea não é a verba propriamente dita, mas seu montante, já que ela deverá existir de um modo ou outro nos termos do caput do artigo 20 do CPC. O texto legal é bastante taxativo, basta ler. Adicione-se o fato de que ainda sendo admitida a questão da álea como componente do tema (honorários), tal aspecto não retira da verba em foco sua natureza alimentar. Assim fosse, também os honorários avençados na forma quota litis ou ad exito, modalidade em que o advogado vincula sua remuneração ao eventual sucesso da demanda em favor de seu cliente - usada em 99% das reclamações trabalhistas - também, em sendo concedida, não seria verba alimentar, o que fere a lógica e se mostra como tese bastante frágil até. O único ponto que posso considerar como de alguma lógica é o de que, talvez, os julgadores não estejam querendo ombrear a verba advocatícia sucumbencial aos alimentos necessários à pronta e urgente subsistência, cujo inadimplemento gera até mesmo prisão do devedor (733, CPC). Por fim, como o migalheiro acima citado nos informa, há divergência jurisprudencial dentro do próprio STJ. Assim, seria talvez o caso de se invocar, quem oportunidade para tanto tiver, o incidente de uniformização de jurisprudência (476, par. único, CPC), que poderia até mesmo pavimentar um caminho mais direto a uma súmula sobre o tema. Abraços a todos," Antonio Minhoto

"Sr. Redator. Chega a ser surrealista a posição de alguns julgadores em relação ao tema 'honorários da sucumbência' (Migalhas 1.453 – 13/7/06 – "Migalhas dos leitores - Alimentando o debate"). Não dá para entender tão pouco aceitar a distinção que eles fazem num assunto que é tão simples: se a nossa remuneração, graças à qual vivemos (ou sobrevivemos...) é denominada 'honorários', por que tratar de modo diferente os contratuais e os sucumbenciais, atribuindo natureza alimentar apenas àqueles? Tudo não passaria de uma questão de rotulagem da remuneração. Mais estranho, ainda, é o argumento de que os honorários da sucumbência 'não teriam natureza alimentar por estarem atrelados ao ganho da causa'. Ora, se a decisão é alcançada pelo trânsito em julgado, a parte vencida deve pagar os honorários da sua sucumbência ao advogado da vencedora. A álea, portanto, estaria Antes do, deixando de existir Posteriormente ao momento em que a decisão final se pacifica, pondo fim à querela, fazendo certo ao advogado vencedor o direito à respectiva verba da sucumbência, a qual nos pertence por direito (Estatuto da OAB, art. 23) e deve gozar dos privilégios legais, uma vez que compõe as receitas para nosso sustento pessoal e familiar (alimentos). Impressiona, sim, e muito, a pertinaz implicância contra o advogado e os seus ganhos! Contra entendimentos como esse somos obrigados a lutar sem esmorecimento, na defesa do ‘nosso pão’, o que corrobora o acerto da afirmação de João Arruda, no Boletim Migalhas 1.443 (29/6/06): 'É a profissão do advogado uma das mais penosas pelo aspecto de luta constante a que se vê forçado o profissional'." Paulo Marques de Figueiredo Jr. – OAB/SP 14.221

Lições do mestre

Nesse momento em que a questão dos honorários advocatícios vem recebendo destaque na imprensa, convém lembrar as palavras do mestre Noé Azevedo.

Veja abaixo uma Minuta de Agravo sobre o assunto, assinada pelos ilustres juristas Noé Azevedo e Licinio Silva, tendo como agravado o juízo da 1a Vara de Órfãos e Ausentes da Capital.

A Minuta de Agravo, com data de 1932, está publicada no livro “Contra a Ditadura Judicial em Matéria de Honorários”, de Noé Azevedo.

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Minuta de Agravo

Agravantes: NOÉ AZEVEDO e LICINIO SILVA.


Agravado: O JUÍZO DA 1ª VARA DE ÓRFÃOS E AUSENTES DA CAPITAL.

Egrégios Srs. Ministros

Iniciou magistralmente o Meritíssimo Juiz o respeitável despacho agravado, citando um trecho de Giuriati sobre a estimação dos honorários de advogado. Diz o escritor italiano que devem ser apreciados os seguintes pontos:

1.°) Reputação de capacidade e probidade do profissional;

2.°) Dificuldade do trabalho prestado;

3.°) Valor da causa;

4.°) Tempo e estudo presumivelmente necessários para a defesa;

5.°) Gravidade e multiplicidade das questões tratadas; e,

6.°) Mérito intrínseco dos trabalhos.

