A 6ª turma do STJ, por unanimidade, reformou decisão do TJ/SP que, sob o argumento de ter havido consentimento da menor, absolveu um homem processado por fazer sexo com sua enteada de 13 anos.
Ao condenar o réu, a turma seguiu entendimento recentemente pacificado na 3ª seção da Corte, segundo o qual a presunção de violência nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra menores de 14 anos (prevista na redação do CP vigente até 2009) tem caráter absoluto.
O relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, consideou "repudiáveis" os fundamentos empregados pela magistrada de primeiro grau e pelo relator do acórdão impugnado para absolver o recorrido, "reproduzindo um padrão de comportamento judicial tipicamente patriarcal, amiúde observado em processos por crimes dessa natureza, nos quais o julgamento recai inicialmente sobre a vítima para somente a partir daí julgar-se o réu".
Denunciado por sua companheira, o padrasto da menor foi absolvido em 2009 pelo juízo de primeiro grau. Para a magistrada, a menor não foi vítima de violência presumida, pois "se mostrou determinada para consumar o coito anal com o padrasto. O que fez foi de livre e espontânea vontade, sem coação, ameaça, violência ou temor. Mais: a moça quis repetir e assim o fez". O TJ/SP manteve a absolvição pelos mesmos fundamentos. Conforme o acórdão, a vítima narrou que manteve relacionamento íntimo com o padrasto por diversas vezes, sempre de forma consentida, pois gostava dele. A maioria dos desembargadores considerou que o consentimento da menor, ainda que influenciado pelo desenvolvimento da sociedade e dos costumes, justificava a manutenção da absolvição.
Ao julgar o recurso do MP, o ministro Schietti refutou a posição das instâncias ordinárias. Para ele, a sentença e o acórdão do tribunal paulista violaram o artigo 224, alínea "a", do CP – vigente à época dos fatos –, segundo o qual a violência é presumida quando a vítima não tem mais de 14 anos. "A interpretação que vem se firmando sobre tal dispositivo é no sentido de que responde por estupro o agente que, mesmo sem violência real, e ainda que mediante anuência da vítima, mantém relações sexuais (ou qualquer ato libidinoso) com menor de 14 anos", afirmou o relator.
Segundo Schietti, seja qual for o enfoque – jurídico, sociológico ou humanístico –, os fundamentos utilizados pelas instâncias ordinárias distanciam-se da nova ordem constitucional e dos novos contornos que a política de proteção integral a crianças e adolescentes vem crescentemente assumindo no Brasil e no mundo.
O STF também interpreta que a presunção de violência é absoluta nos crimes cometidos antes da vigência da lei 12.015/09, como no caso julgado pela 6ª turma, em que as práticas delitivas se deram entre 2004 e 2006.
A partir da lei 12.015, que modificou o CP em relação aos crimes sexuais, o estupro e o atentado violento ao pudor foram fundidos em um só tipo, o crime de estupro. Também desapareceu a figura da violência presumida, e todo ato sexual com pessoas não maiores de 14 anos passou a configurar estupro de vulnerável.
A 6ª turma deu provimento ao recurso para condenar o padrasto pela prática do crime de atentado violento ao pudor (cometido antes da lei 12.015). O processo foi remetido ao TJ/SP para a fixação da pena. O número do recurso não é divulgado em razão de segredo judicial.