Julgamento inédito no STJ garantiu a um homossexual direito a pensão previdenciária por morte de companheiro
A decisão considerou discriminatório pretender excluir parte da sociedade – aqueles que têm relações homoafetivas – da tutela do Poder Judiciário sob o argumento de não haver previsão legal para a hipótese.
O caso em questão não trata de Direito de Família, mas de Direito Previdenciário. A Sexta Turma do STJ não atendeu a recurso do INSS, que pretendia reformar decisão de segunda instância da Justiça Federal gaúcha. Acórdão do TRF da 4ª Região (Porto Alegre) considerou que o vácuo na legislação a respeito da relação de dependência entre pessoas do mesmo sexo que convivem como em um casamento não poderia ser um obstáculo para o reconhecimento dessa relação jurídica.
Ao STJ, o INSS alegou que a Lei n. 8.213/91 foi afrontada pela decisão do TRF, uma vez que a lei considera companheira ou companheiro a pessoa que, mesmo sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada. Dessa forma, no entender do Instituto, a lei não contemplaria os homossexuais. O INSS argumentou também que faltaria legitimidade ao Ministério Público para atuar como parte na ação.
Porém o relator do recurso especial, ministro Hélio Quaglia Barbosa, admitiu a legitimidade do MP porque o processo trata da busca por tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais. O ministro relator destacou que são beneficiários do segurado aqueles que, quando do seu falecimento, eram seus dependentes, sendo que o benefício visa suprir as necessidades econômicas desses dependentes.
Quanto à Lei n. 8.213/91, o ministro Hélio Quaglia manteve o entendimento da segunda instância de que esta norma se preocupou em desenhar o conceito de entidade familiar, contemplando a união estável, sem excluir as relações homoafetivas. Também a própria Constituição Federal, conforme lembrou o relator, não excluiu tais relacionamentos, deixando uma lacuna que deve ser preenchida a partir de outras fontes do direito.
Concluindo, o ministro Hélio Quaglia revelou que o próprio INSS regulou a concessão de benefício a companheiro ou companheira homossexual (Instrução Normativa 25, de 7 de junho de 2000). A regulação visava atender a determinação judicial da juíza federal Simone Barbasin Fortes, da 3ª Vara Previdenciária de Porto Alegre, que concedeu uma liminar em ação civil pública sobre o tema, cujo efeito não se limitou às partes do processo (efeito erga omnes), atingindo todo o território nacional. O voto do relator do recurso especial foi seguido por unanimidade na Sexta Turma.
O ministro Paulo Gallotti, presidente da Turma, e o ministro Paulo Medina acompanharam o entendimento. Tribunais Regionais Federais bem como órgãos administrativos já vêm reconhecendo a possibilidade de extensão dos benefícios previdenciários aos parceiros homossexuais conviventes.
União estável
Por meio de uma ação judicial contra o INSS, o companheiro do beneficiário falecido pediu o recebimento da pensão previdenciária por morte, bem como o complemento da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ).
Ele argumentou que o relacionamento com o companheiro, além de ter durado duas décadas, era semelhante às relações heterossexuais, como nos casamentos, "dividindo despesas, pactuando alegrias e tristezas". Sua defesa invocou a própria Constituição, que assegura a liberdade e a igualdade (sexual, inclusive), além do artigo 16, I, da Lei n. 8.213/91, que define os dependentes beneficiários do regime geral da Previdência Social.
O INSS contestou, alegando que o companheiro do beneficiário não se enquadraria como dependente e, em primeiro grau, a Justiça Federal julgou o pedido improcedente. Mas o Ministério Público Federal apelou da sentença, sustentando que o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição, que garante a proteção do Estado à família, não exclui a união estável homossexual.
O companheiro também apelou ao TRF, obtendo o reconhecimento de seu direito ao recebimento da pensão, que deverá ser paga desde o ajuizamento da ação. O acórdão ainda determinou que as parcelas vencidas deverão ser corrigidas pelo IGP-DI, com juros de mora de 6% ao ano, a contar da citação. Já os honorários advocatícios foram fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a execução do julgado. Com o julgamento no STJ, esta é a decisão que ficou mantida.
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