Enumera depois outros elementos secundários, como as conferências com os clientes, informações, exames, pesquisas, consultas com técnicos, etc.

Mas, transcrevendo a lição desse escritor, o M. Juiz somente apreciou – e aí com grande benevolência – o primeiro e o sexto dos elementos por ele apontados, dizendo que no caso em apreço não se nega a justa nomeada dos requerentes, nem se duvida da excelência do seu trabalho.

Os outros quatros fatores pode-se dizer que foram desprezados. Assim, vejamos:

A dificuldade do trabalho prestado


Diz o M. Juiz que a tarefa não apresentava aos patronos maiores dificuldades, eis que tudo se resumia em interpretar uma disposição testamentária, sustentando o testamenteiro um ponto de vista já, em parte, prestigiado por acórdão anterior, e que tinha por si um bem elaborado parecer do professor José Ulpiano. Esqueceu-se, evidentemente, o novo magistrado, das aflições ainda recentes do tempo em que foi advogado. Devia S. Exa. Ter se colocado na posição dos patronos do testamenteiro, em face da decisão de fls. 891. Aí está a encruzilhada da causa. Aí o ponto neutro onde a ciência jurídica não oferece bússola capaz de dar uma orientação segura ao profissional. Aí temos uma decisão de cores cambiantes como o camaleão do estelionato, na qual se esconde a malícia do juiz. Se o advogado agrava o magistrado nega o recurso, dizendo que a decisão é definitiva. Se interpõe apelação, nega seguimento a mesma, sustentando que o despacho é interlocutório, sem força de sentença definitiva.

E se a ciência não nos dá elementos para uma orientação precisa, maior dispersão de juízo ainda vamos deparar na jurisprudência.

Todo o êxito da causa esteve na dependência do recurso a se interpor da decisão de fls. 891.

Apelamos de uma decisão de sustentação de despacho agravado. E perguntamos: onde já se viu um passo desses nos fastos da nossa jurisprudência? O arrojo era tamanho, a novidade tão escaldante, que o juiz de então negou segmento ao recurso. Interposto agravo do despacho denegatório, foi o mesmo provido pelo Tribunal, para nos dar inteira razão naquilo que o antigo magistrado considerava o maior dos despropósitos, o mais gritante dos absurdos...

E diz o M. Juiz que não houve dificuldade alguma no trabalho, e que a orientação já estava traçada em dez linhas de um ótimo parecer do professor Ulpiano de Souza a fls. 819!

Puzessem o ilustre professor diante da decisão de fls. 891.

Lembraria ele de apelar desse despacho da sustentação de agravo?

Deu-nos, porventura, algum conselho sobre o recurso que interpusemos?

Absolutamente não.

Tudo que fizemos nesta causa é trabalho de advocacia, fruto da perspicácia de advogados e não da ciência de juristas que não somos.

Se não tivéssemos aparecido com esse aparente absurdo, com essa inédita apelação de um despacho de sustentação de decisão agravada; se não tivéssemos visto todo o desdobrar da questão com a mais perfeita nitidez, a causa estaria perdida.

Os bens do espólio teriam sido entregues à Prefeitura, e as “fundações Gil Pinheiro” se volatilizariam, como se volatilizaram os outros sonhos de grande poeta e grande historiador. Desfeita a ilusão de continuador dos Lusíadas, estaria também aniquilada a obra de grande benfeitor que ele imaginou confusamente, mas proveu com precisão e largueza.

E afirma o M. Juiz que não houve dificuldade nisso; que nenhum trabalho nos deu – nem de ordem intelectual nem de ordem material – em salvar uma causa por meio de uma apelação interposta dum despacho em que o M. Juiz sustentava o agravo de que já nos queixávamos ao Tribunal, no recurso respectivo.

Nota que não inquirimos testemunhas nem juntamos muitos documentos.

Mas inquirir testemunhas não é trabalho que se compare com as minutas dos vários agravos interpostos nesta causa, e com a diligência necessária para ganhar todos esses recursos, como ganhamos.

Inquirição de testemunhas só serve para avolumar autos. E estes já eram suficientemente volumosos...

