A 1ª câmara Criminal do TJ/ES decretou, em sessão realizada nesta quarta-feira, 18, a prescrição do crime que vitimou o padre francês Gabriel Maire, assassinado no dia 23 de dezembro de 1989. Chamou a atenção no caso o sensível voto do desembargador Pedro Valls Feu Rosa.
O relator apontou que o prazo prescricional só não correria se houvesse outro processo questionando a existência do crime, o que não é o caso dos autos. Citando versos de Castro Alves, asseverou:
“Assim agradeceu nossa Pátria a quem aqui chegou trazendo na bagagem não o mal e a cobiça, mas simplesmente uma imensa vontade de ajudar! Porém, não seria esta a indignidade final que nosso país praticaria contra este Sacerdote. Faltava algo. Que ficassem impunes, seus algozes. (...)
Sim, faltava a impunidade mais abjeta para que completa a vingança do mal contra aquele que ousou desafiá-lo. É assim que, decorridos 28 longos anos, recebo a triste tarefa de comunicar à Sociedade que o Poder Judiciário não dará resposta final alguma acerca deste crime. Coube-me o dever humilhante de anunciar que está tudo realmente prescrito."
O desembargador fez referência à orientação do STF no sentido de que as causas de interrupção do prazo prescricional são taxativas, não admitindo ampliação.
Dor conhecida
Pedro Valls Feu Rosa destaca no voto que tem condições de avaliar “com perfeição a extensão da dor dos parentes da vítima – por já tê-la experimentado, e duas vezes”.
Um tio do relator foi assassinado em 1990 e, seis anos depois, outro parente também teve igual destino; ambos os casos foram arquivados.
“Hoje é, pois, um dos dias mais tristes de minha vida! Um dia de negação de minha profissão. De reflexão - e desilusão - sobre meu papel nesta vida. Cá estou, Desembargador de um Tribunal de Justiça, a cuja família o Poder Judiciário abandonou - e de forma vil - por duas vezes, obrigado a infligir idêntica dor à família de um sacerdote cujo único crime foi vir ao Brasil procurar semear o bem!”
O relator afirma que tentou, sem sucesso, buscar “algum arremedo de conforto moral à memória da vítima”. Ao lamentar a triste situação de impunidade no país, especialmente em casos de crime organizado, o desembargador encerrou pedindo desculpas pelo resultado do processo.
“Fica, assim, decretada a impunidade, digo, a prescrição.”
-
Processo: 0023600-20.1998.0.08.0035
Veja o voto do desembargador Pedro Rosa.