Migalhas Quentes

Indicação pela CSN de membros para conselho de administração da Usiminas gera impasse

Ação foi autorizada pelo Cade, por meio de flexibilização de termo de compromisso de desempenho.

14/6/2016

Duas gigantes da indústria siderúrgica – rivais no concentrado mercado de aços planos – estão envolvidas em um complexo imbróglio.

Em abril, o Cade flexibilizou os duros termos de compromisso firmado com a CSN, e permitiu que a companhia indicasse membros aos conselhos de administração e fiscal da Usiminas, grupo controlado por Nippon Steel e Ternium.

A polêmica decisão coloca em evidência questões delicadas envolvendo as empresas, como a aquisição de participação acionária na siderúrgica mineira e graves riscos com relação à concorrência.

Histórico

Para entender o problema é preciso voltar a 2011. Na época, a CSN silenciosamnete saiu às comprar em busca de ações da Usiminas. Quando se percebeu, inadvertidamente, ela estava com mais de 15% de ações da concorrente. Detectada a "falha" em não comunicar as aquisições ao Cade, o órgão impôs multa por intempestividade ao final do processo à companhia e, em 2012, aplicou medida cautelar proibindo a CSN de adquirir novas ações e exercer quaisquer direitos políticos na Usiminas decorrentes das ações já adquiridas.

As operações da CSN foram objeto de longa instrução e o ato de concentração foi julgado em abril de 2014, ocasião em que o Cade identificou a probabilidade de exercício de poder coordenado induzido pela participação minoritária da CSN na Usiminas, sua rival.

Por esta razão, o Conselho sujeitou a companhia à celebração de um termo de compromisso de desempenho que, entre outros fatores, restringiu os direitos políticos da CSN sobre a Usiminas e no qual se comprometeu, em um determinado prazo, a reduzir sua participação na empresa mineira.

No ano seguinte, em 2015, a companhia foi ao Cade pedir a flexibilização do termo para participar de chamamento e votar os representantes do conselho de administração e o seu presidente, em assembleia convocada pelos minoritários. O Cade, no entanto, negou o pleito.

Novo pedido

Alegando a existência de fatos novos consistentes, dentre outros, na "profunda deterioração da gestão e na possibilidade de insolvência da Usiminas, com consequente prejuízo incalculável ao mercado siderúrgico nacional", a CSN voltou, este ano, a solicitar a flexibilização das obrigações contidas no termo.

Na peça, os representantes da companhia afirmam que a Usiminas não seria mais um player saudável e, por isso, o mercado siderúrgico nacional estaria em risco. "Diante dessa reviravolta, é que se faz fundamental ajustar o remédio adotado para tentar salvar o paciente – leia-se: o próprio mercado siderúrgico brasileiro."

"Considerando o colapso da Usiminas, o Cade deve atuar para garantir a higidez competitiva do mercado siderúrgico brasileiro. Afinal, essa intervenção ora pleiteada pode representar a inserção de um vetor externo, que contribua para uma melhor gestão da companhia mineira. Seria o princípio de uma fiscalização mais efetiva por parte dos acionistas minoritários, com o apoio valioso, transparente e cauteloso, por parte de conselheiros independentes, que se dediquem a gerir a crise e desenhar soluções, cumprindo integralmente seus deveres fiduciários para com a companhia."

Contestação

Na contestação, a Usiminas sustentou que, por meio da ação, a CSN queria, "mais uma vez, manipular este Conselho".

Segundo os advogados, sob o pretexto de trazer "fatos novos" e "proteger o ambiente concorrencial saudável na siderurgia brasileira", a companhia quer "interferir na gestão da Usiminas em momento que percebe poder exercer influência relevante ou dominante na Companhia", colocando em risco a concorrência do setor.

"O objetivo da CSN aqui é duplo: (i) enfraquecer concorrente no mercado de aços planos, em momento que percebe poder funcionar como 'fiel da balança' entre controladores, tirando capacidade decisória dos minoritários concorrencialmente neutros; e (ii) aumentar seu poder de barganha na disputa societária entre os grupos NSSMC e Ternium e, assim, criar valor prêmio para sua participação acionária na companhia."

A Nippon Steel, por seu turno, alegou que a CSN continua a ser a maior concorrente da Usiminas e não poderia ter adquirido sua atual participação societária na companhia.

Segundo a defesa, desde a decisão de 2014 do Cade que determinou o desinvestimento de parcela substancial da participação, a CSN não vendeu nem "sequer uma ação da Usiminas, em uma clara indicação de que a atual manifestação da CSN é uma manobra para continuar a interferir/influenciar seu principal concorrente".

"A situação atual apenas corrobora, de fato, as preocupações suscitadas por este E. Cade à época da referida análise e urge a mesma conclusão, no sentido de que qualquer influência da CSN sobre a Usiminas pode trazer severos prejuízos à já crítica situação financeira da Usiminas e, em consequência, ao mercado de aços planos como um todo."