Quanto a documentos, parece que só o testamento do comendador é bastante para rechear uma causa! E o seu perfeito entendimento não demandou menos trabalho do que o estudo da questão do Aguapehy, a mais volumosa, a mais barulhenta e complicada de todas as demandas de terras do Estado de São Paulo.

Parece que o M. Juiz se preocupou muito com dificuldades materiais: inquirições de testemunhas e exame de documentos, esquecendo-se, porém, das dificuldades de ordem superior – das dificuldades intelectuais.

E não foi, evidentemente, a serviço de rábula, e sim a trabalho de advogado, que se referiu Giuriati, quando mandou ter em conta “la difficoltá dell’opera prestata”...

O valor da causa

Entende o M. Juiz que “o valor da lide não era propriamente o dos bens do espólio, que não foram disputados por terceiros, em ações de reivindicações ou outras semelhantes”. E afirma que “o que se discutiu foi tão somente o caráter em que a Municipalidade receberia os bens: se no de legatária com encargos, se no de administradora das fundações ideadas pelo testador”.

Mas, basta atentar para essas próprias palavras do despacho, para logo se ver que o valor da lide era não só o valor dos bens do espólio, como também o valor da própria vida das fundações ideadas pelo testador. Decidir como decidira o antigo juiz – Dr. Renato de Toledo e Silva – que a posição da Prefeitura Municipal era diversa da posição das outras administradoras; decidir que a Prefeitura, em vez de administradora das fundações era legatária de todos os bens do espólio, apenas com o encargo de dar o nome do testador a uma rua ou praça desta imensa Capital, e a algumas escolas ou colégios de cabos eleitorais, (como se viu no Alto da Lapa um desses colégios particulares com a placa “Escola Gil Pinheiro”); decidir assim, é proferir decisão que envolve o valor de todos os bens da fundação, adjudicando-os a uma suposta legatária, e baixar sentença de morte contra as próprias fundações.

As fundações vivem pelo seu patrimônio; são personalidades formadas pela destinação de um patrimônio a um determinado fim.

Entregar esse patrimônio a uma suposta legatária com o encargo dela fazer coisa muito diversa da finalidade das fundações, é mais do que decidir sobre o valor desse patrimônio: é dispor da própria vida dessas personalidades jurídicas.

O que nós, nestes autos, viemos defender, foi o patrimônio e a vida das fundações Gil Pinheiro, contra o propósito deliberado, insistente e reiterado do Dr. Renato de Toledo e Silva, de entregar todo esse patrimônio à Prefeitura Municipal, para ela fazer dele o que quisesse, desde que colocasse algumas placas com o nome do comendador, na esquina de uma rua ou praça, ou na fachada de algumas escolas mantidas ou subvencionadas pelo Município.

Salvamos as fundações; salvamos o seu patrimônio, que é o patrimônio do espólio; e salvamos a vida dessas pessoas morais, que hão de prestar os mais relevantes serviços a menores e moças que aí fenecem ao desamparo numa terra onde o espírito de caridade costuma fazer demonstrações periódicas de uma pujança admirável, mas onde ainda não há uma organização eficiente das instituições de beneficência.

As fundações Gil Pinheiro recebendo o impulso inicial do seu patrimônio hão de prosperar, servindo de núcleo ou centro de aglutinação, como outras tantas instituições que aí estão a lembrar nomes beneméritos, mas que vivem principalmente pelo bafejo da verdadeira caridade cristã, que é a caridade anônima.

Temos, portanto, como certo, que o valor da causa era o valor de cerca de cinco mil e tantos contos dos bens do espólio, pois, que, tirados os pequenos legados, esses bens que foram avaliados em cinco mil quinhentos e quarenta e sete contos trezentos e quarenta e cinco mil e quinhentos réis, tiradas todas as despejas já feitas, mas acrescidos dos rendimentos, apresentam um valor que se deve ser superior a cinco mil contos.

É esse o valor da causa, causa contenciosa, causa largamente discutida em dois agravos e uma carta testemunhável e definitivamente julgada em apelação e em embargos pelo egrégio Tribunal de Justiça.

Ganhamos, portanto, em processo contencioso e acidentado e com vários recursos, uma causa de mais de cinco mil contos de réis, para as fundações Gil Pinheiro. E ao mesmo tempo defendemos e salvamos a própria vida dessas mesmas fundações.

