"Não se pode afirmar que a lei Maria da Penha protege apenas a mulher em uma relação conjugal, abrangendo relações diversas como as de filha e genitores, sogra, madrasta e irmãos, desde que a mulher figure no polo passivo da relação processual."
Assim entendeu o desembargador Catta Preta, da 2ª câmara Criminal do TJ/MG, no voto que condenou uma mulher a penas restritivas de direito, num período de dois anos, por ter agredido a filha de 10 anos.
A mãe alegou falta de provas para a condenação e a inexistência de dolo, uma vez que ela tinha feito uso de medicamentos e bebidas alcoólicas. Afirmou que os arranhões ocorreram quando ela tentou segurar o braço da criança para se manter em pé, mas sem a intenção de machucá-la. Requereu a substituição da pena corporal por penas restritivas de direito, ou a concessão do benefício da suspensão condicional da pena.
Maria da Penha
Em 1ª instância, o juiz de Direito da 2ª vara Criminal, de Execuções Penais e de Cartas Precatórias de Vespasiano, Fábio Gameiro Vivancos, entendeu tratar-se de lesão corporal no ambiente doméstico. Ele se apoiou no relato da vítima, no depoimento das testemunhas e no laudo pericial, que identificou "escoriações em formato semilunar com finas crostas aderidas, localizadas na região posterior do braço esquerdo".
O magistrado fixou a pena em três meses e 15 dias de detenção, em regime aberto, com base no art. 129, § 9º do CP, inserido pela lei 11.340/06, popularmente conhecida por Maria da Penha, que prevê a detenção de três meses a três anos caso "a lesão seja praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade". O juiz considerou como circunstância agravante o crime ter sido praticado contra criança.
O juiz concedeu à ré o direito à suspensão condicional da pena, por um período de prova de dois anos, desde que cumpridas as seguintes condições: proibição de frequentar bares, boates e estabelecimentos congêneres e de se ausentar da comarca de residência por mais de oito dias, sem autorização judicial, e comparecer trimestralmente em juízo para informar suas atividades.
Responsabilidade do agente
Em recurso ao TJ, a mulher requereu a aplicação do artigo 28, § 1º, do CP, que estabelece a isenção de pena ao agente que, "por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao mesmo tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento". Além disso, pleiteou o afastamento da lei Maria da Penha, porque o delito não ocorreu em razão de discriminação de gênero.
Mas, para o relator do recurso, desembargador Catta Preta, o estado de embriaguez não configura a exclusão do dolo, nem reduz a responsabilidade do agente pelo crime, visto que a "embriaguez incompleta e voluntária, em regra, não retira das pessoas a total capacidade de entendimento e autodeterminação".
Quanto à lei Maria da Penha, o magistrado explicou que, conforme previsto na jurisprudência brasileira, para a incidência, basta que "a mulher figure como vítima, que seja uma situação no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família, ou, ainda, em qualquer relação íntima de afeto".
O desembargador ressaltou ainda que, na maioria das vezes, crimes de natureza similar ocorrem às escondidas, dentro das residências e longe das testemunhas. Nesses casos, a palavra da vítima tem valor probatório relevante, sobretudo quando corroborada por outros indícios. Por entender que o exame de corpo de delito indicou que houve ofensa à integridade corporal da vítima, compatíveis ao seu depoimento, o relator do recurso manteve a decisão de 1ª instância.
Os desembargadores Beatriz Pinheiro Caires e Renato Martins Jacob votaram de acordo com o relator.
Para proteção da vítima, o número do processo e o acórdão não serão divulgados.
Informações: TJ/MG.