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Juiz usa poesia em decisão sobre estátua de Manoel de Barros: "E agora, Mané?"

Magistrado concedeu liminar para impedir instalação não autorizada de uma estátua do poeta Manoel de Barros.

6/9/2017

"E agora, Mané?" Versos parodiando Carlos Drummond de Andrade compõem a sentença literária proferida pelo juiz de Direito David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande/MS. O magistrado concedeu liminar para impedir que uma estátua de bronze do poeta Manoel de Barros fosse instalada no canteiro central de uma avenida da cidade.

O MP/MS ajuizou cumprimento de sentença contra o município de Campo Grande a fim de impedir que a estátua fosse instalada na avenida Afonso Pena ao alegar que o canteiro foi tombado como patrimônio histórico e cultural da cidade por decisão judicial e só poderia sofrer intervenções mediante autorização da Secretaria da Cultura e do Instituto de História e Geografia de MS.

Embora a secretaria tenha dado parecer favorável, o Instituto foi contra a pretensão, visto que no exato local da instalação existe um sítio arqueológico militar, e que "o mito 'Manoel de Barros' não se harmonizaria com a história específica daquele local". O Instituto, no entanto, não se oporia a que fosse instalada no mesmo canteiro, mas fora daquele sítio.

Não haveria forma melhor de decidir o imbróglio senão de forma poética. Antes de proferir sua decisão, o juiz David de Oliveira destacou que as decisões judiciais não costumam abrigar a poesia mas, neste caso, ela trouxe um pouco de leveza à aridez do processo e do Direito. "É uma flor nascendo na fresta de uma pedra. Talvez seja o 'Efeito Manoel de Barros' de fazer brotar beleza nos locais mais improváveis."

"Um poeta, amante da natureza, materializador de abstratices, exímio desengavetador de palavras, profundo conhecedor do delírio lúcido. Será que ele iria querer se meter em tamanha confusão, para ficar sentado no centro da cidade, em frente ao Hotel de Trânsito dos Oficiais?"

Lembrando o que foi definido em processo anterior acerca do canteiro e possíveis intervenções, sentença que já transitou em julgado, e que o instituto Histórico não aprovou a modificação, o magistrado determinou que se recomponha a área preparada para receber a homenagem.

Autorizou, no entanto, que a homenagem seja prestada em outro lugar que não obtenha as restrições.

Em caso de descumprimento, a multa foi arbitrada em R$ 100 mil.

Veja a íntegra do poema.

E agora, Mané?
A festa nem começou,
as luzes não acenderam,
o povo não chegou,
a homenagem parou,
e agora, Mané?
e agora, você?
você que quer homenageá-lo,
você que quer proteger o patrimônio histórico,
você que faz obras,
você que faz processos,
e agora, você?

A base de concreto está sem estátua,
o Mané sem homenagem,
o sítio arqueológico militar sem respeito,
o homem sem reflexão,
a mulher sem compreensão,
e a noite esfriou,
o dia não veio,
não veio a utopia,
e tudo parou,
e tudo esperou,
e tudo judicializou,
e agora, Mané?

E agora, Mané?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
sua simplicidade – e agora?

Com a caneta na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer atirar no mar,
mas o mar secou;
quer ir para casa,
casa não há mais.
Juiz, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você abandonasse...
mas você não desiste,
você enfrenta, juiz!

Sozinho no escuro
qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você decide, juiz!
Juiz, para onde?

Confira a decisão.

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