É comuníssimo cobrarem os advogados 20% do valor das causas, quando a remuneração fica dependente do êxito das demandas e funcionam como patronos dos autores, sendo corrente a taxa de 10% quando advogam para os réus.

Aqui se pode dizer que advogamos a causa dos autores. O juiz, sem forma nem figura de processo mandou entregar todos os bens do espólio à Municipalidade para que ela fizesse deles o que bem entendesse. Interpondo apelação da sentença que assim decidiu, intentamos uma verdadeira ação. Ensinam os processualistas que a apelação é uma verdadeira ação iniciada perante a segunda instância. E foi, indiscutivelmente, uma ação, na qual reivindicamos para as fundações Gil Pinheiro, bens no valor de mais de cinco mil contos de réis.

Prestamos os nossos serviços, arriscando perder todo o esforço despendido. A nossa remuneração ficou dependente do êxito da demanda. Se perdêssemos a causa, a parte contrária, que era a Câmara Municipal, não havia de ter o liberalismo de permitir o pagamento de qualquer honorário pelo serviço que prestamos contra ela.

Tínhamos, por conseguinte, segundo a praxe do nosso foro, o direito de exigir 20% de honorários, 20% do valor dos bens, que em ação contenciosa reivindicamos para as fundações Gil Pinheiro.

Tratando-se, todavia, de instituições beneficentes, tivemos em vista apenas o trabalho, as preocupações, e o valor intrínseco do serviço que prestamos, e deliberamos pedir uma quantia que representava cerca de 4% do valor da causa. Pedimos 200:000$000.

O Exmo. Sr. Dr. Promotor de Resíduos e o M. Juiz tiveram a louvável idéia de submeter o caso a arbitramento, sem nos convidar para a louvação em peritos.

A escolha dos três notáveis advogados que elaboraram o laudo de fls. 1150, se fez inteiramente a nossa revelia. Fomos completamente estranhos a todo o processo de arbitramento.

Escolheu o M. Juiz três juristas e advogados de grande nomeada em São Paulo: todos três membros do Conselho do Instituto da Ordem dos Advogados, e um deles seu ex-presidente.

Mas é sabido que esses três profissionais prezam mais a virtude da modéstia, do que o legítimo orgulho do próprio valor intelectual. São excessivamente módicos na estimação dos próprios honorários. O M. Juiz os “escolheu a dedo”.

Levados por essa virtude que, quando chega ao exagero se transforma em defeito, os srs. Peritos nos equiparam a meros corretores de negócios. Qualquer zangão da praça ganha 3% pelo trabalho de aproximação de vendedor e comprador de imóveis. É esta a praxe de São Paulo, já consagrada pela nossa jurisprudência.

Os nossos três ilustrados colegas nos fizeram o obséquio de igualar o trabalho intelectual de advogados a um serviço de simples corretagem. Não nos magoamos com isso. Arbitraram os honorários em 150:000$000, que correspondem a 3% do valor da causa. Com isso, naturalmente, visaram favorecer as instituições beneficentes que vimos defendendo, e atender a opinião já manifestada pelo Dr. Promotor de Resíduos, que era pela redução do nosso pedido. Foram mais humanos do que justos. Como homens, e não como advogados, sentimo-nos no dever de concordar com essa justiça de Salomão, ou com esse arbítrio de bons varões.

Mas veio a dolorosa surpresa do despacho agravado. O dr. Promotor de Resíduos opinara pela redução dos honorários a 100:000$000. Mas o M. Juiz reduziu-os a 75!

A título de caridade ainda poderíamos nos conformar com mais essa redução e até mesmo com a prestação gratuita dos serviços. Mas a dignidade dos advogados não pode suportar semelhante golpe. E esse golpe não os fere individualmente. Atinge a própria classe. É o corpo dos advogados de São Paulo que se vê diminuído e até mesmo um tanto aviltado numa das suas mais sérias prerrogativas. Os advogados em geral vivem dos aleatórios rendimentos da profissão. Somos verdadeiros proletários intelectuais. Podemos admitir que o nosso Código do Processo enquadre a nossa remuneração debaixo da rubrica de salários. Estamos agravando sob a égide de um dispositivo do Código que fala em pagamento de salários. Operários intelectuais, reclamamos o salário que é o pão nosso de cada dia. Nesta quadra socialista e quase comunista já não reclamamos a expressão fidalga de honorários. Aceitamos de bom grado os salários. Mas será doloroso receber gorjeta...

