No confronto entre as formalidades legais e os vínculos de afeto criados entre adotantes e adotado, os últimos devem sempre prevalecer. Com esse entendimento, a 3ª turma do STJ manteve decisão que concedeu a guarda de uma criança aos pais adotivos, mesmo sem o comparecimento da mãe biológica à audiência de instrução.
Em decisão unânime, os ministros consideraram que o vício formal não foi suficiente para impedir a adoção, tendo prevalecido o interesse da criança. Eles verificaram que a declaração prestada pela genitora, embora não tenha sido ratificada em audiência, demonstrou o consentimento e a intenção de entregar a criança aos pais adotivos, que já conviviam com a menor havia 13 anos.
Em 2002, o casal apresentou o pedido de adoção da criança, ainda não registrada, que foi entregue a eles quando tinha apenas um mês de idade. No documento, informaram que a mãe biológica assinou termo consentindo com a adoção porque não tinha condições de suprir as necessidades da menor – ela era pobre, foi abandonada pelo companheiro, estava desempregada e já tinha outros filhos.
Na audiência de instrução, foram ouvidas duas testemunhas, mas a genitora não compareceu. Mesmo após ser citada pessoalmente, não se manifestou. Diante da inércia, o juiz nomeou curadora, que confirmou os atos anteriores.
Em 2003, o pedido de adoção foi julgado procedente. Contudo, o MP/CE se manifestou de forma contrária à decisão e interpôs apelação. Afirmou que a mãe biológica não tinha sido ouvida em juízo e que esse procedimento é essencial para a regularidade da adoção. O recurso foi negado.
No STJ, o parquet disse que houve violação do artigo 45 do ECA, segundo o qual a adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando, sendo dispensável somente nos casos em que eles sejam desconhecidos ou tenham perdido o poder familiar. Em seu entendimento, a renúncia deveria ser confirmada em juízo.
Ao analisar o recurso especial, o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator, entendeu a preocupação do MP/CE, principalmente diante de tantos casos noticiados de venda e tráfico de crianças. Apesar disso, afirmou que as formalidades legais devem ser apreciadas de acordo com o caso concreto. Isso porque, segundo ele, "normas rígidas e inflexíveis afastam o direito da realidade, enfraquecendo sua natureza científica e prática".
Proteção integral
Em um sistema como o brasileiro, comentou Bellizze, “norteado pela doutrina da proteção integral”, é necessário buscar a solução que melhor atenda aos interesses do menor. Em outras palavras, "trabalhar com o princípio do melhor interesse exige do operador do direito a superação de certos dogmas formais, apreciando-se o processo de adoção de maneira utilitária e instrumental, buscando-se a concretização do bem-estar do protegido".
“Julgo improcedente o pedido, pois declarar a nulidade do processo de adoção, notadamente diante dos elementos de prova coletados durante a instrução do feito, postergando sem justificativa a regularização da situação da infante, não condiz com os objetivos do Estatuto da Criança e do Adolescente".
O relator explicou que essa posição não afasta as normas que disciplinam a matéria, mas as interpreta de forma a valorizar o princípio do melhor interesse do menor, que, de acordo com ele, representa relevante mudança na ideia basilar das relações familiares: o filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado a sujeito de direito, pessoa humana merecedora da tutela do ordenamento jurídico.