Migalhas Quentes

Ministros do STF dizem que não vão tolerar usurpação de competência

A 2ª turma anulou interceptações telefônicas de Demóstenes Torres na operação Vegas e Monte Carlo.

25/10/2016

O ministro Toffoli, em voto nesta terça-feira, 25, no recurso do ex-senador Demóstenes Torres, demonstrou enorme inconformismo com uma decisão do STJ na qual há a referência de possível prejuízo com a remessa da investigação para o órgão competente – no caso, o próprio Supremo, tendo em vista a prerrogativa de foro do então parlamentar.

O caso trata da operação Vegas e Monte Carlo, que investigou organização que explorava máquinas de caça-níqueis e jogos de azar. A defesa, a cargo do advogado Kakay, alegou entre outros a nulidade de interceptação telefônica autorizada por juízo incompetente, argumento acolhido por todos os cinco ministros que fazem parte da 2ª turma do STF.

Ouça a sustentação e o comentário do advogado:

Usurpação de competência

Logo no início, o ministro Toffoli afirmou que demonstraria no voto que “todas as referências de provas” citadas em trechos da denúncia do MPF “foram feitas com autorização de autoridade judiciária incompetente para investigar um senador da República”.

S. Exa. então leu trechos da ementa da decisão do STJ que negou o recurso pretendido pela defesa. Consta na referida ementa:

Sob diversa perspectiva, a remessa imediata de toda e qualquer investigação, em que noticiada a possível prática delitiva de detentor de prerrogativa de foro, ao órgão jurisdicional competente não só pode implicar prejuízo à investigação de fatos de particular e notório interesse público, como, também, representar sobrecarga acentuada dos tribunais, a par de, eventualmente, engendrar prematuras suspeitas sobre pessoa cujas honorabilidade e respeitabilidade perante a opinião pública são determinantes para a continuidade e o êxito de suas carreiras políticas.

A decisão do STJ (HC 307.152) foi por maioria, tendo ficado vencido o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, para quem "os elementos de prova produzidos contra o paciente nas interceptações telefônicas levadas a efeito na Operação Vegas são inviáveis, por violação de competência constitucionalmente prevista"; também na operação Monte Carlo o ministro concluiu que Demóstenes foi alvo de investigações realizadas sem a devida autorização o Supremo. Contudo, o relator ficou vencido no colegiado.

Com evidente desagrado, Toffoli afirmou: “Está dizendo então que se mandar a investigação para cá ela será prejudicada? Isso é uma ofensa ao STF.” Sobre as “prematuras suspeitas”, asseverou: “Parece que o eventual beneficiado dessa proteção não gostou muito dessa proteção, tanto que está aqui no Supremo.”

Toffoli lembrou que o STF já assentou a validade do encontro fortuito de prova em interceptação telefônica, de modo que a simples menção ao nome de autoridade detentora de prerrogativa de foro, seja no depoimento de testemunhas, seja em interceptação telefônica, são insuficientes mesmo para o deslocamento.

Contudo, concluiu:

Não se trata aqui de simples menção de nome ao recorrente ou muito menos encontro fortuito de provas. Não obstante esse apanhado de indícios do envolvimento de suspeitos de políticos com integrantes de organização criminosa, só um ano depois, é que a autoridade policial faz um alerta sobre a competência do caso.”

E repetiu: “Isso é uma ofensa ao STF, isso é uma ofensa a cada um de nós.”

O ministro Toffoli fez questão de citar as recentes investigações que estão sendo levadas a cabo na Casa, e afirmou que em recente pesquisa constatou que antes da EC 35/01, que passou a permitir a investigação e ações sem necessidade de autorização da respectiva Casa Legislativa, já houve 622 ações penais. “Antes da EC, sabe quantas ações entre a CF/88 e a EC? Apenas seis ações penais.”

Os relatórios da inteligência deixam claro que o Ministério Público, a autoridade policial e o juízo originário tinham plena ciência de participação de autoridades com foro de prerrogativa de função, dentre eles o recorrente. Princípios não podem ser colocados em segundo plano.”

Assim, entendeu nulas as provas oriundas das interceptações telefônicas.

"Lamentável","intolerável" e "censurável"

Ao acompanhar o relator, o ministro Teori afirmou que a situação é "lamentável".

"Demonstração cabal que estamos diante de caso clássico de usurpação de competência do STF. É muito lamentável que esses episódios ocorram. Não é a primeira vez que podemos perceber episódios em que aparentemente há uma relação atávica de dominalidade entre um processo e uma pessoa, ou um processo e um órgão de investigação, ou um inquérito e um órgão do MP. Se temos constitucionalmente uma distribuição de competência, é preciso que isso seja realmente levado a sério. Penso que relativamente ao STF em matéria criminal claro que há demora. Mas algumas imputações que se faz a essa demora no STF às vezes é falta de informação. Por exemplo, nessa fase investigatória, quem a rigor continua investigando é a mesma polícia, é o mesmo MP. Nessa fase da investigação é absolutamente injustiça dizer que remeter ao Supremo só por isso vai causar atraso. De qualquer modo é melhor que haja atraso do que haja nulidade como vemos aqui. E é lamentável que com provas aparentemente robustas não se possa dar andamento à ação penal por serem ilícitas."

No mesmo sentido, o ministro Lewandowski se manifestou:

"O número de interceptações telefônicas trazidas pelo eminente advogado da tribuna, que ultrapassa o nº de 1.000, realizadas sem autorização do STF em se tratando de parlamentar com prerrogativa de foro. Estamos claramente diante de um caso em que a autoridade da Suprema Corte do país está sendo desafiada. Isso é intolerável. Sinaliza e espero que sinalize que essa Casa não mais tolerará qualquer tipo de usurpação de sua competência."

O decano Celso de Mello acompanhou o relator e afirmou que o caso é "censurável":

"Este caso revela censurável quadro de gravíssimas anomalias de índole jurídica cuja ocorrência implicou múltiplas transgressões à ordem constitucional na medida em que o inaceitável comportamento das autoridades policiais, do Ministério Público e dos juízes Federais permite reconhecer que restaram configurados inúmeros vícios de natureza legal e de caráter constitucional com ofensa à regra de competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, com desrespeito ao postulado do juiz natural, com a subversão dos princípios que estruturam e condicionam as persecuções penais. Daí resultando a manifesta ilicitude da prova penal oriunda daquelas interceptações telefônicas e de todos os elementos probatórios ou informativos derivados da ilegítima captação desses dados informativos."

Com longo discurso, o decano da Casa chamou de "caso clássico de patente desrespeito à ordem institucional".

"Deve servir de padrão, de referência aos agentes estatais, para que não voltem a incidir nesse tipo de comportamento. Não há mais grave ofensa em procedimento de investigação criminal como o desrespeito ao postulado do juiz natural."

Último a votar, o presidente da turma Gilmar Mendes classificou de "histórico" o voto do ministro Toffoli, acrescentando que "raramente se tem um caso de escola como esse, em que conscientemente e por tanto tempo deixou-se que a investigação prosseguisse com pessoas com prerrogativa de foro à época".

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