E não só por isso o respeitável despacho fere e requeima a classe dos advogados. Ofende também as suas suscetibilidades, porque o M. Juiz, escolhendo um ex-presidente do Instituto da Ordem dos Advogados, atualmente membro do seu Conselho, e mais dois conselheiros dessa mesma Ordem, escolheu, evidentemente, três dos mais lídimos representantes da classe dos advogados em São Paulo.

Ora, são os advogados pela sua corporação de classe que hão de estabelecer a remuneração dos seus serviços e não os membros da magistratura, por mais ilustres e conscienciosos que sejam.

Se assim não fosse, se não constituísse uma prerrogativa da classe, a estimação dos seus trabalhos, não haveria necessidade de se escolherem peritos entre os advogados, entre os médicos ou entre os engenheiros para o arbitramento de honorários.

Surgindo uma ação de cobrança ou um pedido de pagamento de honorários de qualquer desses profissionais, o juiz deveria ir logo fixando-os de acordo com a sua disposição de espírito no momento.

E o que mais admira em tudo isto é que o ilustrado promotor de resíduos que há tão pouco tempo era o secretário do Instituto da Ordem dos Advogados, quando presidido por um dos peritos, pelo venerando dr. Antonio Mercado, começa tão cedo a sentir os efeitos deprimentes do emprego público, dando mostras de exagerado horror às responsabilidades.

Mas a admiração redobra quando notamos que o ilustre magistrado que proferiu o escaldante despacho agravado, saiu, há dois anos apenas, da primeira plana dos advogados da Capital, diretamente para a Vara de Juiz de Órfãos de São Paulo, cargo a que tem imprimido um brilho excepcional, afastando-se, entretanto, de tal maneira do espírito da nossa classe, que já discorda até dos antigos colegas da sua mais absoluta confiança. Discorda dos peritos que não foram louvados, mas escolhidos por ele próprio, como pessoas e como profissionais de sua absoluta, incondicional e plena confiança.

Tempo e estudo presumivelmente necessários para a defesa


Entende o M. Juiz “que as petições e arrazoados dos patronos não lhes teriam custado excessivo estudo nem consumido tempo muito dilatado”.

Entretanto observamos que a demanda com a Câmara Municipal surgiu com a nossa petição de 4 de Junho de 1929 e só terminou com o acórdão de 4 de Maio de 1932, que transitou em julgado a 23 de Junho do mesmo ano. Foram, portanto, três anos de demanda. Durante todo esse tempo tivemos de nos conservar atentos e de acompanhar todos os recursos interpostos, trazendo sempre presentes todas as minúcias da questão para não periclitar a defesa dos direitos que patrocinávamos.

E quem diz três anos de demanda com vários incidentes, diz necessariamente três anos de constantes preocupações. Dessa maneira, se o estudo da causa não demandava muito tempo, o certo é que tivemos de acompanhar o seu processo durante mais de três anos.

Deve-se, entretanto, observar que esse estudo não foi tão simples assim.

Quando surgiu esta demanda, já os autos do inventário estavam com quatro volumes e mais de 800 folhas. O testamento já fora objeto de larga discussão entre o testamenteiro, o promotor de resíduos e o representante da Mitra Arquidiocesana. Essa discussão nos roubou algum tempo de estudo, trazendo poucos subsídios para a interpretação do testamento, pois que a Municipalidade reclamava para si uma posição muito diversa das outras supostas legatárias, que desistiram da “prebenda” contida no testamento.

Não foi, portanto, tão insignificante, como supõe a veneranda decisão, o tempo consumido no estudo da causa. Não bastaria ler o testamento. Era preciso examinar atentamente tudo quanto já se discutira. Demais, vai um tanto de pretensão na afirmativa de que o testamento oferecia dados suficientes para a decisão da causa, como quem diz que “bastava ler o testamento para formar juízo e decidir a controvérsia”.

Não temos no Brasil um estudo sistemático ou monografia sobre fundações. São excessivamente parcimoniosos os comentários dos poucos artigos do Código, sobre o assunto. Temos que recorrer a pareceres e escritos esparsos e a autores estrangeiros. E só depois de um grande trabalho de pesquisa é que qualquer jurista poderá declarar-se senhor do assunto.

