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STF mantém obrigação de planos de saúde ressarcirem SUS por atendimento a clientes de plano privado

Na mesma ação, Corte definiu que lei dos planos só vale para contratos firmados após sua vigência.

7/2/2018

Contratos relativos a planos de saúde celebrados antes de 4 de junho de 1998, quando passou a vigorar a lei 9.656/98, não são atingidos por regras nela estabelecidas. Assim entendeu o plenário do STF ao julgar nesta quarta-feira, 7, a ADIn 1.931, na qual a Confederação Nacional de Saúde questionava uma série de dispositivos da lei.

Por unanimidade, nos termos do voto do relator, ministro Marco Aurélio, a Corte julgou parcialmente procedente o pedido da Confederação para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 10, § 2º, e 35-E da referida lei, bem como o art. 2ª da MP 2.177/01.

No mesmo julgamento, os ministros entenderam que é constitucional dispositivo da lei dos planos que obriga as operadoras a ressarcirem o SUS em caso de atendimento a pessoas que têm plano privado.

Julgamento

A ação teve medida cautelar deferida parcialmente pelo plenário do Supremo em 2003, quando então foi determinado que a referida lei não retroagiria sobre os contratos anteriores.

Posteriormente, foram apresentados embargos de declaração à decisão, e o Tribunal esclareceu que continuam a depender de prévia anuência da ANS os reajustes de contratos firmados a partir dessa norma, com redação dada pela MP 2.177/01, não devendo ser alcançados os contratos celebrados antes da edição da lei.

Com a retomada da questão nesta quarta-feira, foram feitas as sustentações orais tanto da defesa do impetrante quanto de Grace Mendonça, pela União. Em seguida, votou o relator, ministro Marco Aurélio, que decidiu ponto a ponto os pedidos da ADIn.

Abrangência

Inicialmente, Marco Aurélio observou que, desde a propositura da ação, em 98, alguns preceitos impugnados sofreram uma série de alterações por leis posteriores. De modo que a ação foi julgada prejudicada em parte por perda superveniente de objeto. Os demais ministros acompanharam o relator neste ponto.

Passando à análise, o ministro tratou inicialmente dos artigos 10º, 11º e 12º, questionados na ação, os quais dispõem sobre a abrangência e os limites de cobertura dos planos de assistência médica privada. Marco Aurélio observou que, pela lei, foram excluídos da cobertura tratamentos experimentais, medicamentos não nacionalizados, bem como os com finalidade estética, "evitando a imposição de ônus excessivo aos prestadores de serviço". Por outro lado, foram incluídos aspectos básicos de atendimento ambulatorial, hospitalar, obstétrico e odontológico, "sem os quais a prestação seria incompleta, onerando demasiadamente o consumidor".

Neste ponto, portanto, o ministro entendeu improcedente a articulação por desproporcionalidade, por falta de razoabilidade e de conflito dos referidos artigos com a CF, votando pela improcedência.

Idosos

Quanto ao art. 15, parágrafo único da lei dos planos, o qual dispõe sobre as variações de preços de acordo com a idade do consumidor, também foi alegada ofensa ao devido processo legal substantivo. O ministro observou que a norma inviabiliza a variação da contraprestação pecuniária relativamente a consumidores com mais de 60 anos, medida que “não é despropositada”. "Trata-se de regra protetiva aliada aos postulados constitucionais no que assegura tratamento digno a parcela vulnerável da população."

Também foi questionado o § 5ª do art. 19, de acordo com o qual as operadoras terão 180 dias para requerer autorização de funcionamento à ANS, mas, independentemente do cumprimento das formalidades, os usuários de produtos contratados a partir de 2 de janeiro de 99 estão garantidos sobre o que foi disposto na lei e sua regulamentação. Para Marco Aurélio, a norma estabelece que, independentemente de impasses no registro administrativo, os consumidores não podem ser prejudicados.

Nestes dois pontos, também foi julgada improcedente a ação.

