A dignidade da pessoa humana, o dever da família, da sociedade e do Estado, o respeito ä liberdade e à convivência familiar e comunitária: esses foram alguns dos princípios levados em consideração pelo juiz de Direito Caio Cesar Melluso, da 2ª vara da Família e Sucessões de São Carlos/SP, para determinar que um tio pague alimentos ao sobrinho.
No caso, o autor – que foi representado na causa pela mãe – possui a Síndrome de Asperger, condição neurológica do espectro autista caracterizada por dificuldades significativas na interação social e comunicação não-verbal, além de padrões de comportamento repetitivos e interesses restritos.
Consta dos autos que o pai do jovem, além de não pagar a pensão alimentícia devida, abandonou-o afetivamente, havendo, inclusive, imposição de medida de afastamento, e que tal abandono se estende a toda família paterna. A avó paterna não poderia arcar com os alimentos, pois, além de idosa, é doente e vive com sua aposentadoria. Já o tio, por sua vez, teria capacidade econômica favorável.
Dignidade da pessoa humana
O parecer do promotor de Justiça no caso foi pela improcedência do pedido ante a tese da impossibilidade de se pleitear alimentos ao parente de 3º grau. Contudo, o julgador refutou tal tese.
De fato, citando a Carta Magna e o fenômeno que o ministro Luís Roberto Barroso denomina de constitucionalização do direito, Caio Cesar procedeu à interpretação do Direito Civil tendo como norte e limite a CF.
“Este movimento da Ciência Jurídica e do Direito deslocou o centro do ordenamento jurídico do Código Civil, onde vigora o princípio de que a vontade das partes faz a lei (pacta sunt servanda), para a Constituição Federal, à luz da qual deve prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana, garantindo-se a liberdade individual à luz do interesse coletivo, o que, muitas vezes, impõe limites às relações interpessoais, inclusive quanto aos contratos.”
Dessa forma, entendeu que o art. 1.695 do CC não pode ser interpretado restritivamente e, se, por um lado, estabelece que a obrigação alimentar deve recair primeiro sobre os parentes mais próximos e depois sobre os mais afastados, não pode excluir os demais parentes, inclusive os colaterais até o quarto grau (art. 1.592 do CC). Também ponderou que o CC estabelece que os parentes colaterais, até o 4º grau, são herdeiros legítimos.
“Assim, se herdeiros são, não há motivo para exclui-los, os parentes colaterais até o quarto grau, da obrigação de prestar alimentos, o que é corolário do dever de solidariedade entre os parentes, o que vem respaldado pela doutrina.”
Não tendo, na hipótese, outros parentes que possam arcar com a obrigação alimentícia, o magistrado concluiu como plenamente possível a determinação ao tio. Inclusive, considerou o fato de que o mesmo paga uma mesada a um enteado.
“Tais gastos não representam luxo ou caprichos do autor ou da genitora deste, mas sim, uma necessidade para que o autor consiga, enfrentando as barreiras mencionadas, buscar qualidade de vida e inclusão social.”
Para o juiz, se o tio concorda que o núcleo familiar deve auxiliar o enteado, também deve auxiliar o sobrinho. E, assim, assim, fixou a obrigação de prestação de alimentos ao sobrinho do requerido.
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Processo: 1007246-25.2016.8.26.0566
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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