Confessamos que esse estudo demandou bastante tempo e que ficamos sabendo alguma coisa a respeito desse instituto jurídico, mas ainda assim não nos sentimos habilitados a dizer ex-cathedra, diante de um testamento parecido com o de Gil Pinheiro, se ele contém um legado modal ou uma fundação.

O nosso trabalho não se limitou, como supõe o M. Juiz, à leitura do testamento.

Admitamos, porém, que bastasse a simples leitura dessa tormentosa peça dos autos para a formação de um juízo seguro. Esse juízo somente poderia ser formado por quem, como o M. Juiz, já houvesse consumido muito tempo no estudo dos problemas de direito, ligados à formação dessas personalidades puramente objetivas. Seria a repetição daquele caso do relojoeiro de Maria Antonietta. Conta-se que um dia parou um riquíssimo relógio adereço, objeto de grande estimação da desditosa rainha de França. Todos os relojoeiros célebres examinaram a jóia sem descobrir o defeito do minúsculo aparelho. Mas indicaram um relojoeiro que morava num bairro afastado e que seria capaz de fazer a reparação. A rainha foi procurá-lo pessoalmente. Ele examinou a peça atentamente durante alguns minutos, descobrindo o defeito. Deu-lhe uma pequenina martelada e o relógio começou a andar regularmente. A rainha perguntou quanto era o serviço e o relojoeiro pediu 50 francos. Ela achou que era muito dinheiro por uma simples martelada. Mas o artífice respondeu que ela devia levar em consideração todo o tempo que ele levou para aprender a dar aquela martelada que nenhum outro relojoeiro de Paris pôde dar.

Nós não podemos resolver o nosso caso com a mesma facilidade do mestre relojoeiro.

Mas o M. Juiz, sendo capaz de resolver com a mesma prontidão e acerto, deve se lembrar de todo o tempo que levou queimando as pestanas em cima dos livros, para adquirir um conhecimento perfeito de um dos mais complicados institutos jurídicos.

Demais, precisamos lembrar que o grande artífice do nosso direito civil, o mestre excelso que é Clóvis Beviláqua, tendo de opinar sobre a questão debatida à vista somente do testamento, errou clamorosamente... a ter-se como verdade o caso julgado que supomos estar de acordo com o direito e representar a verdadeira justiça.

Isto demonstra que a questão jurídica era difícil, e que não podia nem devia ser resolvida somente com a leitura do testamento, sendo necessário que se ponderassem todas as dúvidas e dificuldades suscitadas pela discussão travada nos autos.

Se acertamos, não foi por acaso, e sim pelo estudo paciente e demorado, pois que detestamos os raciocínios rápidos, os pareceres ligeiros dos juristas “coup de foudre”.

Gravidade e multiplicidade das questões tratadas


Sobre a gravidade do trabalho bastará relembrar que se não tivéssemos apelado do despacho de sustentação, de fls. 891, todos os bens do espólio teriam sido entregues à Municipalidade, para ela fazer dos mesmos o que bem entendesse, pois o juiz declarou aí que ela era simples legatária, sem obrigação de erigir as obras de beneficência determinadas pelo testador, ficando apenas com o encargo, facilmente sofismável, de colocar umas taboletas e placas com o seu nome em algumas escolas e nas esquinas de uma rua ou praça.

Assentar que o recurso cabível desse despacho era apelação, apelar do mesmo e sustentar a sua admissibilidade, em agravo, para ver, por este argumento, admitida a apelação, era, realmente, dar um passo de conseqüências gravíssimas. E porque não dizer que era também grave, sério, muito sério mesmo, sustentar uma demanda porfiada contra a Prefeitura Municipal, no tempo em que os prefeitos mandavam de verdade?

Veio depois o regímen do poder discricionário.

Foram demitidos promotores, juízes, ministros; e distribuídos com grande elegância os chamados “bilhetes azuis”... Estes autos foram várias vezes parar às mãos de secretários da Justiça, tanto da antiga como da nova República. E nós sempre mantivemos firme o nosso ponto de vista, sustentando que o testador instituíra fundações e que estas deviam e devem ser erigidas, cumprindo-se, quanto possível, a sua vontade, por mais cobiçado que seja o seu patrimônio, por parte dos poderes públicos: pelo do Município sob a forma de legados; e pelo do Estado sob a forma de impostos a serem arrecadados com a entrega da herança aos herdeiros do testador.

