A 6ª turma do STJ, por unanimidade, restabeleceu decisão que rejeitou denúncia contra o gerente geral de uma multinacional, investigado pela prática de formação de cartel, fraude à licitação e por fraude em prejuízo da Fazenda Pública. O colegiado entendeu pela insuficiência da narrativa dos fatos na denúncia.
De acordo com a denúncia, houve uma suposta cartelização praticada pelo gerente em conluio com diretores de outras empresas multinacionais, visando a elevação artificial de preços para fornecimento e instalação de sistemas para transporte ferroviário em São Paulo.
Em primeiro grau, a denúncia foi rejeitada sob o fundamento de que como a cartelização pressupõe a convergência de esforços de modo a impedir que a administração pública alcance a melhor proposta, esse resultado não foi alcançado, uma vez que a licitação foi vencida por empresa estranha ao “pseudo cartel”.
O TJ/SP, no entanto, entendeu que a rejeição da denúncia não foi acertada. A decisão entendeu que nos documentos juntados aos autos haveria evidências da formação de cartel entre as empresas apontadas na denúncia visando, de forma que a responsabilidade penal do gerente e dos outros denunciados só poderia ser alcançada depois de terminada a instrução criminal.
No STJ, o entendimento foi outro. Em relação ao crime de fraude à licitação, mediante ajuste ou combinação (artigo 90 da lei 8.666/93), o relator, ministro Nefi Cordeiro, verificou a prescrição da pretensão punitiva do estado por aplicação do artigo 109, IV, do CP. O dispositivo estabelece prescreve em oito anos a pretensão punitiva estatal, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro.
“Transcorrido lapso temporal superior a oito anos desde a data dos fatos em 2 de maio de 2008, data do recebimento e abertura dos documentos e propostas da última licitação, até a data do recebimento da denúncia, em 30 de junho de 2016, configura-se a perda da pretensão punitiva estatal, porquanto os fatos são anteriores à lei 12.234/10."
Em relação à fraude em prejuízo da Fazenda Pública, Nefi Cordeiro entendeu que, por se tratar de delito material, deve ser demonstrado o efetivo prejuízo aos cofres públicos na peça acusatória. Ele destacou, no entanto, o fato de que as empresas não conseguiram obter a adjudicação do objeto da licitação.
“Conforme registrou a própria decisão de rejeição da denúncia, o acordo supostamente praticado pelos denunciados não produziu nenhum efeito no processo licitatório. Os acusados perderam as duas licitações das quais participaram e o objeto adjudicado foi atribuído à empresa licitante vencedora e, nas que eventualmente venceram, foi porque ofertaram o menor preço.”
Em relação ao crime de cartel, o ministro destacou que o delito previsto no artigo 4º, II, da lei 8.137/90 exige a demonstração de que os acordos, ajustes ou alianças entre os ofertantes tinham por objetivo domínio de mercado, mas que, no caso, as tratativas descritas na denúncia referiam-se apenas a duas licitações, uma para contratação de 320 vagões e a outra para aquisição de 64 vagões.
“As condutas tidas por anticompetitivas referiam-se exclusivamente a dois procedimentos licitatórios, sendo certo que, pela descrição da denúncia, não se pode inferir que os acordos narrados configurariam, no limite descrito, domínio de mercado, apto a subsumir no delito do artigo 4º, II, a, b e c, da lei 8.137/90.”
Pela “ausência de mínima descrição do efetivo prejuízo à Fazenda Pública exigido pelo artigo 96 da Lei 8.666/93, uma vez que o bem licitado foi adjudicado a empresa estranha ao suposto cartel; do domínio de mercado exigido pelo artigo 4º da Lei 8.137/90 para a caracterização do cartel e da demonstração de que as tratativas não ultrapassaram a fase de cogitação” o ministro entendeu pelo restabelecimento da decisão de rejeição da denúncia, com fundamento no artigo 395, inciso III, do CPP.
O gerente é representado no caso pelo advogado Alberto Zacharias Toron (Toron, Torihara e Szafir Advogados).
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Processo: REsp 1.683.839
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