Desembargador potiguar é inocentado da morte de enteado que brincava de "roleta-russa"
Com base em voto do ministro José Delgado, a Corte Especial considerou que, tendo o fato ocorrido no dia 6 de março de 2003, na vigência da Lei n. 9.437, de 1997, que veio a ser revogada pelo Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826, de 22 de dezembro daquele ano), é de se declarar a extinção da punibilidade do acusado em razão do advento de uma nova lei, mais benigna ao réu, que veio modificar a situação anterior. No caso, o Estatuto do Desarmamento instituiu um prazo de 180 dias, período durante o qual ninguém poderia ser acusado por possuir uma arma de fogo. Por isso, não é lícito o acusado responder a ação penal como acusado de porte de arma e omissão de cautela, quando a lei havia aberto um prazo para todos aqueles que desejassem entregar voluntariamente as armas de fogos que possuíssem em suas residências.
Dessa forma, entendeu a maioria dos ministros ter ocorrido na hipótese o chamado vácuo da lei, ou seja, um período intermediário em que a antiga lei já não podia mais ser aplicada, por haver sido suspensa pelo novo texto legal, bem como em que a nova lei não podia ainda ser aplicada. Houve uma situação transitória de passagem de uma lei para outra, o que implica uma norma de vigência temporária, a qual, por não ser dotada das características de definitividade, não tem como retroagir. Assim, reconheceu-se que a arma estava guardada em um móvel do quarto de dormir do casal, descarregada, com o pente de balas em outro móvel, o que afasta a caracterização da ocorrência do crime de falta de cautela na guarda da arma.
Segundo o inquérito policial, o desembargador acusado e sua esposa, juntamente com o adolescente, encontravam-se em um sítio a cerca de dez quilômetros do centro de Natal, tendo o adolescente decidido retornar para a residência na cidade, alegando estar o ambiente do sítio muito monótono. Já em casa, procurou a arma do padrasto que se encontrava guardada no criado-mudo da cama do casal e o pente de balas, guardado numa gaveta do guarda-roupa, e juntamente com um irmão menor, um primo e um colega, começou a brincar de roleta-russa, tendo a arma disparado em seu ouvido, causando sua morte.
Por tudo isso, para o ministro José Delgado, cujo entendimento foi acompanhado pela maioria dos ministros presentes à sessão, é de afastar-se a acusação de falta de cuidado na guarda da arma de fogo, tendo em vista que o revólver, descarregado, se encontrava guardado em um móvel do quarto de dormir e o pente de balas dentro de uma bolsa, em outro móvel do quarto do casal. Em razão das circunstâncias do caso, deve-se reconhecer a extinção da punibilidade do fato penalmente relevante, pela aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benigna, tendo em vista o vácuo legal existente no período em que sucedeu a tragédia familiar.
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Fonte: STJ