Difícil acesso
Pesquisa mostra a dificuldade do cidadão comum de chegar à Justiça em 9 capitais
No Amapá, um juizado itinerante sobe o rio num barco. A "sala de audiências", onde a juíza celebra casamentos ou decide casos de trabalho escravo, à noite vira dormitório.
Em Minas, nos dias de jogos, um juiz criminal, um promotor, um defensor público e um delegado decidem sobre conflitos numa sala improvisada no estádio do Mineirão.
Esses são exemplos de juizados especiais, a porta de acesso à Justiça para o cidadão comum. O modelo substituiu os juizados de pequenas causas criados em 1984. Em geral, as instalações são precárias, faltam conciliadores, acumulam-se reclamações de consumidores, principalmente contra as empresas de telefonia.
A Secretaria de Reforma do Judiciário, órgão do Ministério da Justiça, divulga hoje uma pesquisa sobre Juizados Especiais Cíveis realizada em nove capitais entre 2004 e 2006, com base em processos distribuídos em 2002. As principais reclamações envolvem relações de consumo (37,2%), acidentes de trânsito (17,5%) e cobrança de dívidas (14,8%).
O objetivo do juizado especial é obter o acordo, evitando-se o processo. Mas é considerada muito baixa a taxa de conciliação (34,5%). São baixos os índices de recursos (31,2%) e de reforma de sentenças (12,4%). Muitos acordos não são cumpridos. Quando é necessária a execução da sentença, o processo pode demorar 649 dias.
Reclamações
Em 93,7% dos casos, os reclamantes são pessoas físicas, com os mais variados problemas. Cita-se uma ação de indenização contra funerária, porque o travesseiro do defunto era muito baixo. Há pedido de indenização por propaganda enganosa para aumentar o tamanho do pênis. Uma prostituta moveu ação contra um delegado, alegando ter fornecido "serviços a mais" e recebido a menos.
"Esses juizados são muito procurados, mas sofrem o mesmo problema do juízo comum: não têm atendimento rápido", diz Maria Tereza Sadek, cientista política e pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (Cebepej), que participou da pesquisa.
Muitos casos envolvem baixos valores. Foi movida ação de danos morais por erro de R$ 0,50 no troco de cigarros. Empresa de energia foi acionada por cobrança indevida de R$ 0,01. Instituição financeira obteve acordo para pagar indenização em 85 parcelas de R$ 20.
Os serviços de telecomunicações aparecem como principal reclamação na categoria "relação de consumo". Atingem 44,2% em Fortaleza; 41,9% em Macapá; 33,6% no Rio e 32,4% em Salvador. A média é de 22,8% das reclamações. Em seguida, vêm queixas sobre transações comerciais (19,3%) e serviços bancários (11,8%).
A pesquisa foi encomendada ao governo pela Telemar. Isso não impediu o Cebepej de revelar que a empresa chega a ocupar dependências de juizados especiais, para prestar esclarecimentos e reduzir conflitos. "Não recebi pressão do governo nem da Telemar", diz Sadek.
"Identificado o problema, temos de trabalhar políticas para minimizar esse tipo de litígio e fortalecer um sistema de conciliação prévia", diz o secretário de Reforma do Judiciário, Pierpaolo Bottini. Ele diz que não houve nenhum constrangimento com a Telemar.
No juizado especial de Montese, bairro de Fortaleza, 90% das queixas referem-se à Telemar, por cobranças incorretas. Ali, um escritório paulista de advocacia faz a defesa da empresa. Num juizado em Belém, há uma sala exclusivamente para a Telemar. Uma funcionária, "não autorizada a celebrar acordos", presta informações.
Num dos juizados especiais do Rio funciona o chamado "Expressinho" (sala reservada à Telemar para tentativa de resolução dos conflitos). Isso não conseguiu reprimir as ações. Contratada para implantar sistema de gestão, a Fundação Getúlio Vargas recomendou a retirada do espaço. A pesquisa cita que a empresa obteve maior volume de acordos no Rio.
Em São Paulo, os juizados especiais possuem instalações modestas, são pouco informatizados. São propostas cerca de 500 causas por dia contra a Telefonica. Há cerca de 55 mil ações para discussão da obrigatoriedade da assinatura básica.
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