A pessoa que entrega veículo automotor a quem não tenha condições de dirigir comete crime independentemente de haver acidentes ou situações de perigo real para os demais usuários da via pública. A decisão é da 3ª seção do STJ em julgamento de recurso especial repetitivo (tema 901) sobre a natureza – concreta ou abstrata – do crime descrito no artigo 310 do CTB.
A tese vai orientar a solução de processos idênticos, e só caberá novos recursos ao STJ quando a decisão de 2ª instância for contrária ao entendimento firmado.
"Para a configuração do delito previsto no artigo 310 do CTB, não é necessário que a conduta daquele que permite, confie ou entregue a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou ainda a quem, por seu estado de saúde física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança, cause lesão ou mesmo exponha a real perigo o bem jurídico tutelado pela norma, tratando-se, portanto, de crime de perigo abstrato."
No caso julgado como representativo da controvérsia, o TJ/MG determinou o trancamento da ação penal por entender que, para configurar crime, o ato de entregar direção de veículo a pessoa não habilitada exige a demonstração de perigo concreto.
O MP mineiro recorreu ao STJ sustentando que a decisão negou vigência a dispositivo de lei Federal que torna irrelevante o prejuízo concreto ao bem tutelado, pois se trata de crime de perigo abstrato. Afirmou que, por isso, a caracterização do crime não depende da ocorrência de resultado naturalístico. O recurso foi admitido pelo relator, ministro Sebastião Reis Júnior, e considerado representativo de controvérsia em função da multiplicidade de recursos com fundamentação idêntica.
Conduta atípica
No caso dos autos, o denunciado entregou a direção de uma moto a menor, que foi posteriormente abordado por policiais militares em uma blitz.
Na sentença, o juiz afirmou que não houve relato da PM a respeito de algum dano ou perigo que o condutor inabilitado tenha causado. Como a denúncia não havia descrito nenhuma situação concreta de perigo, o magistrado rejeitou-a por considerar a conduta atípica.
O TJ/MG chegou a reformar a sentença, mas depois, ao julgar HC impetrado pela defesa, mandou trancar a ação penal.
No STJ, acompanhando divergência aberta pelo ministro Rogerio Schietti Cruz – para quem a segurança do trânsito é um bem jurídico coletivo –, a 3ª seção reafirmou reiterada jurisprudência que reconhece o delito previsto no artigo 310 como de perigo abstrato, não se exigindo a demonstração do risco que sua prática tenha causado.
Opção legislativa
Segundo Schietti, ao contrário do estabelecido pelos artigos 309 e 311, que exigem que a ação se dê gerando perigo de dano, não há tal indicação na figura delitiva do artigo 310. Para ele, o legislador foi claro ao não exigir a geração concreta de risco.
"Poderia fazê-lo, mas preferiu contentar-se com a deliberada criação de um risco para número indeterminado de pessoas por quem permite a outrem, nas situações indicadas, a condução de veículo automotor em via pública."
O ministro também salientou que o tráfego viário só funciona satisfatoriamente se for cercado de regras rígidas, capazes de gerar grau razoável de segurança.
"Não se pode esperar a concretização de riscos em espaços viários para a punição de condutas que, a priori, representam um risco de produção de danos a pessoas indeterminadas, que trafeguem ou caminhem no espaço público."
Por maioria de votos, o colegiado deu provimento ao recurso especial para reformar o acórdão que contrariou o artigo 310 da lei 9.503/97 ao trancar a ação penal proposta na origem.
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Processo relacionado: 1.485.830
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