Migalhas Quentes

Desembargadora vê inconstitucionalidade em MP que concedeu automaticamente certificação a entidades beneficentes

9/6/2017

A desembargadora Federal Leticia de Santis Mello, do TRF da 2ª região, arguiu a inconstitucionalidade do art. 37 da MP 446/08, por violação dos arts. 37, caput, 93, IX, arts. 5º, caput e I¸ e 19, III, da CF/88, que impõem ao Estado a observância aos princípios da publicidade, neste compreendido o dever de fundamentação dos atos administrativos, da moralidade, da impessoalidade e da isonomia.

Apesar de ter sido rejeitada, durante o período que vigorou, a MP concedeu automaticamente a Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social - CEBAS para várias instituições que não preenchiam os requisitos legais. Para a desembargadora, diante da produção de efeitos pela MP, é cabível a declaração incidental da sua inconstitucionalidade.

No caso, a 3ª turma Especializada do TRF iniciou o julgamento de apelações interpostas pela União e por um centro educacional em face de sentença que julgou procedentes pedidos formulados em ação civil pública, proposta pelo MPF, para declarar a nulidade do art. 1º, 13, 81 e 273 da Resolução CNAS 7, de 3/2/09 e, consequentemente, anular os Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS concedidos ao centro educacional com fundamento no art. 37, caput, da MP 446/08.

O juízo de 1º grau entendeu que o art. 37, caput e parágrafo único, da MP seria inconstitucional, por afronta: (i) ao disposto no art. 195, § 7º, da CF/88, “uma vez que, ao automatizar os requerimentos de renovação do CEBAS e tornar prejudicadas as representações em face das renovações, subtraem do órgão competente a análise quanto aos requisitos legais para o reconhecimento da imunidade tributária; (ii) aos princípios da moralidade e da isonomia, “vez que o dispositivo ora impugnado igualou as entidades que realmente faziam jus à certificação com outras que não preenchiam os requisitos legais para tanto; (iii) ao princípio do devido processo legal administrativo, “pois o referido ato normativo determinou a concessão da renovação dos CEBAS e o prejuízo das representações formuladas em face das renovações por atos totalmente desprovidos de motivação idônea”. Firmada essas premissas, assentou que a resolução do CNAS 7/09 seria nula, por ter seu fundamento de validade em norma inconstitucional.

Para a desembargadora, a sentença deve ser mantida, contudo, manutenção da mesma não prescinde do afastamento do art. 37 da MP 446/08, o que obriga à instauração de incidente de arguição de inconstitucionalidade e afetação do processo ao Órgão Especial do Tribunal (art. 12, VII, do RITRF2).

O art. 37 da MP nº 446/2008 corporifica norma com comando claro e objetivo, sem caráter polissêmico, estabelecendo que fica autorizada a concessão automática do CEBAS para todas as instituições que estivessem com o pedido de renovação pendente de aprovação na data da publicação da MP (7/11/08), mesmo que estivessem tendo o certificado contestado junto ao CNAS.

Para ela, para a incidência, no caso, do art. 97 da Constituição, pouco importa que o art. 37 da MP 446/08 tenha perdido a eficácia com a sua não conversão em lei, “tendo em vista que o dispositivo continuou regendo as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência, conforme explicitarei a seguir.”

Portanto, antecipando também meu posicionamento a respeito da inconstitucionalidade do art. 37, caput e parágrafo único, da MP 446/08, entendo que o caso recomenda a instauração do incidente de arguição de inconstitucionalidade, observando o princípio estabelecido no art. 97 da CF/88 e os procedimentos previstos no Regimento Interno deste Tribunal.

Em seu voto, a desembargadora relata que, durante a tramitação da MP 446/08 no Congresso Nacional, o teor do art. 37 foi alvo de severas críticas dos parlamentares. “Parte da oposição à época considerou que a concessão automática do CEBAS para entidades filantrópicas, sem a análise dos requisitos legais para a emissão do certificado, configurava verdadeira renúncia de receita por parte da Administração, além de implicar o beneficiamento de uma série de instituições cuja idoneidade estava sob suspeita, em razão das representações contra elas oferecidas perante o CNAS.”

Segundo ela, por tais razões, não é fato desconhecido que a MP foi apelidada por parlamentares oposicionistas à época de “MP da Pilantropia”, tendo a alcunha sido vastamente divulgada pela imprensa nacional.

A magistrada ressalta que por não ter sido editado o decreto legislativo de que trata o § 3º do art. 62 da CF/88, por força do que dispõe o § 11º do mesmo artigo, o art. 37 da MP não deixou de ter aplicabilidade às relações jurídicas constituídas no período e, na verdade, de produzir integralmente seus efeitos. Segundo ela, após a entrada em vigor dos dispositivos citadas, a regra passou a ser a manutenção das relações jurídicas firmadas, salvo se eventual decreto legislativo, editado no prazo fixado na CF/88, dispuser de forma diversa.

“Assim, por força do que dispõe o § 11º do art. 62 da CF/88, a rejeição da MP 446/08 pelo Congresso Nacional não implicou a supressão da autorização que levou aos atos administrativos que concederam automaticamente o CEBAS a entidades filantrópicas com pedidos de renovação ou representações pendentes de julgamento junto ao CNAS. Por força da ultratividade determinada pela Constituição, a MP 446/08 permaneceu disciplinando as relações jurídicas verificadas no período de sua vigência, o que deu ensejo ao ajuizamento de diversas ações coletivas, como a presente ação civil pública.”

A desembargadora Leticia de Santis Mello ressaltou entender que a MP é inconstitucional por violação aos princípios da publicidade (arts. 37, caput, e 93, IX, da CF); moralidade e impessoalidade (art. 37, caput); e da isonomia (arts. 5º, caput e i¸ e 19, III).

Veja a íntegra do voto-visto da desembargadora no caso.

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