Cade

Em inusitado despacho ad referendum (118/16), de 22 de abril último, Vinícius Marques de Carvalho deferiu o pedido de flexibilização do termo "única e exclusivamente para que se elejam dois conselheiros para o Conselho de Administração e um para o Conselho Fiscal na Assembleia Geral Ordinária de 28 de abril de 2016".

Na decisão, destacou que à época da assinatura do termo de compromisso, o objetivo foi a manutenção do ambiente concorrencialmente saudável – "o que deve o Cade continuar observando".

"Se é verdade que permitir à CSN que indique conselheiros que a representem diretamente irá afetar de forma negativa a Usiminas, também é verdade que impedir a eleição de minoritários ou dificultá-la sobremaneira pode gerar efeitos negativos no mercado, culminando, no caso mais extremo, até na própria recuperação judicial da empresa."

Segundo Vinicius, caso o cenário de recuperação viesse a se concretizar e considerando que o Cade já entendeu que o mercado relevante desta indústria é nacional, uma eventual quebra da Usiminas diminuiria os níveis de rivalidade no mercado, rivalidade esta que é exercida em face da própria CSN.

"Tendo em vista que a solução apresentada subjuga os conselheiros aos requisitos do Novo Mercado – duplamente aplicados, pois referem-se tanto à CSN quando à Usiminas – e cria ainda obrigações adicionais de fidúcia para com o próprio Cade, não vejo como concluir de outra forma que não pela admissão do pedido, ao menos em abstrato."

Em sessão do dia 27 de abril, alguns conselheiros, entretanto, discordaram deste posicionamento.

Contrário à homologação do despacho do presidente, João Paulo de Resende afirmou:

"Frente ao risco, por um lado, de que os minoritários não logrem eleger representantes e por ventura venham a ser prejudicados por decisões do bloco controlador, e, de outro, o risco de que a participação da CSN, ainda que por meio de conselheiros independentes, lhe permita influenciar, direta ou indiretamente, nas decisões de sua principal concorrente, prejudicando-a ou prejudicando ao consumidor desse mercado, ou que lhe permita ainda obter informação concorrencialmente sensível, prefiro correr o primeiro risco."

A conselheira Cristiane Alkmin Junqueira Schimidt, por sua vez, criticou a ação da CSN e alegou que, se o setor precisa encolher, isso deve ocorrer dentro dos processos naturais dos ciclos econômicos, seja por meio de falência ou via fusão.

"O que não pode é o Cade permitir que um concorrente se sente no Conselho Administrativo de outro, tal como concluiu a medida provisória em 2012, o Voto do Dr. Eduardo Pontual e o Parecer da ProCADE em 2015, diante das mesmas alegações feitas pela CSN em 2015, sem qualquer comprovação quando se observa os resultados ex post. Por que esperar agora um resultado diferente daqueles ocorridos anteriormente?"

Por maioria, entretanto, o plenário do Cade referendou o despacho, autorizando a flexibilização. Após essa decisão, para o conselho de administração foram eleitos os titulares Gesner de Oliveira e Ricardo Antonio Weiss, além de Derci Alcantara e Sonia Julia Sulzbeck Villalobos como suplentes. Para o conselho fiscal foram eleitos Wagner Mar (titular) e Pedro Carlos de Mello (suplente).

Justiça

O caso foi parar na Justiça. Primeiramente, a juíza Federal substituta Luciana Raquel Tolentino de Moura suspendeu as reuniões do Conselho de Administração da Usiminas até uma decisão definitiva sobre a autorização dada pelo Cade para que os conselheiros indicados pela CSN assumam lugar no Conselho da rival.

No entanto, em 23 de maio, o desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, do TRF da 1ª região, autorizou o funcionamento do Conselho de Administração da Usiminas sem a presença dos conselheiros indicados pela CSN. O magistrado entendeu ser "mais prudente suspender parcialmente a decisão agravada, apenas para permitir que o Conselho de Administração da agravante (Usiminas) funcione com 9 membros, excluídos, portanto, os 2 eleitos pela CSN."

Dias depois, contudo, a CSN conseguiu reverter a decisão e os conselheiros indicados pela empresa – Ricardo Antônio Weiss e Gesner José Oliveira Filho, participaram da reunião do Conselho. A decisão foi do desembargador Federal Kassio Marques, do TRF da 1ª região.

Veja abaixo a íntegra dos documentos:

- Confira a petição da CSN.
- Confira a contestação da Usiminas.
- Confira a contestação da Nippon Steel.
- Confira o parecer da Procuradoria Federal Especializada junto ao Cade.
- Confira o despacho que foi referendado pelo Cade.
- Confira o aditamento ao referido despacho.
- Confira o voto vencido do conselheiro João Paulo de Resende.
- Confira o voto vencido da conselheira Cristiane Alkmin Junqueira Schimidt.


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