Nessas condições, o elemento “gravidade” de que fala Giuriati, entrou em larga dose neste pleito.

Múltiplas também foram as questões tratadas.

A primeira foi a propósito da construção do “Patronato Gil Pinheiro”; surgiu em seguida o litígio com a Prefeitura Municipal, a quem o juiz mandou praticamente entregar todos os bens do espólio, declarando que a mesma era legatária e não administradora das fundações Gil Pinheiro; tivemos a seguir a discussão sobre a reforma de prédios em ruínas que a Prefeitura nestes autos impedia se fizesse, e que ao mesmo tempo, por outra repartição, intimava o testamenteiro a reparar, sob pena de demolição! E tivemos ainda a prestação de contas do inventariante e testamenteiro, com uma exposição documentada de 38 folhas e 466 documentos.

Nos autos dessa prestação de contas travou-se novo litígio da Câmara Municipal, que com argumentos os mais fúteis pretendeu reformar por via de agravo a sentença definitiva que julgara essas contas. E o mesmo juiz que nos havia negado apelação do seu despacho interlocutório com força de definitivo, apelação depois admitida pelo Tribunal, provendo o nosso agravo – esse mesmo juiz, de uma longanimidade extrema para com a Câmara Municipal – permitiu que ela agravasse de uma decisão final e definitiva, como é a sentença que julga uma prestação de contas!

E foi preciso um novo agravo para que o Tribunal impedisse a futilíssima discussão suscitada pela suposta legatária.

Não foi, portanto, uma única questão a que se discutiu nestes autos. O despacho agravado enxergou somente uma questão de interpretação do testamento.

Mas verão os Srs. ministros – se puderem compulsar os autos – que foram múltiplas as questões suscitadas. Múltiplas e graves, como quer Giuriati, para uma boa apreciação dos honorários de advogado.

Mérito intrínseco dos trabalhos


O M. Juiz – com excessiva gentileza – declarou não duvidar da excelência dos trabalhos, predicado esse de que nós duvidamos. Mas acha que foi pouco o trabalho. Entende que as petições e arrazoados não demandaram muito tempo nem grande estudo.

Confessemos que realmente não escrevemos muito nesta causa. Poucos autores citamos. Talvez seja esta minuta o arrazoado mais longo de todo o feito. Mas se isso se deu foi justamente porque tínhamos estudado o direito e os fatos com tempo suficiente para sermos breves. Devemos sempre lembrar aquele conceito de Vieira ao finalizar uma das cartas ao Marquês de Niza, na qual tratara dos mais complicados assuntos diplomáticos – conceito que constitui uma verdadeira chave de ouro: “Esta vai longa porque não tive tempo de ser breve...”

A principal preocupação dos advogados deve ser a de simplificar tanto os problemas de direito como as questões de fato. Deve ferir a questão principal, usando somente dos bons argumentos, e abandonando o acessório, que só serve para confundir. Em vez de levantar controvérsias sobre o direito, deve estudar pacientemente as questões jurídicas, e expor com a máxima singeleza e concisão o direito aplicável ao fato.

Foi isso o que procuramos fazer.

E tivemos a satisfação de ver afinal o nosso trabalho aprovado pelo eminente mestre Dr. Francisco Morato, em erudito parecer contraposto ao de Clóvis Beviláqua, apresentado quando a causa estava já em grau de embargos, e o extraordinário conforto de um acórdão unânime, assinado por cinco ministros do Tribunal.

Não escrevemos muito; mas tudo quanto escrevemos era necessário e está certo, desde que se tenha como certeza o juízo dos tribunais.

Todos os nossos recursos foram providos. Sem esses recursos os bens do espólio estariam hoje incorporados ao patrimônio da Municipalidade, em vez de constituírem a base das fundações Gil Pinheiro.

Como se há de medir o valor intrínseco do nosso trabalho?

Pela sua extensão, pela riqueza das citações, pela ostentação de erudição, ou pela simplificação dos fatos e pelo acerto da demonstração do direito aplicável à espécie?

Digam os ministros do Tribunal, com a necessária JUSTIÇA!

São Paulo, 27 de Dezembro de 1932.

(a.) Noé Azevedo

__________

Fontes:

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