Não é preciso demonstrar habitualidade e reiteração no uso de um bem em tráfico de drogas, nem sua modificação para esconder o entorpecente, para que seja efetuado o confisco previsto no art. 243, parágrafo único, da CF. Assim determinou o plenário do STF em sessão desta quarta-feira, 17.
No julgamento, que analisava processo de relatoria do ministro Luiz Fux, com repercussão geral reconhecida, foi fixada a seguinte tese:
"É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade e reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para se dificultar a descoberta do local ou do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no art. 243, parágrafo único da Constituição Federal."
No caso em análise, a droga foi encontrada no porta-malas do veículo. O juízo de 1ª instância concluiu pela perda do veículo em benefício da União, enquanto o TJ, julgando apelação interposta pela defesa, assentou em sentido oposto, determinando a devolução do veículo do acusado sob o fundamento de que a perda do veículo deveria ser reservada aos casos em que este estivesse sendo utilizado com destinação específica para o tráfico.
A defesa alega que o veículo não tem irregularidades nem foi preparado para a prática de ilícito. O MP/PR, por sua vez, autor do recurso, apontou que a CF autoriza confisco de todo e qualquer bem apreendido em decorrência do tráfico.
Decisão
Ao analisar o tema, o relator, ministro Fux, apontou que o confisco de bens pelo Estado encerra uma restrição de direito fundamental de propriedade, esculpido na própria CF, que o garante. Deve ser considerada, no entanto, a literalidade do texto constitucional, sendo vedada a restrição do seu alcance por requisitos outros que não estabelecidos no art. 243, parágrafo único, o qual estabelece:
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.
Reiterando as argumentações do MP, pontuou que a CF não exige que haja habitualidade no uso daquele bem específico. Concluiu, após citar acórdãos da própria Corte no mesmo sentido, que a habitualidade do uso do bem na pratica criminosa, ou sua adulteração para dificultar a descoberta do local de acondicionamento em caso da droga, não são pressupostos para o confisco de bens nos termos do art. 243 da CF.
Assim, votou pelo provimento do recurso do MP. Após elogios ao voto, acompanharam o relator os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Divergência
Abriu a divergência o ministro Lewandowski, ao destacar o direito à propriedade e à livre iniciativa, garantido no art. 5º, inciso XXIV, da Carta Magna.
Segundo o ministro, há exceções ao referido dispositivo, como é o caso do art. 243 em discussão no processo, mas que o caput deste diz respeito apenas às propriedades onde forem localizadas as culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo. A parte isto, para o ministro deve-se seguir a regra a proibição do confisco.
"Eu penso que confisco de bens só pode ser realizado em situações extremas, e tem que obedecer ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Se nós imaginarmos que o caso que estamos examinando é um caso simples (...) e pretende-se confiscar o veículo onde se encontravam estes entorpecentes. Isso ao meu ver é uma demasia, que a levarmos este raciocínio às últimas consequências teremos que confiscar o relógio no qual o traficante confere o horário da entrega do bem ilícito, ou o seu sapato, que também o transporta para o local da entrega do entorpecente..."
Em seu entendimento, é preciso provar que este veículo ou bem tenha sido destinado integralmente ao tráfico ilícito para que possa ser confiscado. Negou, portanto, provimento ao recurso.
O ministro Marco Aurélio acompanhou a divergência, não sem antes destacar que votou pela não admissão do recurso, porque entende que, na origem, o conflito não foi dirimido a partir de norma constitucional, mas sim considerando disciplina decorrente da lei 6.368/76.
Vencido nesta parte, votou pelo desprovimento do recurso, ao entender que o parágrafo único do art. 243 remete à premissa segundo a qual o bem tenha sido encontrado na propriedade objeto da expropriação, como consta no caput.
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Processo relacionado: RE 638.491