Ressarcimento ao SUS

Outro polêmico ponto discutido foi a necessidade de ressarcimento, pelas operadoras de saúde, ao SUS em caso de atendimento de pessoas detentoras de planos privados, se o tratamento estiver previsto no respectivo contrato. A regra está no art. 32 da referida lei. Para Marco Aurélio, o dispositivo é compatível com a CF.

Ele destacou que a regra não implica a criação de novas fontes de receitas para a seguridade, mas sim consiste em desdobramento da relação contratual entabulada em ambiente regulado. No entendimento do relator, o reembolso decorre de falha na execução da avença relativa ao plano de saúde, e não da necessidade de aumento das receitas da seguridade social. Daí se extrai não ter sido o ressarcimento instituído para custear a seguridade social, mas para recompor despesas públicas atribuídas aos atores privados.

"Se a atuação dos planos de saúde envolve o ressarcimento de hospitais e clinicas privados pela prestação de serviço de saúde, a gratuidade do Sistema Único de Saúde desobriga o reembolso? A resposta se mostra negativa."

Improcedente, portanto, o pedido de inconstitucionalidade do referido artigo.

Retroatividade

Por fim, o ponto central da discussão tratava da retroatividade da lei. De acordo com a ação, os artigos 10º, § 2º e 35 da lei 9.656/98 ofendem o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.

Neste dispositivo, entendeu Marco Aurélio, a norma destoa do texto maior. “A vida democrática pressupõe segurança jurídica, e essa não se coaduna com o afastamento de ato jurídico perfeito mediante a aplicação de lei nova." Assim, entendeu impróprio inserir em relações contratuais anteriores disposições sequer previstas pelas partes quando da manifestação de vontade.

"A retroatividade determinada por esses preceitos faz incidir regra da legislação nova sobre cláusulas contratuais pré-existentes firmadas sob a égide do regime legal anterior, que a meu ver afrontam o direito consolidado das partes, de tal modo que violam o princípio consagrado no inciso 36 art. 5 da CF e põe-se em contraste com a jurisprudência desta Corte."

O relator concluiu que o legislador, com o intuito de potencializar a proteção ao consumidor, extrapolou as balizas da Carta Federal, pretendendo substituir-se a vontade dos já contratantes.

Assim, entendeu por julgar parcialmente procedente a ação, para julgar inconstitucional a lei apenas nos pontos em que trata da retroatividade. Em todos os pontos, o ministro foi acompanhado à unanimidade.

Recurso extraordinário

Na mesma sessão, posteriormente ao julgamento da ADIn, foi apregoado para julgamento o RE 597.064, com repercussão geral reconhecida, que também tratava da constitucionalidade da exigência legal de ressarcimento ao SUS pelos custos com o atendimento de pacientes beneficiários de planos privados de saúde.

Prevista no artigo 32 da lei dos planos, a obrigação foi confirmada pelo TRF da 2ª região. Contra essa decisão, a Irmandade do Hospital Nossa Senhora das Dores interpôs o recurso. Com o tema já debatido pelo plenário, foi negado provimento ao recurso por unanimidade.

Como tem repercussão geral reconhecida, o relator, ministro Gilmar Mendes, propôs a seguinte tese, a qual foi acolhida pelos demais magistrados:

"É constitucional o ressarcimento previsto no art. 32 da lei 9.656/98, o qual é aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares e ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 4/6/98, assegurados o contraditório e a ampla defesa no âmbito administrativo em todos os marcos jurídicos."

Em seu voto, Gilmar fez uma reflexão acerca do tema e defendeu a rede pública de saúde brasileira. "Quem entende do sistema ressalta a importância do SUS. Esse mal falado SUS, vilipendiado, de alguma forma, foi uma grande conquista em termos de expansão de direitos." Ele destacou a necessidade de se pensar em um sistema que seja sustentável financeiramente, e observou que os recursos são insuficientes. "Por quê? Porque gostemos ou não temos uma sociedade extremamente desigual."

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