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ECA ainda precisa ser efetivamente aplicado

Embora Estatuto tenha garantido avanços, alguns pontos ainda não saíram do papel. Confira a opinião de especialistas.

13/7/2015

A sanção do ECA, há 25 anos, foi considerada uma marco na proteção da criança e do adolescente. Em celebração a data, ouvimos especialistas sobre a atualidade da norma e suas eventuais falhas. Para eles, ao diploma não cabem críticas e o que realmente falta é sua efetiva aplicação.

A promotora de Justiça Paola Domingues, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes do MP/MG, considera que o Estatuto ainda é um diploma avançado e que foi a partir de sua sanção que as crianças e os adolescentes passaram a ser sujeitos de direito.

"A partir de 88, com a CF, e de 90, com o Estatuto, começamos a falar em crianças que são sujeitos de direito e na obrigação do Estado, da Sociedade, e da Família, de garantir a essas crianças direitos que estão assegurados em nível constitucional e legal."

No mesmo sentido, a juíza de Direito Dora Martins, titular da 1ª vara da Infância e Juventude de SP, considera que o ECA promoveu uma mudança radical de paradigma, pois trouxe a criança e o adolescente da condição de objetos de cuidado do Estado. A magistrada ressalta que a maior conquista com a sanção do diploma foi, "sem dúvidas", a mudança de eixo no trato para com a criança e adolescente.

"Se antes, eram vistos como seres 'menores', 'irregulares', para os quais o Estado olhava quando estavam em situação de abandono ou na chamada delinquência, hoje são sujeitos de direitos. Direito à vida, ao amor, à saúde, ao saber, à paz e a poder crescer e se desenvolver com dignidade."

O desembargador Jones Figueirêdo Alves, decano do TJ/PE e diretor nacional do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, pontua que, ao fim de um quarto de século de vigência, devemos registrar não apenas os avanços legais que aperfeiçoaram o texto original Estatuto, mas sobretudo a experimentação judiciária que, segundo ele, em valoração adequada do ECA, tem efetivado o princípio da proteção integral dos infantes e jovens.

"A magistratura da Infância e da Juventude tem se revelado proativa no império da realidade, construindo os seus juízes a melhor adequação do ECA aos próprios fins sociais a que se destina, tudo sob a égide dos metaprincípios da 'proteção integral' e da 'prioridade absoluta' dos direitos a ele inerentes."

Atualização

A promotora Paola Domingues acredita que toda lei precisa ser revista, aprimorada, pois a sociedade muda, e, com isso, sempre existe a necessidade de a lei ser alterada para se adequar a essas mudanças. Mas, para ela, o Estatuto da Criança e do Adolescente, embora possua pontos que podem ser melhorados, de imediato não precisa ser alterado e sim aplicado. "Existe hoje um déficit muito grande de implementação do que existe no Estatuto. É até difícil de certa forma se fazer uma avaliação das necessidades de mudança que o Estatuto eventualmente tenha que sofrer por conta de ter muito pouco ainda efetivamente acontecendo na prática".

“Hoje, deveríamos falar mais em implementação do que em alteração.”

Para a juíza Dora Martins, não se pode imputar ao ECA falhas que estão na família desconstruída, na ausência de afeto, na discriminação social, na precariedade das políticas fundamentais públicas, especialmente as voltadas à saúde e educação e à segurança pública.

“Os índices indecentes de violência fatal perpetrados pelo próprio Estado contra crianças e adolescentes jovens, quase sempre negros e pobres, das periferias de nossas cidades, mostram o quão o ECA é vilipendiado e não cumprido, a despeito de sua precisão e do que celebramos como um moderno e bem construído instrumento de garantias de direitos.”

Para ela, ao Eca não cabem críticas, uma vez não foi dado a ele, ainda, seu total cumprimento. "Não há como criticá-lo ou apontar defeitos, antes de esgotar-se toda sua potencialidade. Imputar ao ECA supostas falhas e defeitos para, então, imputar-lhe a responsabilidade, ou culpa, pela violência social é desconhecê-lo e ignorar sua importância."

