"[Devemos] atuar nas diversas frentes para pressionar os tomadores de decisão a agir na proteção da saúde pública em detrimento dos interesses meramente econômicos."
Esta é a opinião de Fernanda Giannasi, fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, auditora-fiscal do Trabalho por mais de três décadas e nova consultora técnica do escritório Alino & Roberto e Advogados.
Uma das maiores autoridades na luta pelo banimento do amianto, Fernanda destaca que o Brasil é o terceiro maior produtor e exportador mundial desta commodity mineral e o seu quarto maior utilizador, mas que estamos no caminho certo, pavimentando solidamente a construção social de sua eliminação no país.
Em entrevista especial, Fernanda Giannasi comenta sua vasta trajetória profissional, lutando pelo bem-estar, saúde e direito dos trabalhadores; o surgimento da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto - Abrea; o convite de Alino & Roberto e Advogados e como será o seu trabalho no escritório.
Confira abaixo a íntegra.
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1. O Amianto é ainda encontrado em produtos como telhas, caixas d’água, isolantes termo-acústicos e pastilhas de freio. É possível substituí-lo por outro produto?
Sim. O amianto ou asbesto, conhecido desde os primórdios da civilização, foi utilizado em mais de 3.000 produtos para os mais diversos fins. Atualmente ele é empregado basicamente na produção de telhas para coberturas, principalmente para as populações de baixa renda. Ainda podemos encontrar caixas d'água antigas em uso e a importação da China de produtos de fricção automotivo e isolantes termo-acústicos, muito mais pelo baixo custo e falta de fiscalização de nossas instituições, do que por falta de alternativas, já que há substitutos compatíveis para todas as principais utilizações em que o amianto foi empregado.
2. O lobby empresarial é muito poderoso?
Sim. O lobby amiantífero é tão poderoso que dispõe de uma bancada parlamentar própria no Congresso Nacional para barrar quaisquer iniciativas que busquem pôr um fim a esta produção suja, perigosa e cancerígena. O amianto é a segunda maior arrecadação de impostos do estado de Goiás e nesta bancada parlamentar estão ali representados todos os partidos políticos dos mais variados matizes, que se uniram para defender o indefensável mineral.
3. O Amianto é um produto cujo comércio já foi banido em mais de 60 países. O que precisa ser feito para que isso também ocorra no Brasil?Os interesses econômicos representados pela indústria do amianto no Brasil (mineração e transformação), como já mencionado, são imensos, já que o Brasil é o terceiro maior produtor e exportador mundial desta commodity mineral e o seu quarto maior utilizador. O que temos de continuar a fazer é atuar nas diversas frentes para pressionar os tomadores de decisão a agir na proteção da saúde pública em detrimento dos interesses meramente econômicos. Isto requer organização, energia e competência e, evidentemente, vontade política. Acho que estamos no caminho certo, pavimentando solidamente a construção social do banimento do amianto no Brasil, estabelecendo alianças com os diversos extratos sociais, o que, certamente, nos permitirá em breve engrossar a lista destes 60 e tantos países.
4. A senhora é engenheira civil e de segurança do trabalho. Foi uma das fundadoras da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), atuou como auditora-fiscal do trabalho por 30 anos e é considerada uma das maiores autoridades na luta pelo banimento do Amianto no Brasil e o empoderamento das vítimas. Um ano após sua aposentadoria, foi convidada para atuar como consultora técnica do escritório Alino & Roberto. Fala-me da sua trajetória profissional e qual a perspectiva de atuação como consultora do escritório?
Durante a minha atuação como Auditora-Fiscal do Trabalho (AFT) por 30 anos na Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo, sendo que por 5 anos lotada em Osasco (1995-2000), na região metropolitana de São Paulo, tive a oportunidade de me deparar com vários ex-empregados da fábrica da ETERNIT e Lonaflex, daquela localidade, apresentando já sinais e sintomas das doenças relacionadas ao amianto. Em Osasco funcionou por 54 anos a maior fábrica da multinacional suíço-belga, Eternit, que posteriormente passou ao controle da francesa Brasilit/Saint-Gobain.
A fábrica de Osasco da Eternit foi a maior planta industrial do grupo em toda a América Latina e foi fechada nos anos de 1993. Eu a fiscalizara em meados da década de 80 pelo GIA-Grupo Interinstitucional do Asbesto, que fundei com um colega médico do Ministério do Trabalho. Ali laboravam, à época, em média, 2000 empregados.