Por outro lado, desembargador Jones Figueirêdo Alves considera que o Estatuto evoluiu significativamente à exata medida de modificações introduzidas por diversas leis, com destaque para a otimização do instituto da adoção e dos processos judiciais a ele referentes, mediante as inovações constantes da lei 12.010/09. De acordo com o desembargador, a lei 12.962/14, a seu turno, contribuiu para um melhor desempenho do direito à convivência a familiar e comunitária, inclusive ao acesso dos filhos menores aos genitores presos; e a lei 13.010/14 trouxe para o Estatuto uma política de profilaxia penal de violência infantil, ao disciplinar sobre os maus-tratos físicos e psicológicos, introduzindo conceitos de tratamento cruel ou degradante contra as crianças ou adolescentes e de demais condutas manifestamente lesivas aos seus direitos.

Comum esforço

Ao falar do papel do promotor de Justiça na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, Paola Domingues afirma que ele dever ser feito de forma estimular a criação e regulamentação dos serviços públicos de atendimento às crianças e aos adolescentes. Segundo ela, se não tivermos uma rede de atendimento, na qual vários atores - na área da saúde, da assistência social, da educação, do esporte, do lazer e da segurança pública – trabalhem em comum esforço, não teremos os dispositivos do ECA efetivamente cumpridos.

"O grande desafio que a gente tem é trabalhar mesmo na concretização desses serviços, para esta rede consiga, em conjunto, fazer o atendimento necessário, para prevenir situações de risco, ou enfrentar uma situação de risco já existente."

Também ressaltando o comum esforço, a magistrada Dora Martins afirma que família, sociedade e Estado devem atuar para garantir e permitir o exercício dos direitos da criança e adolescente.

"A família, na qual nasce a criança, é o local primeiro onde tais direitos devem ser plenificados e atendidos. Receber cuidados, afeto e educação é ônus, e prazer, de pais e mães de que decidiram trazer um filho à luz. Em seguida, à sociedade, à comunidade da qual faz parte a criança, cabe também zelar pelo bem estar dela. E, ao Estado incumbe cumprir sua parte, propiciando às crianças e adolescentes, como sujeitos de direito e cidadãos, o exercício e garantia de direitos, tais como: acesso à escola, à saúde, ao lazer, a uma vida digna, afastada da violência, de qualquer tratamento desumano ou vexatório."

O desembargador Jones Figueiredo pontua ainda que para que sejam respeitados os direitos das crianças e adolescentes é necessário a implementação com a garantia de políticas públicas que os guarneçam em segurança e efetividade. "A erradicação do trabalho infantil, ou as crianças afastadas dos semáforos e das ruas, são outras respostas adequadas a permitirem a compreensão de que o respeito aos direitos infanto-juvenis é uma obrigação de Estado e de dever solidário da sociedade atual. Afinal, a criança é o pai do homem, numa visão freudiana. Significa dizer que precisamos preparar um melhor futuro do país a partir de um presente mais digno para a geração atual dos seus filhos."

Maioridade penal

Diante da discussão acerca da redução da maioridade penal, a advogada Viviane Girardi, membro do IBDFAM, acredita que a aprovação da proposta não seria a solução para o problema de jovens infratores. Ao contrário, "os adolescentes perderiam a oportunidade de ressocialização".

Ela explica que, através do ECA, foram instituídas medidas socioeducativas e protetivas importantes para a tentativa de recuperação de adolescentes em conflito com a lei. Podem ser aplicadas, por exemplo, medidas de advertência, reparo do dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade e internação em estabelecimento educacional.

Neste sentido, a advogada afirma o Estatuto é uma legislação bastante avançada.

"O que está previsto no Estatuto funciona em termos de lei. O problema é que não existe a eficácia necessária, pois não há estrutura física de funcionamento. Faltam assistentes sociais, não há psicólogos."

A advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM, também é contra a redução da maioridade penal e reforça que o combate à violência praticada por adolescentes deve ser feito através do que estabelece o ECA, ainda que ajustes no Estatuto sejam necessários.

"A maior irresignação das pessoas é quanto à sensação de impunidade. Hoje, o prazo das medidas protetivas como internação não pode exceder três anos. Talvez isso gere o maior desconforto por parte das famílias das vítimas. Penso que uma solução seria, em casos de crimes hediondos, por exemplo, aplicar medidas protetivas com maior vigência."

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