Voltar a Osasco, depois do fechamento das duas empresas, Lonaflex e Eternit, que utilizaram o amianto, como matéria-prima, impunha novos desafios, entre os quais fazer cumprir a exigência dos exames pós-demissionais, previstos na legislação trabalhista por até 30 anos, após o desligamento dos empregados destas empresas, que já tinham se mudado de Osasco e não mantinham mais nenhum vínculo com os ex-funcionários e nem com o poder público local.
Entre as minhas diversas atividades na fiscalização, assumi, depois do expediente na repartição, e mesmo nos finais de semana, realizava reuniões com ex-empregados destas empresas, que eram convidados por seus antigos colegas, visitar os doentes e promover assembleias de esclarecimentos sobre os riscos associados ao amianto, as doenças relacionadas e os direitos dos trabalhadores, que estavam abandonados à própria sorte. Como mencionado, fazia isto fora do horário do expediente da repartição, para evitar prejuízo às demais ações realizadas pela GRTE/Osasco (antiga Subdelegacia do Trabalho). Chegamos a ter assembleias lotadas com mais de 800 ex-empregados, familiares, doentes e interessados na matéria.
Busquei junto aos órgãos públicos de saúde respaldo para realização de exames médicos especializados para diagnósticos das doenças relacionadas ao amianto, bem como apoio em centros de excelência que pudessem acolher os doentes para tratamento e acompanhamento da possível evolução destas patologias, malignas e não-malignas. Como disse, estavam abandonados à própria sorte sem qualquer proteção social e muito menos por parte das empresas, que se desresponsabilizaram de seus ex-empregados e que não cumpriam com suas obrigações legais.
Houve, portanto, a necessidade de se constituir uma associação que organizasse as diversas demandas e que representasse este contingente de desvalidos e hipossuficientes. Nasce aí, no final de 1995, a primeira associação de vítimas do amianto, a ABREA-Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, da qual nasceram as associações-irmãs nos diversos estados e com as quais sempre contribuiu voluntariamente no meu tempo livre, buscando socializar nossa experiência e conhecimento técnico. Foi ainda que tive o primeiro contato com o corpo jurídico do escritório Alino & Roberto, que se associou pro-bono à ABREA para, inicialmente, representa-la em ações junto ao STF (como no caso das ADIs na condição de amicus curiae), junto ao CONAR-Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária para evitar propaganda enganosa pró-amianto, nas ações civis públicas propostas pelos Ministérios Públicos federal e do estado de São Paulo, entre outras.
Após 30 anos de atuação como Auditora-Fiscal, em 2013, requeri minha aposentadoria para me dedicar ao trabalho voluntário junto às diversas associações que ajudei a constituir, além da ABREA, que são a das vítimas dos POPs-Poluentes Orgânicos Persistentes – a ACPO, a das vítimas das radiações ionizantes (setor nuclear) – ANTPEN e CONTREN, bem como apoiar o trabalho de outras associações como as dos intoxicados por mercúrio metálico, a dos ex-empregados da Shell-BASF, etc.
Após mais de um ano do meu afastamento definitivo do Ministério do Trabalho e Emprego, resolvi aceitar o desafiador convite para atuar como consultora técnica do escritório de advocacia Alino & Roberto, num projeto bastante diferenciado de minhas atividades. Não pude resistir a um convite tão honroso e estimulante, já que o escritório se tornou referência para defender as vítimas dos grandes conflitos socioambientais, no Brasil, e que envolvem diretamente o mundo do trabalho.
Espero poder contribuir com a experiência acumulada e auxiliar ainda mais os hipossuficientes e populações atingidas por estes desastres ambientais.
O que mais me motivou, nesta nova perspectiva de trabalho, foi a liberdade para poder atuar próxima dos diversos movimentos sociais, sem ter qualquer exigência de metas ou resultados que porventura o escritório possa auferir. Isto me dá muita tranquilidade de poder realizar um trabalho técnico de qualidade e aprofundado.
5. Há diversas ações que tramitam no STF que tratam justamente da proibição do uso, comércio e exploração do amianto no país. Em que situação estão as ações?
Infelizmente estas ações estão paralisadas, aguardando há anos na extensa fila para entrar em pauta, como tantos outros temas relevantes em nosso país. As que reputo de maior urgência são a ADIN-4066, que discute a inconstitucionalidade da lei do uso “seguro ou controlado do amianto” e a ADIN-3937 sobre a proibição do amianto no Estado de São Paulo. Esta última tem já 2 votos proferidos, um a favor e outro contra. É exasperante para nós que militamos há anos nesta seara aguardar esta longa espera, mas temos fé que venceremos mais esta batalha e que a justiça socioambiental prevalecerá sobre outros interesses socialmente menos relevantes.
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